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Um popular coloca flores durante o velório sem corpo presente do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, que se realiza na praça da República conhecida como memórial Antonio Agostinho Neto, Luanda, Angola, 11 de julho de 2022. O governo decidiu criar, em todas as províncias, locais para velórios públicos enquanto se aguarda a marcação de uma data para as exéquias do ex-chefe de Estado. AMPE ROGÉRIO/LUSA
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AMPE ROGÉRIO/LUSA

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José Eduardo dos Santos, o ausente que molda a campanha em Angola

João Lourenço tenta capitalizar com a morte do ex-PR, trazendo seu corpo para Luanda ainda durante a campanha. Mas em Angola Isabel e Tchizé são agora rainhas de popularidade. E UNITA pode beneficiar.

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Dulce Neto é enviada especial do Observador a Angola

“Senhoras e senhores, boa tarde, bem vindos a este Especial Informação”, começou por dizer o pivô de fato cinzento e ar circunspecto, antes de anunciar a notícia da morte de José Eduardo dos Santos (JES). A declaração inicial na Televisão Pública de Angola (TPA) continha já os sinais de como o governo de João Lourenço iria abordar o tema da morte do antigo Presidente nas semanas seguintes. Por um lado, o elogio rasgado a JES, “estadista de grande dimensão histórica” que governou com “clarividência e humanismo”; por outro, as farpas à família, a quem se pediu “serenidade” durante o “momento de dor e consternação”.

A morte de Zedú a apenas 13 dias do arranque oficial da campanha eleitoral para a presidência de Angola prometia abanar a política nacional — e cumpriu. Apesar de ter deixado ao poder, ao fim de 38 anos, envolto em suspeitas de nepotismo e corrupção, José Eduardo dos Santos continua a ser uma figura popular em Angola. E as melhores condições económicas dos tempos da sua governação face à crise atual com João Lourenço tingem de nostalgia as recordações dos angolanos, como o Observador confirmou em Angola.

“Embora tenha sido uma governação de corrupção, [JES] facilitou-nos bastante [a vida]. [Os preços] estavam baixos, havia a possibilidade de crédito para comprar um carrinho, para comprar um terreno… Hoje está tudo fechado, nem a crédito a gente consegue ter.”
José Teixeira, motorista de TVDE em Luanda

Bastou entrar num veículo TVDE para encontrar de imediato quem suspirasse pelos tempos de JES: “Embora tenha sido uma governação de corrupção, facilitou-nos bastante [a vida]”, comenta o motorista José Teixeira. “[Os preços] estavam baixos, havia a possibilidade de crédito para comprar um carrinho, para comprar um terreno… Hoje está tudo fechado, nem a crédito a gente consegue ter.” E dá um exemplo concreto: “Nos tempos do ex-Presidente” uma caixa de coxas de galinha custava cerca de 1.500 kwanzas — hoje chega aos 9.000.

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A isto somou-se o diferendo entre o governo e a família Dos Santos sobre os destinos do corpo do antigo Presidente, que acabaria por trocar as voltas a João Lourenço. O atual chefe de Estado pretendia realizar um funeral de Estado para, como previu à altura Xavier Figueiredo ao Observador, “desfazer a ideia que se instalou de que ele não foi correto nem leal para com o seu antecessor e de que o perseguiu e à sua família”.

José Eduardo dos Santos, o nome que vai marcar a campanha eleitoral em Angola

Agora, mais de um mês depois e com várias semanas de campanha já decorridas, o diretor do Africa Monitor acredita que o tiro saiu pela culatra de JLO: “O que acabou por entrar na campanha foi mais o desfecho”, diz, referindo-se ao facto de Lourenço ter tido dificuldades em conseguir a trasladação do corpo para Angola antes do dia da eleição, a 24 de agosto. A oposição à ideia de alguns dos filhos de JES, encabeçados por Isabel, José Filomeno e Tchizé dos Santos — que tomou a dianteira nos ataques públicos ao atual Presidente — arrastou o processo.

