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Miguel Pinto Luz já tinha dito que Paulo Rangel encaixava no perfil de líder que o PSD precisava, mas agora diz muito claramente que se o eurodeputado avançar — o que é praticamente certo — terá o seu apoio. “Naturalmente estarei ao lado dele”, diz o vice-presidente da câmara de Cascais e antigo candidato à liderança do PSD em entrevista ao programa Sob Escuta da Rádio Observador. A entrevista ocorre um dia depois de ter apresentado o livro “Voltar a Acreditar”, em Lisboa, onde juntou Paulo Rangel, Passos Coelho e Carlos Moedas.
O antigo candidato à liderança do PSD faz duras críticas a Rui Rio, que acusa de não ter “mundividência”, de ter “vistas-curtas” e acrescenta mesmo que o atual presidente não tem “espessura intelectual” para preparar determinados dossiers. Diz ainda que a direção do PSD se apropria indevidamente de resultados autárquicos pelos quais não foi responsável e que, com uma boa liderança, o partido teria tido resultado como o 2001, que provocou a queda do PS do Governo.
O social-democrata acredita que Paulo Rangel pode ser primeiro-ministro e vencer a António Costa, Pedro Nuno Santos ou qualquer outro candidato do PS em 2023. Pinto Luz admite que o PSD lidere “um Governo com qualquer força partidária do centro-direita”, acrescentando que considera o Chega “um partido de centro-direita”.
Ouça aqui a entrevista.
“Rui Rio não serve os interesses do PSD. Tem vistas-curtas”
Há dois anos, na noite da primeira volta, quando reconhecia a derrota, disse que “[Esta candidatura] era a fiel depositária dos valores reformistas e de mudança para o país”. O que é que aconteceu? Ao não avançar, não está a defraudar as expectativas dos que votaram em si há dois?
Continuo fiel depositário dessa vontade transformadora, disruptiva, de fazer política de forma diferente. O livro que publiquei também é paradigmático disso e esse dever fiduciário perante aqueles que depositaram confiança em mim não se espelha só em candidaturas à liderança do PSD. Espelha-se nas minhas atitudes diárias enquanto político, cidadão e homem que continua a pensar o país e verte em letra e para o papel aquilo que pensa o que deve ser o país. E perante também as minhas escolhas com hipotéticos candidatos ou candidaturas ao PSD. E, portanto, de uma forma muito clara continuo a dizer que Rui Rio não serve os interesses do PSD, que o PSD não faz oposição, que não tem uma agenda reformista para o país, que não é capaz de mobilizar os setores mais dinâmicos da sociedade, que o PSD está dividido e isso, no fundo, é devolver aquela confiança que um conjunto alargado de militantes depositaram em mim nas últimas eleições.
Falou aí de outras candidaturas. Significa que o que mudou, essencialmente, foi que agora pode haver um candidato ou um potencial candidato em que se revê? Foi isso que mudou?
Há dois anos as circunstâncias foram diferentes. Não encontrei ninguém em que me revisse para apoiar. Na primeira volta fui candidato e na segunda não apoiei ninguém. Hoje, aguardo com expectativa. Portanto, a minha decisão de não ser candidato não se prende por existir candidaturas nas quais eu me possa rever porque não sei quem vai avançar ou não vai avançar. Tenho expectativa, mas não sei.
Deve ter uma suspeita de alguém em particular.
A minha decisão de não avançar é muito pessoal. Familiar, por um lado, profissional, por outro. Tem a ver com outro tempo que o PSD vive e com a necessidade de eu não dar o sinal de divisão na necessidade da mudança. Ou seja; eu com a minha atitude de dizer logo desde muito cedo que não seria candidato, estava a mostrar ao partido que estava disponível para encontrar plataformas de entendimento necessários e suficientes para a mudança. E foi importante. Modéstia à parte, penso que esta minha atitude e o iniciar muito cedo a tentar encontrar plataformas que quisessem essa mudança foi importante.
Nestas eleições, estando tão perto das legislativas, o PSD está a escolher o seu candidato a primeiro-ministro. É por isso que é importante existir essa unidade?
