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Em vésperas de entregar no Parlamento as propostas de alteração ao Orçamento do Estado para o próximo ano, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, avisa que “há propostas com relevância que têm de ser consideradas na especialidade”. Uma delas tem a ver com o descongelamento de carreiras e a contagem do tempo de serviço dos quase dez anos do congelamento. O protesto que trouxe esta quarta-feira os professores em greve à rua demonstra, para João Oliveira, a “evidente a justeza das [suas] reivindicações”. Nesta entrevista, concedida na terça-feira ao Observador, também diz que o PCP vai votar contra o imposto batata frita (sobre produtos com elevado teor de sal), por discordar que a regulação se faça pela via fiscal. E garante que há um acordo do Governo para acabar com o corte de 10% no subsídio de desemprego e para aumentar a derrama do IRC. Há ministros contra? “Isso não prejudica em nada o compromisso”, assegura.
Também fala de política pura e dura, contorna qualquer balanço sobre a atividade da “geringonça” ou de avaliação do primeiro-ministro António Costa e evita usar a palavra “positivo” da avaliação do Orçamento que o PCP se prepara para aprovar. O comunista mostra-se desconfortável com a execução orçamental, mas diz que nessa matéria resta ao PCP fiscalizar o Governo. Só falta aprovarem um Orçamento e não fecha a porta a que isso volte a acontecer. “A história não se repete”, diz João Oliveira, quando falamos de uma nova “geringonça” após as próximas legislativas: “Não há soluções ou modelos que possam ser transpostas para outro quadro, outra realidade”.
“Boa parte do que neste Orçamento resulta de positivo, vem da ação do PCP”
O PCP já disse que este Orçamento continua “a revelar uma obsessão pelo défice”, é “espartilhado pelo PS”, “não corresponde aos problemas que o país enfrenta”. Ainda assim, o PCP prepara-se para aprová-lo. Porquê?
A apreciação que fazemos do Orçamento tem de ver com o seu conteúdo e esse tem elementos de natureza contraditória. Se por um lado tem elementos de avanço em relação a medidas de reposição de rendimentos, por outro não deixa de refletir opções que limitam a resposta aos problemas do país e, por essa via, é um Orçamento que sofre desses espartilhos que resultam de opções do PS.
Mas quando o põe nos pratos da balança, o PCP considera que traz mais vantagens, uma vez que o aprova. Certo?
Não é uma questão de maiores vantagens ou desvantagens. Fazemos a apreciação d0 Orçamento em função da resposta que ele dá aos problemas do país. Podemos dizer que a resposta política de que o país precisa não se esgota na resposta que é possível dar no Orçamento, mas ele é um instrumento importante. Portanto, avaliando a resposta que é dada a alguns dos problemas mais relevantes do país, confrontamo-nos, de facto, com muitas insuficiências que resultam das opções do Governo do PS. Não deixando de registar aquilo que, em sentido positivo é traduzido no Orçamento.
Às vezes dá ideia que há dois PCP: um que aprova o Orçamento e outro que faz um discurso duro para o Governo na tribuna parlamentar e no jornal “Avante!”. É assim?
Não, não são os elementos positivos do Orçamento que apagam as suas insuficiências, nem as insuficiências que fazem desaparecer os elementos positivos. Fazemos a apreciação em função dos nosso critérios e não respondemos nem apagamos as nossas divergências, nem escondemos a valorização positiva do que é possível de alcançar. Até porque boa parte do que neste Orçamento resulta positivo, vem da ação do PCP. Nas matérias que marcam de forma positiva este Orçamento, as questões centrais resultam da discussão que foi sendo feita entre o PCP e o Governo.
O que é que para o partido seria suficiente para chumbar um Orçamento? Ou nunca o fariam, pelo simples facto de que do outro lado estaria a direita?