A justiça espanhola foi obrigada a conduzir uma autópsia ao corpo de Zedú e, depois, a pronunciar-se sobre se o cadáver deveria ser entregue ao Estado angolano, aos filhos ou à mulher Ana Paula dos Santos (que, de acordo com Tchizé, já estaria separada de facto do ex-Presidente há vários anos). Acabou por decidir-se pela última, mas o recurso da filha voltou a atrasar o processo.

Toda a estratégia de usar o corpo “para um ato de campanha, para a unificação do MPLA” foi, para a socióloga e presidente da associação de mulheres negras PADEMA Luzia Moniz, “um tiro no pé”. “João Lourenço era a última pessoa a poder levar José Eduardo dos Santos para a campanha”, afirma a ativista ao Observador, em Luanda. E, perante o imbróglio, JLO só tinha duas opções difíceis, diz: “Ou ignorava a família — e depois de o endeusar não podia fazê-lo — ou negociava. E a negociação era muito difícil.” Mas, apesar de ser difícil, Lourenço prevaleceu.

Este sábado, o cadáver de JES foi entregue à sua mulher, Ana Paula dos Santos, em Barcelona e foi trasladado para Angola, onde chegou às 19h16. “A data e o programa das exéquias serão oportunamente comunicados”, confirmou o governo angolano numa nota oficial enviada às redações. Isabel e Tchizé dos Santos deixaram claro a sua oposição à medida nas redes sociais, já que não poderão estar presentes na cerimónia devido aos processos judiciais que pendem sobre elas no país: “Arrancaram-te dos meus braços”, lamentou Isabel no Instagram, numa publicação com uma fotografia sua com o pai. Tchizé diz que Angola vai assistir a um “teatro fúnebre-eleitoral” nos próximos dias. Muitos angolanos concordam com elas.

A advogada de Tchizé afirmou mesmo que a cliente só soube da trasladação do corpo do pai pelas imagens da Televisão Pública de Angola. O MPLA, através do porta-voz, não perdeu oportunidade de responder às críticas feitas sobre trasladação: “As filhas andaram distraídas (…) estavam na praia, estavam a fazer desfiles de moda, etc”.

João Lourenço tenta colar-se “ao grande filho de Angola”, mas “narrativa da Tchizé” é que colou com angolanos

Nas primeiras horas após a morte de JES tornou-se de imediato evidente que parte da população angolana estava do lado da família Dos Santos nesta questão. “As zungueiras [vendedoras de mercado], os cucupatas [motoristas de mercadorias] e os culangos [desempregados] em diferentes locais choraram José Eduardo dos Santos e disseram que João Lourenço tinha culpa de JES ter morrido”, aponta Luzia Moniz, referindo-se aos protestos divulgados nas redes sociais em que se chamava João Lourenço de assassino e se garantia “Mataram o Zedú, ninguém vota!”. “Eles adotaram a narrativa da Tchizé”, sentencia a ativista.

Quando o estado de saúde do antigo Presidente já estava debilitado, a filha “refilona” apresentou queixa às autoridades espanholas por tentativa de homicídio e omissão do dever de assistência contra Ana Paula dos Santos e o médico João Afonso, vistos como mais próximos de JLO. Também insinuou que o pai teria ficado mais doente após a viagem que fez a Angola, em setembro do ano passado.

Quem é Tchizé dos Santos, “o buldozer” que ataca João Lourenço (e quase todos)

Determinado a contrariar esta narrativa, João Lourenço desde cedo invocou o nome de José Eduardo dos Santos na campanha, tentando demonstrar a alegada proximidade entre os dois. No primeiro comício do MPLA, a 23 de julho, descreveu-o assim: “José Eduardo dos Santos é um grande filho de Angola, que dedicou toda a sua juventude e muitos anos de governação em momentos difíceis que o país atravessou, mas soube dirigir com sabedoria e sobretudo acabar com a guerra que ameaçava destruir o país”. Em função disso, rematava que o melhor a fazer para “honrar” Zedú e dar-lhe uma “alegria” seria dar a vitória ao MPLA no dia 24 de agosto.

