Carlos Moedas tem uma dor de cabeça por resolver. Falta menos de um ano para voltar a correr por Lisboa e parece cada vez mais difícil encaixar todas as peças na grande frente de direita que deve enfrentar o outro bloco liderado pelo PS. Um número dois que não se entende com o partido de origem, um parceiro de coligação que continua exigente apesar de não ter a força de outros tempos, um possível futuro parceiro que critica abertamente o executivo de Moedas, e muitas queixas, tensões e desconfianças nos bastidores.
Entre os mais próximos de Carlos Moedas aconselha-se serenidade a todos os que vão andando mais “ansiosos” por estes dias. Ao mesmo tempo, lembra-se que é ele, Moedas, quem lidera verdadeiramente a cidade e que está focado nessa missão, o que é o mesmo que dizer que será Moedas, e sobretudo ele, a escolher a sua equipa. Quem está com pressa ou ansioso, não devia estar. “Cada coisa a seu tempo. A ansiedade não é boa conselheira“, vai-se avisando a partir do núcleo mais próximo do presidente da Câmara de Lisboa.
Segundo apurou o Observador, as negociações a nível nacional arrancarão depois da aprovação do Orçamento do Estado. As cidades de Lisboa e Porto terão um “tratamento diferenciado” e poderão ser acertadas ao mais alto nível entre todos os potenciais interessados — no caso, Luís Montenegro, Nuno Melo e Rui Rocha. Se a sucessão de Rui Moreira obriga a negociações complexas (além dos três partidos, é preciso perceber o que fazer com o movimento que o autarca criou), a definição da equipa que vai acompanhar Carlos Moedas em Lisboa também não será exatamente uma tarefa fácil — antes pelo contrário.
Em Lisboa, não é preciso fazer muitas contas para perceber que nem toda a gente terá os lugares que deseja — os partidos que querem fazer parte da coligação terão de perceber que não podem ficar com todos os lugares elegíveis que porventura ambicionariam. Admitindo que Carlos Moedas aponta para os nove vereadores, número mágico que lhe daria a maioria absoluta, e que a Iniciativa Liberal entra mesmo no barco, haverá seis lugares escolhidos pelo PSD e três para distribuir entre liberais e democratas-cristãos (que deverão ficar com menos vereadores do que a IL nesta correlação de forças). E é aqui que começam os problemas.
As feridas abertas no CDS…
Do lado do CDS, há vários problemas para resolver no que toca à coligação em Lisboa. Desde logo, saber se desta vez a distribuição de lugares mudará, caso os liberais passem a entrar na equação, complicando as contas para os democratas-cristãos. Depois, faltaria perceber quem é que se sentaria nesses lugares – não sendo nada óbvio que o CDS queira manter Filipe Anacoreta Correia, que é o atual vice-presidente da CML, em jogo.
Dentro das estruturas do partido já há quem vá deixando os seus avisos para essas negociações. Desde logo, sobre Anacoreta Correia, que era notoriamente mais próximo da direção anterior, de Francisco Rodrigues dos Santos, do que da atual, liderada por Nuno Melo, que só entrou em funções após as últimas eleições autárquicas, em 2022. Apesar de Anacoreta ter vontade de continuar – “seguramente, só com Carlos Moedas”, dizia ao Observador há dias – e de contar com o apoio do presidente da Câmara, dentro do próprio partido o nome provoca desconfianças.
“Francisco Rodrigues dos Santos teve liberdade de impor determinados nomes em Lisboa. Só isso justifica o de Anacoreta Correia. A mesma liberdade terá esta direção”, avisa uma fonte democrata-cristã com conhecimento do processo. Também há quem alerte que “está tudo em aberto” e que é preciso ter em conta “o perfil” objetivo dos candidatos a um lugar na coligação: “As pessoas estão nos lugares; não são os lugares.”
Em entrevista ao Expresso, Anacoreta também assumia o mal-estar com a presidência de Nuno Melo, defendendo mesmo que a atual direção “enjeita” o seu contributo político e que nunca o “procurou” – isto depois de lhe ter sido comunicado que deixou de ser “militante ativo”, porque o partido passou, graças a problemas financeiros, a pedir o pagamento de quotas aos militantes.
Imaginando que o CDS indica Anacoreta Correia como a sua segunda escolha ou que não o indica de todo, o que não é impossível, Carlos Moedas teria pela frente um enormíssimo problema diplomático: não podia simplesmente ignorar a primeira escolha do seu parceiro de coligação e promover Anacoreta. No limite, o atual vice-presidente da Câmara poderia desvincular-se do CDS e entrar pela quota do presidente da Câmara de Lisboa. Era uma saída airosa para todos e poderia evitar embaraços de maior.