Nem isso é critério, nem a resposta a essa pergunta pode deixar de ser especulativa. Porque é óbvio que a apreciação no Orçamento é feita no contexto de uma correlação de forças que hoje existe na Assembleia da República e de nunca desperdiçar uma oportunidade para alcançar aquilo que pode ser alcançado nas respostas aos problemas dos trabalhadores e do povo. Ou seja, temos noção das limitações desta correlação de forças, sabemos que a composição da Assembleia da República não é suficiente para que se possa pôr em prática a política alternativa que o PCP defende, mas sabemos que ela permite alguns avanços. Esta proposta consolida os avanços alcançados nos últimos anos e dá novos passos nesse sentido. Essa avaliação positiv… [não termina a palavra] essa avaliação global do Orçamento não deixa de estar presente e expressa.
E se o Governo tiver de tomar medidas não tão positivas para cumprir as metas de Bruxelas, considerando a atual discussão?
A imposição que o Governo assume para si próprio de dar cumprimento — e nalguns casos levar até mais longe — a expressão concreta desses constrangimentos, não é coincidente com a resposta que o país precisa.
A aprovação do Orçamento pelo PCP na votação final está garantida?
A apreciação feita na generalidade e em relação à aprovação da proposta na generalidade inclui ela própria a perspetiva do exame comum que ainda falta concluir na especialidade.
Há alguma coisa que possa acontecer na especialidade que vos possa fazer mudar de ideias?
Dizer que sim ou que não comporta sempre um grau de especulação que não é pequeno.
Mas aqui não é especular, há medidas concretas que o PCP tem posto em cima da mesa para essa negociação que se vai fazer na especialidade…
Sim, algumas delas resultam até do exame comum com o Governo que não foi possível concluir antes da apresentação da proposta mas que na especialidade já foi entretanto concluída.
Mas há coisas que estão em cima da mesa que ainda são decisivas ou é apenas jogada política não dizer já como votam no fim?
Não se trata de uma jogada política. Dizemos que a apreciação do nosso sentido de voto na votação final global está dependente ainda do caminho que é preciso fazer na especialidade. Há propostas com alguma relevância que têm de ser consideradas.
Quais? Quais são as mais importantes?
Por exemplo, a eliminação do corte de10% do subsídio de desemprego ou o aumento da derrama do IRC. Dois compromissos assumidos ainda na fase do exame comum e que ficaram para aprovação na especialidade, são duas da propostas que, pelo impacto que têm, assumem especial relevância.
Na questão de derrama, o PCP tem sublinhado que há um acordo.
Sim, um compromisso assumido pelo Governo.
Quem do Governo vos disse que existia esse acordo? O ministro das Finanças?
Bem, essa discussão foi feita com diferentes interlocutores. Não os identificaria, porque não é relevante, O que é relevante é que o Governo assumiu o compromisso em relação a essa medida.
O facto de os ministros das Finanças e da Economia manifestarem algumas reservas com esse agravamento de IRC, porque vai no sentido contrário à redução da carga fiscal geral, não o preocupa?
Não, é uma apreciação legítima e que não prejudica em nada o compromisso que foi assumido, julgo eu. Não vejo aí nenhum problema.
Se havia o compromisso ainda antes da proposta se entregue, porque não foi logo incluído o aumento da derrama na proposta do Governo?
Bom, isso foi de resto relativamente clarificado na apresentação do Orçamento. Quer uma quer a outra proposta tinham ficado sinalizadas nesse sentido. Ainda que não estivesse na proposta de Orçamento, haveria sempre possibilidade de isso acontecer na especialidade.
Haveria possibilidade ou entram as duas definitivamente?
Não, não, o compromisso assumido é que entram.
“É evidente a justeza das reivindicações” dos professores
Há mais alguma coisa que o PCP esteja a negociar com o Governo nesta altura?
A contagem do tempo de serviço para a progressão nas carreiras da função pública. É uma matéria que foi discutida nos quadro do exame comum, o PCP deixou clara a sua posição: entendemos que todo o tempo e serviço que corresponde a trabalho prestado pelos trabalhadores da Administração Pública tem necessariamente de ser contabilizado para efeitos de progressão na carreira da Administração Pública.
