O Parlamento Europeu vai aprovar por larga maioria um projeto de resolução que condena Viktor Orban depois de o Governo húngaro ter aprovado uma lei anti-LGBT. Da esquerda à direita, os eurodeputados portugueses associaram-se ao movimento de repúdio, ainda que o sentido de voto do PCP seja, para já, uma incógnita.
Ao Observador, fonte oficial do partido garante que os deputados do PCP no PE “defendem o direito à igualdade e os direitos das pessoas LGBTQI, em que país for, tal como consagrado no Artigo 13º da CRP, recusando qualquer forma de discriminação com base na orientação sexual”.
“Uma defesa enquadrada na condenação mais ampla de quaisquer ataques à democracia, aos direitos sociais, às liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, como os que estão em curso na Hungria”, acrescentam os comunistas.
Ainda assim, e este é o ponto que levanta reservas ao PCP, os comunistas argumentam que “o incremento do quadro de ameaças, chantagens, imposições e sanções da UE contra os Estados e os seus povos não resolvem problemas existentes, antes podem contribuir para o acirramento de tensões e agravamento das situações que alegadamente as motivam.”
Posição diferente tem o Bloco de Esquerda, que faz parte da mesma família europeia do PCP. Ao Observador, Marisa Matias é taxativa: “Em relação aos direitos humanos não pode haver neutralidade nem inação, temos que ser irredutíveis na defesa dos direitos humanos”.
Até quando o Conselho e Comissão vão continuar a empatar a questão do procedimento do Estado de Direito? Há anos que os processos foram desencadeados mas as consequências continuam por retirar e por aplicar, enquanto a degradação do estado de direito se agrava, como podemos ver.”
Também Francisco Guerreiro, deputado eleito pelo PAN e mas que acabaria por se tornar independente, defende a condenação sem reservas de Orbán. “Viktor Orbán ataca sistematicamente a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais. A Comissão Europeia e o Conselho não podem ficar a assistir enquanto os direitos das pessoas são tomados de assalto e a democracia está a ser desmantelada na Hungria”, argumenta. A Comissão deve iniciar um processo de infração contra a Hungria devido à estigmatização e uso das pessoas LGBTIQ como bode expiatório. O Conselho deve avançar no procedimento do artigo 7.º e defender o Estado de direito na Europa.”
PS e PSD alinhados. Nuno Melo apresenta declaração de voto
Também PS e PSD, que pertencem às duas maiores famílias europeias, votarão alinhados nesta matéria. “A grande preocupação desta Resolução é a de passar uma mensagem clara de solidariedade com a comunidade LGBTIQ na Hungria. Viktor Órban já passou as linhas vermelhas demasiadas vezes e esta lei é mais um ataque direto aos valores da União Europeia. Aconteça o que acontecer no Conselho Europeu este voto do Parlamento traduz uma posição clara, de condenação de quem viola a Carta dos Direitos Fundamentais da UE e o Tratado da União Europeia”, sublinha Maria Manuel Leitão Marques.
“Nem sempre foi assim”, acrescenta, antes de apontar o dedo à direita: “A falta de coragem política da direita para recriminar e sancionar atos desta natureza contribuiu para que o primeiro-ministro húngaro fosse impunemente e consecutivamente violando a legislação Europeia em matéria de direitos humanos e, em especial, dos direitos da comunidade LGBTIQ. Agora corremos atrás do prejuízo, mas mais vale tarde que nunca.”
Lídia Pereira, eurodeputada do PSD, que pertence à família do PPE — da qual Órban se desvinculou depois de grandes pressões internas, reconhece que essa cisão talvez tenha pecado por “tardia”, mas garante que a condenação do regime húngaro é ponto sem retorno.
“Tem de haver uma clareza sobre o direito de todas as pessoas e a comunidade LGBT não fica à margem. O PSD tem sido sempre claro a condenar as decisões tomadas pelo Governo húngaro. O regime tem-se tornado progressivamente mais autoritário. O respeito pelos valores tem de ser assegurados”, argumenta.
Nuno Melo, eurodeputado eleito pelo CDS, associa-se à rejeição das medidas anunciadas pelo Governo Húngaro e vai votar favoravelmente esta resolução. Ainda assim, ao Observador, o democrta-cristão assegura que vai apresentar uma declaração de voto.
“A resolução que irá a votação tem um âmbito mais alargado, pretende ligar a questão à aprovação do Plano de Recuperação Húngaro, algo que a Comissão Europeia rejeita, por entender que são processos separados e paralelos, argumento que acompanho. Para que também fique claro, não discriminar quem seja em razão da orientação sexual, não significa que se aceite que a escola possa ser transformada num espaço para ativismo LGBTI+ ou implementação da chamada doutrinação de género, ambas questões hoje eminentemente políticas. A educação dos filhos em muitas matérias aqui relacionadas, é uma competência dos pais e não uma competência do Estado.”
O que está em causa?
A Hungria aprovou uma lei que proíbe a “promoção” da homossexualidade junto dos menores de 18 anos. O objetivo é impedir a “representação” da homossexualidade e da transexualidade em espaços público.
O diploma foi mesmo incluído num pacote legislativo mais abrangente que vem agravar as penalizações para o crime de pedofilia e impede, na prática, qualquer campanha de sensibilização para os direitos LGBT no espaço público, incluindo na escolas.
A decisão da Hungria foi encarada como mais uma provocação de Orbán dirigida às instituições europeias. Condenada de forma praticamente unânime, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, foi uma das mais vocais na rejeição do diploma.
“A homossexualidade é equiparada à pornografia. A legislação usa a proteção das crianças para discriminar pessoas por causa de sua orientação sexual. É uma vergonha”, disse ainda esta semana no Parlamento Europeu, em Estrasburgo.
Von der Leyen garantiu ainda que a Comissão Europeia usará todos os instrumentos à sua disposição para sancionar a Hungria se Orbán não recuar na aprovação da lei. No cenário-limite, tal pode significar o congelamento da transferência de fundos europeu para Budapeste.
“Se avançarmos com tudo o que é preciso avançar, não vejo como é que Orbán possa ficar no poder”
Resta saber, no entanto, se o processo terá resultados práticos. Em declarações ao Observador, Isabel Wiseller-Lima, eurodeputada do PPE eleita por Luxemburgo e relatora do projeto de resolução, não deixa margem para dúvidas: “Tem de haver resultados. Chegámos a um ponto em que não se pode aceitar que não existam resultados”.
“Não podemos começar a dizer ‘talvez’ ou um bocadinho quando se tratam dos direitos das pessoas, dos valores. Não há mais ou menos nesta questão”, sublinha.
Para a eurodeputada a saída da Hungria da União Europeia não é, de todo, um cenário “desejável”. “Estamos a falar contra as decisões do Governo húngaro; nunca contra os húngaros. Temos de pensar nas pessoas”, diz.
Além da questão da defesa dos direitos humanos, outro dos pontos vertidos nesta resolução é a denúncia do mau uso do dinheiro comunitário, que tem, argumenta, servido para alimentar um regime profundamente corrupto. Na visão de Wiseller-Lima, se as instituições europeias atingirem Orbán onde dói mais — no bolso — fará implodir o regime.
“Se avançarmos com tudo o que é preciso avançar, não vejo como é que Orbán possa ficar no poder. Mudar a situação na Hungria é tocar nos fundos europeus”, remata.