… e as contas do PSD
Todo este drama já vai tirando o sono a muita gente nas estruturas do PSD e do CDS e coloca um problema objetivo a Carlos Moedas. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa quer contar com Filipe Anacoreta Correia. E o CDS terá forçosamente de engolir esse sapo. Coisa diferente é saber se Anacoreta continuará como número dois de Moedas ou não — condição que o próprio vice-presidente quererá ver reconhecida para continuar no executivo.
Nas últimas autárquicas, em virtude do resultado conseguido por Assunção Cristas nas eleições de 2017, o CDS teve direito a dois lugares elegíveis e ainda a indicar um independente. Depois da saída de Laurinda Alves, os democratas-cristãos conseguiram mais um assento no executivo de Lisboa, contando agora com três vereadores — tantos como os do PSD.
Para os dirigentes do PSD ouvidos pelo Observador, é “impensável” que esta correlação de forças se mantenha. A marca “Moedas” vale por si, o ano de 2017 já lá vai e o CDS, até pelos resultados nacionais que foi registando desde aí, tem de reconhecer o seu valor e moderar expectativas. Até porque há um peixe mais graúdo no aquário: a Iniciativa Liberal.
A confirmar-se a inclusão dos liberais nesta grande frente de direita, e ainda ninguém arrisca o pescoço por essa hipótese, o mais provável é que o PSD fique com seis indicações, a Iniciativa Liberal com uma ou mais e o CDS com uma — o que seria um golpe duro no orgulho do partido liderado por Nuno Melo.
Como é hábito, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa terá a sua quota para escolhas, haverá também uma indicação da direção nacional e outra das estruturas locais. Os vereadores escolhidos pelo PSD e que estão atualmente em funções — Filipa Roseta, Joana Almeida (independente) e Ângelo Pereira — não deverão deixar a autarquia — a menos que assim o desejem. Logo, não há muita margem para grandes mexidas no elenco e será sempre preciso respeitar a representatividade entre géneros.
As reservas dos liberais…
Segundo os liberais ouvidos pelo Observador, ainda não há decisões nem conversas nesse sentido. Mas vão-se fazendo contas à vida. Leia-se, a vereadores. Se nas eleições autárquicas de 2021 — quando a IL não alinhou na coligação de Moedas e ficou sem um vereador — o Bloco de Esquerda precisou de 15 mil votos para eleger, os liberais agora fazem contas às legislativas onde, mesmo tendo descido face a 2022, conseguiram mais de 24 mil votos em Lisboa.
Contas feitas, e mesmo descontando o facto de as autárquicas não serem eleições legislativas, a Iniciativa Liberal entende que, a integrar uma coligação, teria de ter, “no mínimo, direito a um vereador em Lisboa”. “Nunca, por nunca, menos que o CDS”, garante um destacado dirigente da IL em declarações ao Observador. “Isso era impensável.”
Nas hostes liberais a questão do CDS não é ignorada e, entre algumas provocações, há quem não resista a sugerir que os democratas-cristãos estão “nervosos”. A desconfiança entre as partes, aliás, é palpável e há quem defenda que o CDS está, desde o início, a tentar boicotar o acordo mesmo antes de nascer por razões de aritmética: “Se Moedas não tiver a IL no barco, facilmente pode manter os dois CDS (contando com Filipe Anacoreta Correia). Com a IL dentro do barco, Carlos Moedas não pode ter espaço para dois do CDS”, sugere um elemento da IL.
Apesar de tudo, existe quem, na IL, desconfie das reais intenções de Carlos Moedas e quem desconfie que o presidente da Câmara de Lisboa não está verdadeiramente empenhado em contar com a Iniciativa Liberal na coligação. Nesta altura, os sinais são muito contraditórios e não é para menos: em rigor, os sociais-democratas não sabem se a adição da IL é uma vantagem competitiva; precisam de estudos de opinião internos para perceber se os liberais ajudam a garantir a maioria absoluta ou não.
Sem ter qualquer decisão tomada nesse sentido, a Iniciativa Liberal vai percebendo essa suposta ambiguidade em Carlos Moedas e que já está em curso uma certa campanha de vitimização em relação aos liberais para acautelar uma eventual não formalização da aliança. “É importante ir montando a narrativa de que foi a Iniciativa Liberal que não quis e, no futuro, mostrar que mesmo assim venceram e que os liberais preferiram ficar de fora mais uma vez”, antecipa uma fonte da IL ouvida pelo Observador, especialmente cética em relação às reais intenções de Moedas.