Para entrarem os 20% que estariam de fora do descongelamento?
Não sei se são só 20%, porque isto atinge professores e não só. Também atinge militares, polícias, GNR, profissionais da justiça, saúde. Há um conjunto muito variado de carreiras em que a contagem do tempo é relevante para efeitos de progressão na carreira. Sinalizámos que não estávamos de acordo com uma solução que inscrevesse no Orçamento que esse tempo era desconsiderado. E isso permitiu eliminar uma norma na proposta de Orçamento, que ia nesse sentido. A questão agora colocada resulta das dúvidas que surgiram. Os desenvolvimentos desta discussão só confirmam que é preciso clarificá-la e entendemos que o Governo tem todas as condições para fazer a discussão que precisa de fazer com os sindicatos, para ver qual a fórmula mais adequada para cada carreira. Da parte do grupo parlamentar do PCP, apresentaremos a proposta necessária para clarificar que o tempo de serviço conta.
O Governo está aberto a contar com esse tempo de serviço da forma que o PCP quer?
Julgo que isso se tornou mais evidente. A injustiça que significaria deitar fora quase dez anos de trabalho de milhares de trabalhadores na administração pública, ficou mais evidente e ficou mais claro que é preciso encontrar uma solução no Orçamento do Estado.
Mas tem alguma garantia de que isso vá acontecer?
A matéria continua a ser discutida com o Governo no que tem a ver com a tradução, no Orçamento, desse problema da clarificação da questão do tempo. Depois há outra questão que é ver, da parte dos sindicatos, e nisso o PCP já não intervém. Mas estamos convencidos que até sexta-feira — prazo de entrega das propostas de alteração — se encontra a solução para isso.
Tem ideia do custo acrescido para o Orçamento com a resolução dessa questão?
Não temos e julgo que ninguém terá até que o Governo conclua alguma coisa na discussão com os sindicatos sobre cada uma das carreiras.
Mas disse que o PCP vai apresentar uma proposta nesse sentido.
No sentido de clarificar que aquele tempo de serviço tem de ser contabilizado para efeitos de progressão na carreira.
E não sabe quanto custa?
O facto de se dizer que aquele tempo de serviço tem de ser contabilizado para efeitos de progressão na carreira não diz qual o peso que isso terá no Orçamento de 2018 ou 2019. Não tem necessariamente uma tradução imediata do ponto de vista orçamental. Isso tem a ver com outro debate que o Governo tem de fazer com os sindicatos relativamente à forma e ao calendário.
O PCP associa-se à greve e manifestação de professores desta quarta-feira?
Julgo que é evidente a justeza das reivindicações. Não só dos professores, como dos outros corpos da administração pública onde este problema tem expressão.
Associa-se, portanto.
Sim, é perfeitamente compreensível que o PCP reconheça a justeza daquelas reivindicações. E há um elemento que é importante sublinhar: nos últimos dez anos, milhares de trabalhadores da Administração Pública simplesmente não tinham perspetiva nenhuma em relação à evolução nas suas carreiras. Pela primeira vez, o Orçamento para 2018 devolve a esses milhares de trabalhadores uma perspetiva de futuro em relação às suas carreiras. Seria profundamente negativo que esse passo dado no Orçamento acabasse diminuído porque não se quer reconhecer aquele tempo de serviço que foi efetivamente prestado por aqueles trabalhadores.
Uma questão como essa, se não acabar acautelada como o PCP defende, faz deste um orçamento falhado?
O problema da proposta do Orçamento é ter deixado isso em aberto. O desenvolvimento da discussão é marcado por afirmações de vários membros do Governo no sentido de que aquele tempo não seria considerado. A proposta deixa isso em aberto, portanto tudo pode acontecer. Terá sempre de haver uma solução política sobre isso. A questão que se coloca é se o Orçamento resolve já esse problema ou se deixa tudo em aberto para a frente. Essa segunda hipótese não é adequada.
