Desliga de uma reunião, liga para uma entrevista. Esta sexta-feira, véspera do 25 de Abril, João Almeida terminou a intervenção na Comissão de Negócios Estrangeiros e recebeu logo a seguir no Skype a chamada do Observador. Nos últimos dias, tem sido um dos protagonistas da polémica sobre o mérito de se organizar a celebração do dia da Liberdade no Parlamento, em particular, a troca de palavras com o Presidente da Assembleia da República e as críticas públicas que lhe tem dirigido. Mas, como percebeu quem ouviu o programa de análise política da Rádio Observador, “Vichyssoise“, o deputado do CDS tinha mais coisas para dizer: responsabiliza Ferro Rodrigues por ter criado “toda esta situação”, acusa-o de “pôr rótulos”, e de querer “tirar consequências próprias de quem acha que é dono de valores, do regime, e dono do Parlamento”.
Recusa que o CDS tenha ficado sozinho neste combate e acredita que “o país quase todo” partilha da mesma convicção. O país quase todo, talvez, mas o PSD seguramente não. Um partido da oposição que o deputado diz que parece estar “a fazer de governo” numa “lógica de cooperação ou de colaboracionismo”. João Almeida acredita que, apesar de tudo, há espaço para fazer oposição ao Governo, mesmo em estado de pandemia. E se o vírus veio desestabilizar tudo, incluindo a política, diz que não é “justo” fazer um balanço do mandato de Francisco Rodrigues dos Santos como líder do CDS (lugar a que o próprio Almeida se candidatou, mas perdeu), embora admita que a relação com o Presidente do partido é pouca, ou quase nenhuma. Pode ouvir a conversa na íntegra aqui, ou ler a versão editada, já a seguir.
Ferro “quer tirar consequências próprias de quem acha que é dono do Parlamento”
O CDS só vai estar representado com um deputado nas cerimónias no Parlamento. Mas se fosse o João Almeida a ir ao 25 de abril este ano, ia “mascarado”?
Mascarado não ia de certeza, há que ter respeito por aquilo que é a situação atual, e por quem tem de andar de máscara obrigatoriamente. De resto, há regras. No Parlamento tenho feito o mesmo que faço desde que esta situação começou: quando ando em espaços onde posso cruzar-me com as pessoas e ter interação mais próxima, uso máscara, e quando estou em espaços onde o distanciamento social está assegurado, como na primeira fila da bancada para intervir, retiro. O uso de máscara não é uma questão folclórica, como o senhor presidente da Assembleia da República a pôs. É uma questão de saúde pública e há regras para isso. E todos nós devemos respeitá-las.
A expressão foi precisamente usada por Ferro Rodrigues e o João Almeida tem sido um dos mais fortes críticos da gestão que tem sido feita desta cerimónia. As suas críticas significam que acha que o Presidente da Assembleia da República não esteve à altura daquilo que lhe era exigido?
Eu, sendo crítico, tenho tido imensa concorrência nessa função. Acho, aliás, que tenho tido concorrência do país quase todo. Se há coisa que é quase unânime é que um Presidente da Assembleia da República, segunda figura de Estado, devia ter tido um comportamento substancialmente diferente relativamente a esta questão. Por duas razões: quer a questão de saúde pública ligada ao Covid, quer a questão da comemoração de uma data tão importante como o 25 de Abril, onde se celebram valores tão importantes como o da liberdade e o regime democrático em que vivemos, são razões de união do país. Sendo razões de união do país, vai alguém conseguir explicar que a segunda figura do Estado, presidente da Assembleia da República, seja quem divide, quer por uma coisa quer por outra?
A dada altura tornou-se uma questão entre esquerda e direita ou entre quem gosta mais do 25 de abril. Mas até foi o PSD quem propôs o modelo inicial de realização da sessão solene, e já saudou o modelo minimalista da sessão e a “responsabilidade” que vai haver na celebração do 1º de maio. O PSD dá mais importância ao 25 de abril do que o CDS?
Não, de maneira nenhuma. Essa questão do PSD é usada pelo presidente da Assembleia da República para se tentar legitimar. O PSD propôs o que achava que faria mais sentido, tudo bem, nós não concordamos, mas isso é uma discussão que é feita na conferência de líderes e que podia ter ficado lá, não fosse o presidente da Assembleia da República a partir daí lançar-se numa cruzada de querer pôr-nos uns contra os outros.
Não era uma questão de esquerda-direita?