Longe iam os tempos de confrontação com o antecessor. Uma vez mais, os órgãos de comunicação social públicos davam o mote: “Sabemos todos que alguns setores vão insistir sobre o lado negativo, sobre as coisas que não correram bem e que, sabemos todos que existiram, e obviamente que ninguém pretende de algum modo escamotear”, admitia-se quatro dias depois da morte de JES num artigo de opinião não assinado no Jornal de Angola. “Apenas cingimo-nos ao que a tradição Bantu ensina quando postula que ‘sobre os mortos não se deve falar mal’, realidade válida pelo simples facto de que não se podem defender, além de ser irremediável este procedimento.”

Do lado da oposição, consciente da recém-adquirida popularidade de JES, o tom era o mesmo. O porta-voz da UNITA dizia não ser o momento “para julgar o que José Eduardo dos Santos fez e o que não fez” e o comunicado do partido sublinhava que este era “um homem de fino trato, com quem se podia dialogar, até nos momentos mais conturbados das disputas interpartidárias”. Ao mesmo tempo, o candidato Adalberto da Costa Júnior lia o ar dos tempos e posicionava-se estrategicamente ao lado da família Dos Santos: defendia a realização de um “funeral condigno” com momento e lugar escolhidos pelos filhos e evitava ir às cerimónias organizadas pelo governo.

Populares durante o velório sem corpo presente do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, que se realiza na praça da República conhecida como memórial Antonio Agostinho Neto, Luanda, Angola, 11 de julho de 2022. O governo decidiu criar, em todas as províncias, locais para velórios públicos enquanto se aguarda a marcação de uma data para as exéquias do ex-chefe de Estado. AMPE ROGÉRIO/LUSA

A UNITA não esteve presente nas cerimónias organizadas pelo governo em memória de José Eduardo dos Santos

AMPE ROGÉRIO/LUSA

“José Eduardo dos Santos foi invocado desde o primeiro momento da campanha”, resume ao Observador Sizaltina Cutaia, ativista angolana e representante no país da Fundação Open Society. “Mas acho que todo esse episódio expôs muito negativamente o MPLA e o Presidente João Lourenço, porque ficou muito evidente que parecia haver uma questão pessoal, houve uma deslealdade muito grande. E, de certa forma, isso vai ter algum peso na hora de as pessoas votarem”, prevê.

Isabel e Tchizé debaixo da mira da TPA. Mas filhas de JES voltaram a ser populares em Luanda

Em Luanda, JLO tentava capitalizar com o legado de JES, mas não era o único. Mesmo sem acesso aos órgãos de comunicação angolanos, cada palavra dita por Tchizé dos Santos em Portugal, por exemplo, faz eco em Angola. Disso mesmo dava conta a socióloga Luzia Moniz, apenas dez dias depois da morte de Zedú, nas páginas do Novo Jornal: “Se, na capital, Luanda, onde reside mais de 30 por cento da população, centenas de pessoas se manifestaram em diferentes locais, num país em que se reprime violenta e ou mesmo mortalmente qualquer manifestação antipoder, então esses protestos têm um importante significado político. Essas manifestações acabaram por dar suporte e legitimidade política às filhas de JES (Tchizé e Isabel) nas suas exigências, no âmbito das negociações sobre o local e as condições dos funerais do falecido Presidente”.

Quando João Lourenço chegou ao poder, em 2017, arrancou uma campanha anti-corrupção que visou de imediato a prole de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos foi exonerada da Sonangol; Tchizé dos Santos e Coreon Dú afastados da TPA; e José Filomeno dos Santos foi mesmo condenado a cinco anos de prisão por desvio de fundos. A justiça angolana abriu entretanto processos contra Isabel e Tchizé, invocados agora pelas duas filhas para justificarem o receio de regressar a Angola.