“O problema não são as cativações, mas a execução orçamental”
Sente-se de alguma forma defraudado pela execução que é feita dos programas orçamentais e do investimento público nestes dois anos, por via das cativações?
O problema não é tanto das cativações. Tem-se feito um grande alarido como se o problema fosse esse. O problema não são as cativações, mas a execução orçamental que é feita, onde as cativações têm uma parte porque são um dos instrumentos utilizados.
As cativações deixam uma grande margem ao ministro das Finanças para tomar decisões , o que fez com que a execução tenha ficado muito aquém do o PCP esperava que acontecesse.
Estava só a tentar colocar as cativações no seu sítio, Acho que têm um papel, percebo que o PSD e o CDS utilizem o discurso em torno disso porque pode dar algum soundbite. O exemplo que referiu da exigência de culpa tutela na autorização da despesa não tem a ver com as cativações e é um obstáculo. Inclusivamente para a contratação de trabalhadores, já que em alguns casos não basta a autorização do ministro da tutela, mas também a do ministro das Finanças. As cativações são um instrumento de gestão orçamental, podem ser utilizadas para o bem ou para o mal: para permitir uma gestão rigorosa do orçamento garantindo a realização do investimento e a contratação dos trabalhadores ou para outro objetivo, não só de restringir contratação de pessoal, como de desestabilizar o que fica estabelecido nos orçamentos.
O que acha que tem acontecido?
A questão central é da opção que é feita e obviamente que em relação a isso não é uma questão de nos sentirmos defraudados, é uma questão de preocupação pelo caminho que as coisas levam.
Não negoceiam só medidas específicas, também negoceiam o orçamento de cada um dos ministérios de cada um dos programas. E o que tem acontecido, ano após ano, é que essa execução tem ficado muito aquém daquilo que é aprovado também pelo PCP. Sente-se defraudado?
O problema maior é não se assegurar o investimento que é necessário para manter em funcionamento serviços públicos essenciais. O problema com os transportes é preocupante. Por exemplo, no transporte fluvial, há trabalhadores encostados por causa do desinvestimento na manutenção dos barcos, isso é que é um motivo de preocupação em relação ao investimento. Ou os adiamentos em relação à construção de três hospitais que estão parados desde 2016. Nestas e outras áreas, a quebra de investimento público faz-se sentir de forma dramática e esse é o verdadeiro fator de preocupação. E temos feito um controlo político de execução do orçamento.
Mas não tem impedido que estes cortes tenham acontecido. E o valor das cativações até partidos à esquerda deixou surpreendidos este ano.
É um problema que não pode deixar de ser considerado, mas nós fazemos a nossa parte de pedir contas ao Governo. A resposta que o Governo dá a esse controlo político não deixa de ser avaliado pelas populações e não deixa de ter uma censura política, como quando vemos comissões de utentes a reivindicar a resposta a problemas.
O PCP sabe na prática que o que acontece: é que um ministro das Finanças não autoriza que aquelas despesas de investimento sejam feitas.
E o que é grave é que só o ministro das Finanças o pode fazer. O Governo é a única entidade que tem a responsabilidade de execução o Orçamento. Não é a Assembleia da República que se pode substituir ao Governo nisso.
Mas a Assembleia da República tem aprovado, ano após ano, a autorização legislativa que dá ao ministro das Finanças este poder.
Mas não são as normas da Assembleia da República nem do Orçamento que impediam que, exatamente nas mesmas condições, os orçamentos fossem diferentes. Ou seja, o problema não está nas normas que são aprovadas na Assembleia da República, mas sim na execução que é feita do Orçamento. O problema está sempre do ponto de vista da concretização do Orçamento, porque com as mesmas normas, o Governo poderia ter uma execução diferente daquela que tem. Faz aquelas opções que, do nosso ponto de vista são erradas, porque a degradação dos serviços públicos tem prejuízo para as populações, para os trabalhadores da Administração Pública e para a degradação das condições da vida do país.
