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Universal Images Group via Getty

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Lobistas nos corredores e convites para almoço. Como o Parlamento Europeu negociou trabalho nas plataformas como a Uber (e acabou dividido)

Relatora da proposta do PE ficou "assoberbada" com convites de reunião de lobistas das plataformas digitais. Rejeitou todos e juntou multinacionais a trabalhadores. Mas nem assim se chegou a consenso.

Quando Elisabetta Gualmini soube que seria a responsável por redigir uma proposta em nome do Parlamento Europeu sobre a regulação do trabalho nas plataformas digitais, como a Uber, a Bolt ou a Glovo, a eurodeputada italiana ficou “assoberbada” com a quantidade de pedidos de reuniões de representantes dessas mesmas multinacionais. Choveram convites para pequenos-almoços e almoços. Mas tanto Gualmini como a equipa definiram “regras muito apertadas” sobre com quem reuniam. E, para receberem as plataformas, só se os trabalhadores também estivessem presentes.

Vi muitos lobistas nos corredores do Parlamento Europeu“, contou, aos jornalistas, num briefing realizado em Estrasburgo (França), esta semana. Gualmini lembrou as alegações, numa audição no Parlamento, de Mark McGann, o denunciante dos “Uber Files” que revelou alegadas práticas desleais por parte da multinacional. Segundo McGann, que foi o responsável pelo lóbi da empresa na Europa, no Médio Oriente e em África de 2014 a 2016, a Uber gastou, em 2021, 800.000 euros em lóbi só em Bruxelas, e mais de dois milhões de euros no resto do mundo (número que a multinacional não confirma).

Proposta do Parlamento Europeu não vincula trabalhadores às plataformas “automaticamente”, diz relatora

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Podemos imaginar que há uma atividade forte de lóbi. Há interesses económicos gigantes atrás deste dossiê. Por isso temos de ser muito transparentes e inteligentes, porque a atividade pode ter diferentes formas e temos de ter cuidado em relação a isso”, afirmou, fazendo lembrar o escândalo de corrupção conhecido como “Qatargate”, em que as atividades de lóbi entraram num campo sombrio, com alegados pagamentos a responsáveis europeus em troca de favores. Não são só países terceiros a quererem envolver-se na vida da UE — “o risco é que também grandes empresas, grandes multinacionais, gigantes da web estão interessadas na atividade do Parlamento Europeu“.

No dossiê das plataformas digitais, havia, portanto, um “desequilíbrio” entre as forças mais e menos fortes que queriam ter uma palavra a dizer sobre a proposta. Perante os convites que recebeu de encontros com as multinacionais, Gualmini e a equipa decidiram encontrar-se “com todas as plataformas em conjunto, e com os representantes dos trabalhadores, os sindicatos”. “Era muita gente. Organizámos duas longas mesas redondas com as plataformas, os sindicatos e nós no meio, para perceber os prós e os contras”, relata. Também optou por não se reunir com consultoras — “porque não são parceiros sociais”.

O lóbi nas instituições europeias é uma atividade legal e regulamentada. Por exemplo, os lobistas têm de estar registados e é obrigatório que os eurodeputados divulguem com quem se encontram. Idealmente, se as regras forem cumpridas, deveria servir para ajudar à tomada de decisão, uma forma para que todas as partes envolvidas sejam ouvidas. “Não estou a dizer que o lóbi é, automaticamente, sinónimo de corrupção, quero ser clara. Sou académica, portanto também sei que ouvir os diferentes pontos de vista das diferentes partes para melhorar o processo de tomada de decisão é absolutamente uma coisa boa”, vincou Gualmini. Porque permite “antecipar problemas”. “Não podemos estar completamente na lua quando legislamos. Temos de ouvir as pessoas no mundo real.”

O problema, segundo diz, surge quando há um claro “desequilíbrio” entre a representatividade das partes, como diz que aconteceu no caso das negociações para a proposta das plataformas, com “enormes poderes económicos” a quererem fazer-se ouvir e, do outro lado, da parte dos trabalhadores, interesses “não representados”.

Dos “Uber Files” ao “Qatargate”: casos isolados ou práticas sistémicas?