”Isabel dos Santos foi muito ostracizada no início e houve uma certa indiferença ou até aplauso de alguns, mas hoje em Angola olha-se para ela de uma maneira um pouco diferente. Porque independentemente da origem do dinheiro, ela era empreendedora e criava emprego."
Xavier Figueiredo, diretor do Africa Monitor

À altura, as medidas foram populares. Mas, com o passar do tempo, a campanha de JLO começou a ser percecionada como “uma caça às bruxas” à família Dos Santos — e a crise económica veio alterar tudo profundamente. “Quando ele entrou foi uma lufada de ar fresco, mas a situação das pessoas foi piorando”, explica Moniz, apontando o exemplo da quantidade de pessoas que se vê a procurarem comida nos contentores do lixo nas ruas de Luanda. “Dentro desta miséria, as pessoas dizem ‘Fomos enganados’. Não basta que os filhos políticos e biológicos de JES sejam perseguidos para que a vida das pessoas melhore.”

Xavier Figueiredo acrescenta mesmo que este vento de mudança na opinião pública é agora evidente em relação a uma figura como Isabel dos Santos: ”Ela foi muito ostracizada no início e houve uma certa indiferença ou até aplauso de alguns, mas hoje em Angola olha-se para ela de uma maneira um pouco diferente”, assegura Xavier Figueiredo. “Porque independentemente da origem do dinheiro, ela era empreendedora e criava emprego. Os seus negócios — a UNITEL, os supermercados Candando, a fábrica de cerveja da Sodiba — foram todos confiscados e entraram em declínio. E isso levou a que a imagem dela fosse restaurada”.

Isso mesmo confirmou o Observador nas ruas de Luanda. “A Isabel criou muitos empregos, não foi como os outros que roubaram e só levaram o dinheiro todo para fora”, acusa Vítor Cazanque, estudante de Direito de 22 anos. “Ela aplicou-o aqui. Os meus primos que trabalham no INATEL, por exemplo, estão sempre a defendê-la, mesmo nas redes sociais.”

Não é preciso ir muito a fundo nas redes sociais de Isabel dos Santos para encontrar opiniões semelhantes: “Tu és a única pessoa aqui em Angola no mundo político que pecou e que fez algo construtivo, pensando nos outros, dando empregos e gerando empresas” ou “É mesmo assim mana, dá uma lição naquele presidente que até hoje não fez nada de como se cria empregos para os jovens” são alguns dos exemplos.

Há algumas semanas, a TPA publicou uma peça onde não poupava nas palavras contra Isabel dos Santos: ”A primogénita de José Eduardo dos Santos mantém o seu estilo de vida cosmopolita e descontraído, viajando entre cidades europeias, assistindo a eventos culturais, desprezando assim as tradições angolanas e as lágrimas de milhões de angolanos pela morte de José Eduardo dos Santos”, dizia a voz off a propósito da recente ida de Isabel dos Santos a um desfile de moda da Dolce&Gabana em Itália. Elencando “o fausto” e “as mordomias” de que goza Isabel dos Santos, a TPA acusava a filha mais velha de Zedú de estar “afastada das suas raízes e das suas tradições” e dizia que os seus comportamentos não serão certamente “bem vistos por familiares e muitos menos pelos angolanos em geral”.

Isabel dos Santos foi alvo de uma peça crítica na TPA em que é acusada de desrespeitar a memória do pai

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A reação pública, porém, não foi exatamente essa. Sizaltina Cutaia afirma que a peça indignou muitos angolanos: “Estas tentativas de manipulação da comunicação social, de apresentar a filha como uma pessoa insensível que andava em festas quando o pai morreu, não resultaram. A sociedade reagiu de forma muito negativa”, assegura, dizendo que o mesmo aconteceu com as tentativas de caracterizar Tchizé dos Santos como “louca”. Xavier de Figueiredo concorda: “São tiros que não dão na mouche”, diz. “Talvez tenha sido mais nocivo para João Lourenço do que se tivesse ficado quieto.”

Por arrasto, a solidariedade de muitos angolanos estende-se aos irmãos, que aproveitaram o momento para deixar clara a sua posição. Até o habitualmente calado José Filomeno — que já cumpriu a sua pena, mas diz-se impedido de sair de Angola por as autoridades ainda deterem o seu passaporte — falou ao New York Times, dizendo que a decisão sobre o funeral do pai “cabe à família”.