E tendo em conta tudo isso e a os problemas que diz ver na execução orçamental dos últimos anos, ainda se sente confortável ao caucionar este ministro das Finanças e este Governo?
Não se trata de caucionar.
Trata-se de caucionar.
Não, trata-se de fazer o que nos compete que é a fiscalização da execução.
Mas acabaram de aprovar um Orçamento, a questão é se continuam a estar confortáveis nesse papel de apoiar este Governo que não executa orçamento na medida que pretendem?
Não caucionamos. O PCP não passa cheques em branco a ninguém. Portanto, tal e qual como aprovamos as medidas que preveem o investimento nos serviços públicos, tratamos de fazer o que nos compete, que é garantir que aquele execução é feita. E pedir contas ao Governo. É isso que cumpre ao Parlamento. Não caucionamos as opções que o Governo faz. E depois confesso que cria alguma irritação ver CDS e PSD falar em cativações….
O Bloco de Esquerda também tem falado muito.
Mas em relação ao PSD e CDS, estou a dizer isto porque quando eles aprovavam Orçamentos de cinco, só podiam fazer cativações de cinco. Se agora se aprovam orçamentos de dez, naturalmente que as cativações podem ser mais de cinco. Eles faziam cativações mais pequenas porque os orçamento eram mais baixos.
Sentem-se ou não confortáveis no vosso papel?
Enquanto as populações continuarem a ser prejudicadas no acesso a esses serviços públicos, não podemos deixar de estar desconfortáveis. O nosso desconforto não resulta desta ou daquela opção do Governo, mas das consequências para a vida das pessoas.
Em setembro de 2016, o secretário de Estado da Saúde assinou um despacho a dar ordem aos hospitais para não fazerem renovação e equipamento e até a compra de medicamentos estava limitada para poupar dinheiro. Esta questão como outras não têm consequências mais diretas na Assembleia da República?
Está a falar do quê?
Por que é que o PCP, quando negoceia com o Governo, não acautela estas questões para que não continuem a repetir-se?
Mas que solução poderia ter? Se a Assembleia da República assumir os poderes do Governo e tomar decisões de execução do Orçamento está a violar as suas competências. O que é que pode fazer?
Não conseguem ter mais garantias?
Mas como pode ser traduzido na aprovação do Orçamento?
É uma boa pergunta.
Pois, mas não percebo a alternativa. Não é possível a Assembleia da República transformar-se no Governo. Nesse despacho, a Assembleia da República não pode intervir e decidir o oposto. O que era possível fazer, nós fizemos: confrontar o Governo e exigir que fosse reconsiderado. E o ministro da Saúde reconheceu. Há circunstâncias em que o poder da Assembleia permite ir mais longe, como aconteceu na Taxa Social Única. Não prescindimos de nenhum dos instrumentos que temos para que os problemas que temos para resolver tenham uma resposta. Mas não podemos ultrapassar as possibilidades que temos, nem só pela separação de poderes mas por termos um grupo parlamentar com 15 deputados em 230.
Se um Governo não executa um Orçamento que o seu grupo parlamentar ajudou a aprovar, é razoável que no Orçamento seguinte a discussão seja tida em moldes diferentes ou não?
Sim, foi por isso que ainda ontem questionei o senhor ministro da Saúde pela situação inaceitável do hospital de Évora.
Um partido que tem o poder de aprovar ou não um Orçamento e, com isso, poder fazer abanar um Governo, não pode fazer mais do que questionar um ministro? Na negociação não era razoável uma atitude diferente do PCP?
Já viu bem o que é um grupo parlamentar com 15 deputados fazer uma discussão que permite o aumento das pensões como está previsto?
Só demonstra que não são “só” 15 deputados. Têm influência.
Quer dizer que levamos tão longe quanto podemos a influência que temos sobre o Orçamento. Mas há matérias em que nos confrontamos com aquele circunstância. Há circunstâncias que a correlação de forças não permite ir mais longe. Fosse outra a correlação de forças, com mais força do PCP, e certamente as opções seriam outras.