Não, como aliás se viu nas posições de João Soares ou de Vital Moreira, que são insuspeitos de ser de direita, ou de António Pires de Lima, que achou que a celebração se devia fazer nestes termos. Nem é sequer anormal que, numa situação de exceção como esta, haja diferentes opiniões sobre como celebrar. O que é totalmente anormal é que um presidente da Assembleia da República se lance nesta cruzada, pondo uns contra os outros, não apenas por um modelo de cerimónia, mas querendo tirar daí consequências que são próprias de quem acha que é dono de valores, de um regime e, no limite, dono do Parlamento.
Em nenhum momento receou que esta polémica viesse reforçar a ideia de que a direita não gosta do 25 de Abril?
Pelo contrário. Esta polémica provou que à esquerda há muita gente que lida muito mal com a liberdade de opinião e a diversidade de opiniões. Não houve ninguém à direita que questionasse a liberdade de o presidente da Assembleia da República, e outros, defenderem este modelo de comemorações. Houve foi, à esquerda, um presidente da Assembleia da República que resolveu criar toda esta situação, pondo rótulos, distribuindo acusações, sem qualquer sentido.
Ultimamente, António Costa tem aparecido todos os dias, deu uma série de entrevistas, fez várias conferências de imprensa, fala em todo o lado. Reconhece que a pandemia veio tornar mais difícil o papel da oposição?
Depende de como cada um exerce as suas funções. Há um papel muito importante nesta conjuntura para a oposição em tudo aquilo onde o governo não age bem, ou em tudo aquilo que escapa à ação do governo. Fazer o papel que uma oposição tem de fazer é, antes de mais nada, representar todos os que possam não estar a ser ouvidos, ou possam não estar a ser tratados devidamente.
Tem exemplos?
Tenho: se não houvesse oposição a denunciar, tinha havido a noção de que os equipamentos de proteção individual não estavam a chegar aos lares e que os testes nos idosos não estavam a ser feitos de forma igual em todo o país? Se não tivesse havido oposição a dizê-lo, podia ter demorado muito mais tempo a ser resolvido. Outra questão essencial: a questão do lay-off. Quantas alterações já foram feitas que foram provocadas, em muitos casos, por críticas da oposição? E ainda continuamos a fazê-las, por exemplo, em relação aos sócios-gerentes que continuam a ficar de fora na esmagadora maioria dos casos, o que pode pôr em causa, indiretamente, muitos postos de trabalho.
“Em democracia o que não pode haver é unanimismo”
Portanto, não falta espaço à oposição.
Há muito espaço para, sem pôr em causa o combate a esta situação, que é uma causa nacional, todos contribuirmos, dentro daquilo que são as nossas funções, para o sucesso desse combate. O que não é suposto é, numa situação excecional, o governo passar a fazer de oposição, e a oposição de governo. Cada um tem o seu lugar e deve interpretá-lo de forma competente num momento excecional como este.
E tem visto alguma oposição fazer de governo?
É óbvio, não gosto de falar indiretamente. O PSD fez a escolha de estar numa lógica de cooperação ou de colaboracionismo, não quero ser eu a classificar, mas acho que é mais útil na oposição uma lógica de procurar representar todos os que, num momento difícil como este, possam estar a ficar para trás. Essa é a escolha do CDS e acho que é uma escolha certa.
E o CDS não sente que está a fazer oposição ao PSD?
Não, porque o PSD não é governo.
Mas a verdade é que o PSD, assim como o PS, subiram nas sondagens em função desta resposta à pandemia e à crise. O CDS não corre o risco de estar a apostar na estratégia errada?
Nunca é errada a estratégia de representar as pessoas, principalmente para um partido que na oposição tem obrigação de dar voz a quem não a está a ter. Mal do político que, no meio de uma crise, a preocupação que tenha é a das sondagens. Não que elas não sejam importantes, mas porque estamos a meio desta situação. Se representarmos bem as pessoas, vamos conseguir explicar isso e vamos conseguir no futuro dar sentido a um voto no CDS, que é um voto que as pessoas sabem que vale para ter voz.
Antes desta situação, havia sinais de que a economia podia arrefecer em Portugal, já estava complicada a relação entre o Governo e a esquerda. Mas do ponto de vista político, tudo isso foi ultrapassado pelos acontecimentos. A pergunta é se a oposição ainda tem narrativa para se oferecer como alternativa a um Governo que está a gerir uma situação inédita?