Mas Tchizé dos Santos é quem tem protagonizado a ofensiva mediática. Em várias publicações nas redes sociais e entrevistas a media portugueses como a CNN e a RTP, Tchizé foi garantindo que não irá a Angola “enquanto João Lourenço for Presidente”, dizia sentir que corre perigo de vida, responsabilizava o atual Presidente pela morte do pai e até comparava a “perseguição” à sua família com o Holocausto.

Tchizé dos Santos assume passado político de JES: “Ao sair do poder pelo próprio pé, o meu pai deixou de ser ditador”

Em Luanda, João Lourenço respondia dizendo-se “solidário” com a família. “Eles não sofrem sozinhos. A dor que eles sentem todo o povo angolano sente”, garantia o Presidente em declarações aos jornalistas. Mas a TPA ia transmitindo as mensagens que JLO não podia dizer publicamente, responsabilizando o “capricho, insensatez e insensibilidades sem limites” de Tchizé e Isabel pelo “sequestro” do cadáver de José Eduardo dos Santos.

As críticas a Lourenço começaram a surgir de vários setores da sociedade angolana. No editorial de 14 de julho, o Novo Jornal, por exemplo, falava num “lavar de roupa suja” e culpava o executivo: “Não é digno o Estado usar a sua máquina de comunicação para promover manipulação e desinformação”, sentenciava o diretor Armindo Laureano. Luzia Moniz aponta ainda a popularidade de Tchizé dos Santos: “Gostemos ou não dos métodos dela, ela tem muitos seguidores entre os jovens e é muito acolhida nas redes sociais — e mais de 50% da população angolana tem menos de 18 anos”.

Tchizé dos Santos assumiu a dianteira da família nas declarações públicas contra João Lourenço

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Perante este cenário, restam dúvidas de que um possível funeral de Estado em plena campanha eleitoral possa alterar a perceção de muitos face a João Lourenço.

Efeitos políticos da morte de JES: a “utilidade” para a UNITA e o clima de “guerra civil” dentro do MPLA

Os efeitos de toda a novela em torno do funeral de José Eduardo dos Santos — soube-se este sábado que o corpo ficará num jazigo no novo Panteão Nacional de Angola — podem mesmo ter impacto no resultado eleitoral da próxima quarta-feira. Até porque, no meio das dezenas de declarações que prestou, Tchizé dos Santos assumiu claramente o apoio ao candidato da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, e deixou a garantia de que a vitória da oposição era o desejo do pai. “O nosso pai ficou muito desiludido com o seu sucessor. Ele até me disse que preferia que o líder da oposição Adalberto Costa Júnior, da UNITA, ganhasse as próximas eleições”, assegurou Tchizé, num direto emitido pelo Instagram.

“Não tenho dúvidas de que isto é de uma grande utilidade para a UNITA e é assim que eles vêm isto”, comenta Xavier Figueiredo, que considera que as afirmações públicas da filha do Presidente “galvanizam” a população em Angola. “Penso que alguma da vitalidade que a UNITA tem demonstrado deve muito à Tchizé. Ela diz coisas do João Lourenço que mais ninguém diz e isso entra na sociedade.”

“Com esta situação, João Lourenço é capaz de ter aberto uma guerra civil dentro do MPLA. Tenho dúvidas que tenhamos lourencistas, mas eduardistas temos. E há uma ala que, mais do que defender o homem, defende o seu lugar de privilégio.”
Luzia Moniz, socióloga

O caso José Eduardo dos Santos tem múltiplas repercussões na política angolana. Por um lado, os apoiantes da UNITA, sobretudo os mais jovens, “quando comparam as condições de vida atuais com as que tinham no tempo de Zedú, inclinam-se para Dos Santos”, aponta Figueiredo. Mas não é só no eleitorado que o diferendo Lourenço/Dos Santos tem efeito: “Isto foi danoso para João Lourenço, sobretudo numa camada mais interna do MPLA”, diz o jornalista, destacando a ala eduardista do partido que considera que Lourenço “humilhou” o antigo Presidente. “Este MPLA apresenta-se muito dividido nestas eleições e o comportamento dele em relação a Dos Santos contribuiu muito para isso.”