“Governo não terá qualquer surpresa com o nosso voto contra” o imposto sobre o sal
Como interpreta aquela frase do primeiro ministro, no debate sobre incêndios, “os votos do PS e BE ainda não formam uma maioria absoluta”. Foi quase em tom de lamento, como ouviu isso?
Não sei se terá um alcance excecional além do que foi feito à reforma florestal.
Do vosso ponto de vista, aquela correlação de que o primeiro-ministro falou seria pior.
Naquele caso foi a posição que o PCP tomou que impediu uma coisa muito negativa, que foi a possibilidade de entregar as propriedades fundiárias do Estado aos grandes agrários do país, que têm melhores condições de abocanhar as propriedades do Estado. A concentração da propriedade fundiária não é uma boa solução.
Porque é que o primeiro-ministro diz “ainda”? Acha que é a expressão de um desejo?
Tem de perguntar ao primeiro-ministro, não estou na cabeça dele para saber se é um desejo dele ou não.
Era uma situação péssima para o PCP , essa correlação de forças e o PCP na oposição de novo?
Não encaramos o nosso posicionamento assim, mas em funções do que foi mais útil aos trabalhadores e ao povo português. Na Assembleia da República ou na Câmara de Lisboa.
No Orçamento, vão chumbar a taxa sobre os produtos com elevado teor de sal?
É conhecida a discordância do PCP com essa opção. E o Governo já a conhece há muito tempo, desde antes da apresentação da proposta.
Já sabiam que tinham o vosso voto contra?
Exatamente, o Governo não terá nenhuma surpresa relativamente a isso.
Vão apresentar alguma proposta de alteração em relação isso?
É uma das questões que estamos a considerar até onde pode ter uma expressão. Porque temos a convicção que hábitos alimentares prejudiciais às pessoas devem ser proibidos, regulados ou limitados. A via fiscal pode ser um dos instrumentos a considerar para limitar esse tipo de consumo, mas achamos que não é esse o instrumento decisivo. Aliás, como se fez em relação ao pão. A Assembleia da República limitou a quantidade de sal.
O CDS vai apresentar uma proposta de alteração para eliminar essa taxa. É uma hipótese para o PCP?
Estamos ainda a avaliar. Aquilo que vamos propor, pode ser também uma proposta de alteração com uma outra solução, também podemos só votar contra. Qualquer possibilidade está em aberto.
Centeno no Eurogrupo? “O ministro das Finanças português tem de se concentrar na resposta aos problemas do país”
Era importante ter o ministro Mário Centeno no Eurogrupo?
A nossa perspetiva sobre isso é que o ministro das Finanças português tem de se concentrar na resposta aos problemas do país. E não tanto na determinação a outros países das regras que devem ou não devem cumprir ou dos critérios a que devem ou não obedecer. Até porque o passado confirmou que o presidente do Eurogrupo é apenas a personalidade que dá voz a um conjunto de imposições que são feitas, contrárias aos interesses da maior parte dos países da União Europeia, nomeadamente dos menos poderosos.
E isso não podia mudar, tendo lá um ministro português?
Naquele caso, não é a pessoa que faz o cargo.
Há uma corrida entre o PCP e o Bloco para ver quem é o mais influente da “geringonça”?
Da nossa parte não, de maneira nenhuma.
Mas neste Orçamento, ao contrário do que aconteceu nos últimos, o PCP tomou muitas vezes a dianteira mediática da apresentação de medidas. Quiseram reclamar logo vitórias porquê?
Talvez tenha havido uma perceção mais exata da intervenção do que fomos tendo ao longo do exame comum e dos resultados que isso deu.
Mudaram de atitude?
Não sei se mudámos, se foi a perceção sobre isso que se alterou.
A geringonça é repetível? “Todo o contexto é relevante, dificilmente a história se repete”
As últimas autárquicas mexeram com o PCP de alguma maneira, tendo em conta que são as primeiras em que foi a votos depois desta solução governativa existir?