Tenho a experiência exatamente contrária, a de participar numa maioria que estava a gerir o país numa circunstância dessas e o que não faltou foi oposição, mais ou menos responsável, dependendo dos períodos e dos partidos. Agora, em democracia o que não pode haver é unanimismo. Se caminharmos para uma lógica de unanimismo e dissermos ‘a situação é tão grave que temos de estar todos com o Governo’, então o que fazemos se o governo errar? Se o governo falhar a alguém? Não há problema porque o que interessava era estarmos todos do mesmo lado? Não vejo a política assim.
Vê-a como?
Vejo-a como uma lógica de representação. Não temos de fazer oposição pela oposição, não temos de estar contra o governo porque somos oposição, mas temos de ser alternativa ao governo porque há áreas, e pessoas, que não estão a ter a resposta que podiam ter. Isso não se faz numa lógica destrutiva, faz-se numa lógica construtiva, apresentando e chamando à atenção para o que é necessário fazer. É isso que o CDS deve fazer. No espaço atual, há à direita muito espaço para a criação dessa alternativa e para uma visão diferente.
Relação com o líder do CDS: pouca ou nenhuma
Já passaram alguns meses da liderança de Francisco Rodrigues dos Santos, já é possível fazer um balanço dos primeiros tempos à frente do partido?
Sinceramente, acho que era injusto. Já passou, de facto, algum tempo, mas grande parte desse período correu numa situação manifestamente excecional. Nunca faria a primeira apreciação disso em público, fá-la-ei nos órgãos próprios do partido quando houver condições para eles reunirem, mas também — ainda que pudessem reunir já — há um condicionamento muito grande daquilo que é a intervenção partidária em função daquilo que aconteceu. Principalmente quando é uma liderança partidária que não está no Parlamento e nestas circunstâncias menos espaço tem ainda.
Mas isso é um álibi ou, por outro lado, Francisco Rodrigues dos Santos está a demonstrar que está à altura?
Não, não é um álibi. Eu não estou a dizer que a prestação tem sido insuficiente ou má ou qualquer outra coisa por causa do que está a acontecer. Estou a dizer que não se pode analisar por causa do que está a acontecer. É óbvio que não seria igual, qualquer liderança partidária, muito menos uma liderança partidária nova e ainda menos uma liderança partidária nova que não está no Parlamento, numa circunstância como esta que está a acontecer.
Como é que tem sido essa articulação entre o líder do partido com o grupo parlamentar?
Isso é feito com o líder parlamentar e, portanto, terá que ser o líder parlamentar e dizê-lo.
Não há um contacto direto dos deputados com o presidente do partido? O contacto é sempre através do líder parlamentar, Telmo Correia?
Por regra sim, não tem havido solicitação por parte da direção do partido, que eu saiba, aos deputados individualmente. Houve contactos, mas muito poucos.
Não fala muito com Francisco Rodrigues dos Santos?
Falo as vezes que ele entende que são úteis. Eu, como presidente do partido, se tivesse ganho no Congresso, nunca estaria à espera que as pessoas me ligassem, tomava a iniciativa de ligar. E com quem eu falasse sentiria a utilidade da sua participação.
Mas já recebeu muitos telefonemas do líder do partido?
Não.
O que é que faria de diferente se tivesse sido eleito?
Direi isso no Conselho Nacional do Partido, quando reunir.
Isso significa que já identificou algumas coisas?
Não precisava de identificar, isso é prévio ao Congresso. Apresentei uma perspetiva diferente, não saiu vencedora. Mantenho uma visão muito democrática daquilo que são as escolhas do partido. O partido fez determinado tipo de escolhas, eu tinha apresentado um projeto diferente. Nem passei a achar que aquilo que apresentei não fazia sentido, mas também não ignoro o resultado que saiu do Congresso e a legitimidade que tem quem pensa de forma diferente, porque ganhou o Congresso.
Em relação à resposta a esta pandemia, faria muito diferente do que aquilo que Francisco Rodrigues dos Santos está a fazer?
Seria profundamente injusto estar aqui a fazer essa apreciação. Quer pela conjuntura, quer pelo facto de não ter nunca reunido o Conselho Nacional do Partido, que é o espaço onde acho que essas questões devem ser discutidas, e fá-lo-ei lá.
Vai estar confinado em casa, mas ainda assim como é que vai celebrar o 25 de Abril?
Provavelmente com alguma posição online e vendo aquilo que são outras celebrações. Agora, como sou democrata mesmo na gestão caseira e profundamente defensor da liberdade, será um dia como os outros em que a liberdade é o valor mais importante até nas pequenas escolhas que se fazem em casa.