Publicamente, poucos ousam lançar críticas em período de campanha eleitoral. Luzia Moniz aponta o caso de Francisco Viana, que se desvinculou do MPLA e concorre agora em lugar elegível para a UNITA, e que escreveu uma carta aberta de “desencanto” com o antigo partido. Também Boavista Neto, ex-secretário geral, chegou a deixar uma frase lapidar: “Nós, cúpula do MPLA, abandonámos o Presidente, ele não merecia.” A maioria, porém, prefere o silêncio. Veja-se o caso de Dino Matross, histórico do MPLA conhecido pela proximidade com Zedú, que recusou mesmo comentar todo o tema do funeral à edição angolana da Voice of America: “Não quero envolver-me na polémica”, disse. “Angola precisa de paz, paz, paz, em todas as vertentes do país.”

Ato de abertura da campanha do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) com vista às eleições gerais de 24 de agosto, com a presença de João Lourenço, em Camama, Luanda. AMPE ROGÉRIO/LUSA

A ala eduardista dentro do MPLA tem dado sinais de descontentamento com João Lourenço, que corre o risco de perder as eleições

Ampe/LUSA

Se a situação se complicar para o MPLA no dia 24, contudo, as vozes dissonantes no seio do partido podem fazer-se ouvir. “Se o MPLA perder as eleições, a ala descontente com João Lourenço vai remeter isso para ele”, garante Xavier Figueiredo. Já a socióloga Moniz vai ainda mais longe: “Com esta situação, João Lourenço é capaz de ter aberto uma guerra civil dentro do MPLA. Tenho dúvidas que tenhamos lourencistas, mas eduardistas temos. E há uma ala que, mais do que defender o homem, defende o seu lugar de privilégio.”

Ao mesmo tempo, a UNITA vai explorando habilmente o assunto, como são exemplo as declarações do líder Adalberto da Costa ao Observador, que pediu a João Lourenço que não tenha uma “postura vingativa” e decretou que “a perseguição de ontem deu lugar às lágrimas de crocodilo de hoje”.

Adalberto Costa Júnior, presidente da UNITA: “O problema com a família de José Eduardo dos Santos é de vingança, não de combate à corrupção”

Já do lado da família Dos Santos, o combate ao MPLA de João Lourenço vai ficando mais aguerrido. Tchizé é clara nas publicações que faz nas redes sociais de apoio a Adalberto, pedindo uma “votação massiva” na UNITA no dia 24 e apelidando o líder do partido de “candidato da democratização efetiva de Angola”. Este sábado, após ser conhecida a notícia de que o corpo de JES iria para Angola, voltou a apelar ao voto na UNITA: “No dia 24 todos os angolanos vão votar no Adalberto da Costa Júnior para que esta gente seja posta no seu devido lugar”, sentenciou.

Isabel dos Santos, como é habitual, é mais contida e não defende abertamente o voto em Adalberto, mas nem por isso há quem deixe de fazer interpretações sobre aquilo que defende. Xavier Figueiredo remete para uma fotografia que publicou em janeiro com a filha, em que esta aparece a levantar três dedos de um mão — “claramente um posicionamento a favor da UNITA”, diz o analista, remetendo para o gesto que os apoiantes do partido costumam fazer para se referir ao número do lugar em que o partido aparece no boletim de voto.

Ninguém sabe ao certo, porém, se era a intenção de Isabel dos Santos quando publicou a foto ou não. Como também não se sabe qual era a intenção de uma publicação que a filha mais velha de José Eduardo dos Santos fez esta sexta-feira, no Instagram. A imagem mostrava uma frase que dizia “É preciso aceitar que é necessário mudar”. Na legenda, Isabel acrescentava que, por vezes, “na vida a mudança se impõe”. Alguns internautas — como o que comentou o post com uma citação do fundador da UNITA, Jonas Savimbi — interpretaram a mensagem como um apelo ao voto em Adalberto da Costa. Menos de 24 horas depois, o corpo de José Eduardo dos Santos partia para Angola e a raiva de Isabel dos Santos reforçava-se: “O ódio dos homens falou mais forte hoje”, afirmou.

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