Têm uma importância grande, mas não é correto fazer uma apreciação das eleições em função das decisões tomadas na solução política.
Mas fizeram essa ligação durante campanha: “dar força ao PCP para o PCP ter mais força nas negociações” que estavam a decorrer, nomeadamente as do Orçamento.
O que colocávamos era que tendo o PCP mais força, essa força ia refletir-se do ponto de vista local mas também noutras alterações políticas que é preciso fazer. Não significa uma ligação entre a solução política que resulta das legislativas de 2015 e os resultados eleitorais. Essa ligação não pode ser feita, porque a fazer-se podia explicar resultados diferentes.
Tendo em conta este vosso argumento de campanha, os resultados não fragilizam o PCP na solução governativa?
Não. Continuamos a intervir exatamente da mesma forma, determinados pelos mesmos objetivos e ânimo. De resto a discussão do OE comprova isso mesmo. Não ficámos em nada beliscados.
Como classifica o trabalho feito com o PS? É fácil a comunicação?
A questão não se coloca tanto do ponto de vista da comunicação.
Como classifica o trabalho conjunto neste dois anos?
Nem sei bem como é que hei-de responder a essa pergunta… Há matérias mais complicadas que outras, que exigem mais reflexão. Mais profundidades de análise e discussão.
Mas tendo em conta a expectativa que tinha há dois anos e o que verificou, que avaliação faz?
A classificação qualitativa é que não sei como é que pode ser feita. Há problemas identificados e que foram sendo ultrapassados.
Não estou a falar de medidas concretas mas de relacionamento político.
Toda esta nova realidade na Assembleia da República introduziu, de facto, fatores de novidade no trabalho diário, na articulação do nosso grupo parlamentar, na exigência que tem hoje a nossa intervenção que noutro quadro era menor. Isso coloca uma responsabilidade e exigência acrescidas no nosso trabalho. Há aspetos de discussão com o PS e o Governo que também se alteraram.
É impossível para si dizer que é positivo ou negativo o balanço?
Sabe que não sou capaz de responder sem um critério subjetivo que tenha de ser colocado acima de outros. É melhor para os trabalhadores e para o povo. Tem sido melhor, portanto é melhor para nós. Naturalmente que procuramos que o trabalho dê resultados na resolução de problemas concretos. E isso é óbvio que a nossa influência é maior do que a que tínhamos. A nossa intervenção e o nosso trabalho dá muitas vezes resultados na vida das pessoas.
Portanto, não tem saudades de ser oposição.
Nós continuamos a ser oposição, não integramos o Governo.
São um dos parceiros do Governo.
Estamos é numa circunstância em que temos maior capacidade de influência nas decisões que são tomadas. E julgo que as pessoas reconhecem isso a partir das sua próprias vidas. Não nos iludimos nem com as dificuldades que continuam a existir, nem relativamente à importância da intervenção do grupo parlamentar face ao desenvolvimento da luta de massas que, esse sim, é o verdadeiro motor das alterações políticas e sociais.
Tendo percebido as vantagens que traz, o PCP quer a repetição desta solução?
O caminho não pode nem ser andar para trás nem ficar no mesmo. Se com esta correlação de forças foi já possível alcançar o que foi alcançado, então temos de trabalhar para que com outra alterações à correlação forças seja ainda mais favorável, com maior peso e capacidade de influência do PCP.
Isso pode ser entendido como: ter o PCP a participar no Governo?
Nunca recusamos nenhuma responsabilidade que o povo nos atribua.
No caso, pode ser atribuído pelo PS, caso seja esse o partido a vencer as próximas legislativas, desde que convide o PCP para isso.
Sem a força que o povo nos queira dar, não conseguimos fazer mais do que já fazemos hoje. A participação do PCP no Governo não será nunca determinada por este cargo ou aquele, mas pelas condições que existam para executar uma política alternativa. A solução do governo patriótico de esquerda tem de contar com o PCP. A participação do Governo está dependente de haver ou não condições para concretizar essa política que defendemos.