Leïla Chaibi, eurodeputada francesa da Esquerda, tem sido uma das vozes mais críticas do lóbi das plataformas digitais no Parlamento Europeu. Mas têm esses grupos de pressão adotado técnicas mais agressivas do que outros? “Não tenho a certeza. Estou muito envolvida. Para mim foi incrível, porque também usam jornais, compram estudos que lhes são favoráveis [essa é uma das alegações de Mark McGann] para passar a ideia de que a presunção de laboralidade [entre a plataforma e o trabalhador] vai ser um pesadelo”, afirma, em conversa com o Observador.

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As plataformas preferem que as negociações se façam caso a caso, entre os trabalhadores ou os seus representantes e as plataformas

Getty Images

A eurodeputada nota uma evolução no tipo de abordagem das multinacionais nas atividades de lóbi no Parlamento Europeu: ao início, os lobistas identificavam-se como representantes da respetiva plataforma — “encarregado dos assuntos públicos de X ou Y”. Depois, à medida que se iam organizando em associações de plataformas, os nomes foram desaparecendo em detrimento do das associações. “Agora não querem aparecer. Porque sabem que se alguém vir Uber ou Deliveroo pensa logo que é lóbi.”

Para equilibrar a tal assimetria de poderes, de que também fala, ela própria convidou trabalhadores das plataformas para o Parlamento Europeu. “Enviei um convite para um trabalhador e fiz-lhe a acreditação. Porque os lóbis têm um cartão para entrar no Parlamento, os trabalhadores não. Quando os recebemos, é uma forma de mudar o equilíbrio de poderes”, afirma. Para Leïla Chaibi, o lóbi é ainda “um problema” dentro do Parlamento Europeu. Os eurodeputados são obrigados a divulgar com quem se reúnem, mas Chaibi diz que isso nem sempre acontece, embora não sejam aplicadas sanções. Por isso, pede mais transparência.

Uma das denúncias de Mark McGann envolve o Presidente francês, Emmanuel Macron, que é descrito nos “Uber Files” como próximo da multinacional enquanto ministro da Economia no governo de François Hollande. Segundo os documentos, encontrou-se pelo menos quatro vezes com Travis Kalanick, fundador da Uber, mas só um encontro, em janeiro de 2016, foi tornado público. Meses depois, Macron fez declarações públicas favoráveis à Uber. “Não vou proibir a Uber, isso seria enviar [jovens da periferia sem qualificações] para o tráfico de droga”, afirmou, em novembro de 2016.

As mensagens divulgadas mostram alguma proximidade entre Macron e a Uber. “Vamos mantendo contacto e avançamos juntos”, escreveu o agora Presidente francês a Kalanik. Segundo o gabinete presidencial, é “normal” que, enquanto ministro da Economia, Macron tivesse mantido contacto com “muitas companhias envolvidas em mudanças profundas nos serviços”. Não há indicação de que tenha beneficiado diretamente a Uber.

Uber Files. As voltas que a Uber deu para aqui chegar

Mas, para Chaibi, as revelações foram “uma confirmação” do que já suspeitava. “Na primeira vez que falei com um lobista da Uber, os olhos brilhavam quando falavam de Macron“, atira. Há ainda, considera, pontas soltas nas revelações sobre a multinacional. “A Uber diz que é passado. Pedimos uma comissão de investigação interna para perceber se continua. E depois perceber se foi ilegal. Perceber qual o limite é assunto. Acho que algumas coisas são legais, mas não legítimas. E, por isso, temos de alterar a lei.”

Quando oiço um membro do Parlamento Europeu a defender insistentemente a posição da Uber penso: porquê? Não os vou acusar de nada, mas até no que é legal precisamos de mais transparência e regras”, acrescenta.

Dentro do Parlamento, ficou evidente no debate sobre as revelações do “Uber Files”, na quarta-feira, as diferenças entre deputados também no que toca ao lóbi, com uns a pedir o reforço das regras de transparência e outros a apelar que não se tome a parte pelo todo — o lóbi, dizem esses, quando contribui para informar os legisladores, é importante na tomada de decisões.