… e a irritação de Moedas e do CDS
Aliás, entre os liberais ouvidos pelo Observador, há quem considere que Carlos Moedas já está a tentar recuar nas intenções de ter a IL dentro da coligação e, desconfiam, tem aproveitado tudo para preparar esse caminho. Os pequenos irritantes, aliás, vão-se acumulando. O Observador sabe que uma campanha dos liberais na cidade de Lisboa — onde se lia a palavra “lixo” e as frases “Uma cidade limpa é possível” e “Pôr Lisboa a funcionar” — não caiu bem junto do presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
De resto, Carlos Moedas fez questão de o demonstrar, sugerindo que aquela não é maneira de um potencial parceiro se comportar — a campanha mereceu grande destaque nas redes sociais e no site do partido em Lisboa. Ficou dado o recado, mesmo que se garanta que, da parte do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não há lugar a estados de alma. A Iniciativa Liberal fará o que quiser e Moedas continuará focado na resolução dos problemas da cidade.
Em declarações ao Observador, o líder do núcleo da IL/Lisboa, Rodrigo Mello Gonçalves, assegura que o partido até tem estado alinhado com aquilo que Carlos Moedas tem dito relativamente à questão do lixo — “que o sistema que existe não funciona” — e de lembrar que este “não é um problema de agora”, nem “deste mandato”.
Para Mello Gonçalves, aliás, qualquer leitura de que esta campanha sobre o lixo pode ser interpretada como uma manifestação de indisponibilidade por parte da IL para fazer parte de uma coligação é manifestamente exagerada. “[Fico] admirado [com essa leitura]. Não houve quaisquer conversações. Não se discutiu nada, nada está excluído e todos os cenários estão em aberto”, sublinhou o líder liberal em Lisboa, frisando que a IL está a fazer os trabalhos de casa e a preparar o programa eleitoral para as autárquicas do próximo ano.
Porém, esta campanha sobre a recolha do lixo em Lisboa já serviu para que, a partir do CDS, se reforçassem críticas aos liberais. “A IL tem sido crítica [da coligação em Lisboa], sem fazer críticas construtivas”, nota uma fonte do partido, lembrando os outdoors dos liberais contra o executivo de Moedas. “Comparam o PSD ao PS. Querem coligar-se com um partido igual ao PS?”, provoca. A fricção é evidente; resta saber se para o PSD os argumentos contra uma coligação com os liberais pesam mais do que os argumentos a favor. Nesse caso, o CDS terá uma negociação mais difícil pela frente.
Ao mais alto nível, as declarações sobre estender a Aliança Democrática à IL têm sido tudo menos lineares. Em outubro, em entrevista à SIC, conduzida por Maria João Avillez, foi o próprio Luís Montenegro a falar abertamente sobre essa coligação. “Creio que está em aberto essa possibilidade. Posso até confidenciar que já falei com o presidente da IL sobre esse dossiê e teremos, creio eu, várias oportunidades de apresentarmos candidaturas em coligação com a IL. Lisboa será, porventura, um desses casos”, sugeriu o primeiro-ministro e líder social-democrata.
Rui Rocha, por sua vez, não deu seguimento às palavras do presidente do PSD, atirou decisões sobre autárquicas para depois da convenção da IL, que deverá acontecer algures no início do ano, mas não deixou de deixar alguns sinais de desconforto com as declarações de Montenegro, ao ponto de sulbinhar que “não há nenhum entendimento com a Aliança Democrática” e que a IL não será uma “muleta de ocasião do PSD”.
Ventura entra na equação
Existe um ponderador que vai ganhando algum peso nas contas que se vão fazendo entre sociais-democratas: que candidato, campanha e resultado pode ter o Chega na corrida à Câmara Municipal de Lisboa. Nas últimas autárquicas, a candidatura de Nuno Graciano não correu manifestamente bem, algo que é reconhecido por todos no partido. Estas eleições ganharam especial relevância, até por se seguirem a um resultado muito aquém das expectativas nas europeias e num momento de alguma indefinição estratégia do partido.
Por tudo isto, Lisboa é o palco certo para conseguir um resultado impactante e o Chega procura o melhor candidato para entrar nesta corrida. E, no PSD, desconfia-se que André Ventura possa ter a tentação de liderar essa investida, o que poderia ser dramático para as aspirações de Carlos Moedas. “Pode ser a diferença entre ganharmos ou não as eleições”, assume uma fonte que conhece bem a realidade eleitoral do PSD na capital.
Como explicava o Observador, há muito que a capital do país é vista como uma prioridade e preocupação para André Ventura. O líder do Chega está bem consciente da importância de escolher bem e, no limite, o próprio líder do Chega poderia ser candidato à maior autarquia do país. Não sendo, para já, o cenário mais razoável, se não tiver outra opção considerada válida, Ventura até pode ponderar essa possibilidade. Se decidisse entrar na corrida, Ventura mudaria por completo todas as contas que se vão fazendo à direita e à esquerda.
Chega quer deputados candidatos nas autárquicas. Ventura em Lisboa é pouco provável