A solução de hoje não se repete?
Esta solução é a que resulta desta correlação de forças no quadro político que resultou das eleições de 2015. Todo o contexto é relevante, dificilmente a história se repete. Pode andar em círculos, que se aproximam uns dos outros, mas a historia não se repete. Esta solução é o resultado de um quadro político concreto que resultou das eleições e 2015. Naturalmente as próximas legislativas, aconteçam elas quando acontecerem, trarão um quadro político diferente deste. Não há soluções ou modelos que possam ser transpostas para outro quadro, outra realidade.
Mas abriram aqui uma janela.
Sobretudo desconstruiu mitos que tínhamos há décadas em Portugal. Desconstruiu o mito de que as pessoas elegiam o primeiro-ministro. As pessoas elegem deputados à Assembleia da República e é dessa composição que resulta um Governo. Rompeu com o mito de que só determinados partidos influenciam as decisões do governo. E sobretudo rompeu com o mito que as propostas do PCP eram irrealizáveis. Demonstra-se, não com toda a extensão que desejaríamos, que as proposta do PCP não só eram realizáveis como correspondem aos interesse das pessoas.
Resposta a Marcelo: “Não vejo onde possa estar o equívoco” no apoio do PCP ao Governo
Depois deste mau resultado autárquico, o que espera o PCP das próximas legislativas?
Trabalhamos para que o PCP reforce a sua influência e representação parlamentar. Tornando-se mais evidente para as pessoas o benefício que elas recolhem da maior influência do PCP nas decisões nacionais, julgo que terá como conclusão o reforço da CDU. Não é uma coisa que caia na cabeça das pessoas do céu aos trambolhões. A compreensão da importância que tem para vida de cada um que o PCP tenha mais influência é um aspeto que temos de trazer à evidência.
Daqui a um ano ainda vai haver fôlegos da “geringonça” para aprovar mais um — o último — Orçamento?
O caminho só se faz caminhando. É preciso primeiro discutir e votar este Orçamento de 2018 e procurar que tudo o que de positivo ele tem se transforme em realidade. E o caminho há de fazer-se caminhando.
E pode haver cálculos meramente políticos que levem o PCP a distanciar-se no próximo Orçamento?
Não tomamos nenhuma decisão por critérios de interesse partidário. Fazemos a avaliação em cada circunstância que é preciso discutir e pôr em prática. É em função disso que continuaremos a discutir o Orçamento o Estado, este e outro qualquer.
Há um “equívoco” no apoio do PCP ao Governo? Sobre a moção de censura, o Presidente da República disse que ela permitiria, “em caso de resposta positiva, evitar um equívoco e, em caso de reposta positiva, reforçar o mandato para as reforma inadiáveis”.
Não vejo onde possa estar o equívoco. Aliás, o único equívoco que vi nesta moção de censura é o criado pelo CDS, que apresentou uma moção de censura e não falou uma vez na única consequência que pretende uma moção e censura: a demissão do Governo. O CDS conseguiu fazer o debate inteiro sem referir uma única vez a demissão do Governo. É o único equivoco que eu encontro. Sobre o resto foi tudo claro.
Aquela tirada do Presidente não faz sentido? Não há equívoco no apoio do PCP ao Governo?
Só se ela tivesse como destinatário o CDS.
Que avaliação faz do primeiro-ministro António Costa?
Em que termos?
Em termos políticos.
Os critérios que temos utilizado são relevantes. As características pessoais de cada um influenciam sempre o exercício dos cargos, mas mais importante do que isso, do ponto de vista político, é o chefe do Governo relativamente ao qual temos críticas a fazer e sobre o qual registamos a disponibilidade para os avanços que têm existido. Ainda que limitados em muitas circunstâncias. A apreciação política do primeiro-ministro não pode estar desligada da do Governo. Uma coisa e a outra andam a par.