Uber reuniu 72 vezes com a Comissão Europeia desde final de 2014. Duas vezes foi com Carlos Moedas

O Observador questionou a Uber sobre as práticas de lóbi no Parlamento Europeu. Fonte oficial remeteu para uma publicação divulgada no site da plataforma, onde a Uber reconhece que costuma encontrar-se “regularmente” com decisores políticos. “O nosso objetivo é informá-los sobre os nossos serviços e perceber como podemos melhor contribuir para construir o futuro da mobilidade, das entregas e do trabalho em plataformas na Europa”, explica. Isso inclui, “como outras empresas”, a “promoção do diálogo com líderes políticos europeus e autoridades, quer através do intercâmbio direto, quer através da participação em eventos”.

A Uber assegura que o faz de forma legítima, respeitando as regras europeias e nacionais de lóbi e transparência, o que inclui divulgar publicamente as reuniões que tem com responsáveis europeus. Aliás, o comunicado remete para dados oficiais do registo de transparência, segundo os quais desde 1 de dezembro de 2014 até ao momento, a Uber reuniu 72 vezes com responsáveis da Comissão Europeia — a reunião mais recente foi com Nicolas Schmit, comissário do emprego e direitos sociais, a 18 de janeiro, em Davos, sobre a diretiva da comissão para o trabalho nas plataformas. Há registo de duas reuniões com Carlos Moedas, quando era comissário para a Investigação, Inovação e Ciência, em janeiro e maio de 2016, em Davos e Bruxelas, respetivamente, e outras duas com membros do gabinete de Moedas.

A empresa tem quatro responsáveis que a representam em instituições europeias, com foco em áreas específicas. Essa equipa está sediada no escritório da Uber em Bruxelas. No que toca ao Parlamento Europeu, há três pessoas atualmente acreditadas para terem acesso às instalações. Segundo a informação oficial, a Uber estima ter desembolsado entre 700 mil e 799 mil euros em 2021 (“estimativa do montante dos custos anuais relacionados com atividades abrangidas pelo Registo”).

A multinacional sublinha que tem políticas de ética e compliance, que dá formação “regular obrigatória” aos seus empregados sobre o tema e tem diretrizes sobre como lidar com responsáveis governativos. Além disso, o seu código de conduta  está “rigorosamente alinhado” com o dos membros da Comissão Europeia, assegura.

Um Parlamento dividido. Mas o suficiente para alterar a proposta?

O dossiê da regulação do trabalho nas plataformas está longe de ser consensual e são evidentes as divisões dentro do Parlamento Europeu, mas também entre as três instituições que, na União Europeia (UE), são responsáveis por fazer uma lei. As regras europeias determinam que depois de a Comissão Europeia apresentar uma proposta de diretiva, como aconteceu em dezembro de 2021, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu apresentem também eles as suas orientações.

Estados-membros divididos sobre regulação do trabalho nas plataformas digitais. Nova proposta sem aprovação garantida

No Conselho da UE, o processo ficou bloqueado em dezembro, depois de não se obter um consenso entre os países quanto à proposta da Presidência checa. Está, agora, nas mãos da Presidência sueca apresentar uma proposta que agregue os Estados-membros. No Parlamento Europeu, a Comissão de Emprego já aprovou uma proposta de orientação — redigida por Elisabetta Gualmini, com o mandato de negociação a ser aprovado por 35 votos a favor e 15 contra.

Mas um grupo de, pelo menos, 90 deputados seguiram o repto da deputada sueca Sara Skyttedal e pediram que a discussão seja reaberta (eram precisas 70 assinaturas). A votação acontecerá no dia 2 de fevereiro e para haver uma aprovação é necessária uma maioria. Se isso acontecer, serão votadas as emendas, incluindo as de partidos mais à direita que não concordam com o rumo que a orientação da Comissão de Emprego tomou.

Parlamento Europeu dividido. Grupo de deputados tenta travar proposta sobre regulação nas plataformas

Os eurodeputados portugueses presentes nessa Comissão ouvidos pelo Observador reconhecem que há divisões, mas consideram que a proposta do Parlamento é, em geral, mais protetora dos trabalhadores. José Manuel Fernandes, eleito pelo PSD, adianta que há divisões dentro dos próprios grupos políticos, mas também de delegações. Elisabetta Gualmini, a relatora, desvaloriza. Indica que as divergências em determinadas propostas são a regra e não a exceção e salienta que nenhum grupo político, como um todo, aderiu ao repto de Sara Skyttedal — só deputados isoladamente, o que dá confiança aos defensores da proposta de orientação.

O Observador solicitou uma entrevista a Sara Skyttedal, que não se mostrou disponível. Numa declaração enviada por email, a eurodeputada diz que a proposta tal como está, se virasse diretiva, faria com que todos os trabalhadores das plataformas digitais estivessem “em risco de serem considerados empregados” das multinacionais e não se manteriam como independentes. Um argumento que Elisabetta Gualmini contesta.

A relatora insiste que a proposta do Parlamento não vincula um trabalhador à plataforma automaticamente. O que faz é colocar o ónus da prova na plataforma. Quer isto dizer que se o trabalhador, um sindicato ou uma autoridade de trabalho (por exemplo, a ACT em Portugal) encontrarem indícios de trabalho dependente na relação entre a plataforma e o trabalhador, então poderiam desencadear os procedimentos para o reconhecimento legal desse vínculo. Caberia à multinacional provar que o trabalhador é, afinal, independente, através de uma série de critérios.

Sara Skyttedal e outros deputados querem ir noutro sentido e preferem manter uma ideia da proposta de diretiva da Comissão: que haja critérios para desencadear a presunção de vínculo entre a plataforma e o trabalhador. Mas querem mexer nesses critérios. Por exemplo, querem retirar como indício o facto de a plataforma verificar a “qualidade dos resultados do trabalho”, como atualmente acontece (os estafetas e motoristas têm uma classificação, a que as multinacionais têm acesso).

Para a eurodeputada Leïla Chaibi, em causa na discussão está todo um modelo de organização da sociedade: “Se é um empregador e quer ter pessoas a trabalhar para si, a fazer o que quer que eles façam, tem de assumir a lei laboral. Senão, amanhã um patrão num supermercado pensa: para que é que tenho um empregado com o salário mínimo quando posso ter um falso trabalhador independente?”

Uber acena com “modelo inovador”: negociações caso a caso

As plataformas preferem que as negociações se façam caso a caso, entre os trabalhadores ou os seus representantes e as plataformas. Num comunicado divulgado esta semana, a empresa salienta como “inovador” um “modelo” adotado em França, através de um acordo entre as duas partes. “Após vários meses de negociações, os representantes dos condutores de TVDE e plataformas digitais como a Uber chegaram a um acordo sobre rendimentos mínimos, bem como a um acordo sobre o método a utilizar nas próximas rondas de negociações, que podem envolver condições de trabalho, prevenção dos riscos profissionais e formação”, lê-se no comunicado.

Esse “acordo” foi o resultado de negociações setoriais que tiveram início em outubro de 2022. Um “mecanismo sem precedentes na Europa”, “concebido pelo governo francês” para, diz a plataforma, “reforçar a proteção” dos trabalhadores independentes.

“O objetivo final desta solução é permitir que os trabalhadores possam manter aquilo que mais valorizam neste modelo — a flexibilidade de trabalhar quando, como e onde quiserem — ganhando, ao mesmo tempo, um fórum específico para transmitir e discutir as suas reivindicações transversalmente com todas as plataformas digitais”, argumenta.

Resta saber que modelo triunfará, quando a diretiva final for oficialmente aprovada, o que só acontecerá depois de negociações entre o Parlamento Europeu, o Conselho da UE e a Comissão Europeia. Elisabetta Gualmini está confiante que tal aconteça até ao final deste ano, mas a ministra sueca dos Assuntos Europeus, Jessika Roswall, não está tão otimista (fala no final da legislatura, maio de 2024). E a posição da Suécia será determinante, já que, se não apresentar uma proposta aos Estados-membros antes de junho, deixará o processo nas mãos da Presidência de Espanha, que com a chamada “lei Rider” quis vincular o trabalhador à plataforma.

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