É precisamente por isso. A grande diferença nestas eleições para as de há dois anos é que o ciclo anterior se estava a preparar a quatro anos. Tínhamos as autárquicas, que são 308 candidaturas. Permitem ao partido reforçar a sua posição intersticial junto dos territórios e das regiões para depois se alavancar para umas eleições legislativas. Não o conseguiu fazer. Apesar do balanço positivo que a direção nacional aponta, não sentimos hoje essa pujança intersticial pelo território nacional. Lisboa teve um ganho de causa, mas depois perdemos a Guarda, as Caldas e Espinho, bastiões históricos. E, portanto, a grande diferença hoje é como é que conseguimos encontrar uma liderança com estes três pilares. Primeiro, que volte a unir o PSD, não tenha vontade nenhuma de ter esta visão maniqueísta dos bons e dos maus, que ganhe o partido e a seguir tem de ir buscar todos rios, não-rios, apoiantes destes, apoiantes daqueles, tem de ir buscar todos. Foi assim no passado. Não houve nenhum líder do PSD que tivesse ganho legislativas que não tenha feito este movimento. Segundo: uma oposição firme e não uma oposição passiva. Terceiro: uma visão clara do que se quer para o país com mundividência, uma visão global, aquilo que dizia ontem na apresentação do livro: convictos do nosso europeísmo, mas confiantes na nossa lusofonia, no nosso braço atlântico, de membros fundadores da Aliança Atlântica. Saber onde Portugal se situa no mundo. Esta visão clara do que queremos e ninguém consegue dizer hoje o que Rui Rio quer para o país.
Fala sempre da mundividência e em alguém com mundo, isso significa que considera que Rui Rio é provinciano? É isso que se depreende daí?
Rui Rio acantonou o PSD ao centro e isso mostra vistas-curtas. Rui Rio com este movimento de fazer a segunda sede do PSD no Porto, de estar mais tempo no Porto do que em Lisboa, também demonstra algum regionalismo primário. E isso não é bom. O PSD não é feito só de mais novos ou mais velhos, nem só de Porto ou de Lisboa, é feito do território nacional todo, da diáspora, dos territórios insulares. Portanto, é feito de todos. E todos os líderes que tentam compartimentar, regionalizar-se, tornam o partido mais pequeno. Não vou tão longe como essa afirmação, mas é um líder que se acantonou. Acantonou-se na vertente ideológica e na vertente quotidiana do partido. Acantonou o partido no primeiro andar da sede da distrital do Porto do PSD. Hoje o PSD está ali. Guardo ótimas memórias, dei-me muito bem com presidentes de distritais do Porto, sempre foi uma cidade que me acolheu muito bem, vivo bem com o PSD de Norte a Sul. Mas não vivo bem com um PSD só acantonado num território reduzido do país.
“É redutor direção do PSD puxar para si louros da vitória autárquica”
Voltando a Rui Rio, desde que foi eleito o PSD voltou ao Governo dos Açores e, nas autárquicas, ganhou Lisboa, ganhou o Funchal, ganhou Coimbra ou Barcelos, por exemplo. Reduziu a diferença de 63 para 35 as câmaras para o PS. Se este quadro não é positivo, o que é que seria?
Mas eu nunca disse que o quadro não era positivo. Aliás, esta semana já o sinalizei várias vezes.
Sei que disse isso em entrevista ao Polígrafo/SIC, mas há pouco disse aqui que “a direção do PSD considera o resultado positivo”. Não considera também?
Considero positivo, consideramos é em escalas distintas.
Foi um resultado poucochinho?
Depois há outra questão: é um resultado positivo, mas quem é o responsável por esse resultado. A direção do PSD avoca para si os louros desta vitória. Acho isto é altamente redutor. Dizer-se que Ricardo Rio, em Braga, Carlos Carreiras, em Cascais, e Carlos Moedas em Lisboa venceram por causa da direção nacional parece-me muito, muito, muito redutor. Quando digo que são 308, são 308. Quando vamos a Mogadouro e o António Pimentel ganhou o Mogadouro, o Rui Rio nem foi lá. Isto é que é a realidade do país: são 308 candidaturas de homens e de mulheres que dão a cara pelo PSD. Com programas, com equipas, andam no terreno, meses e meses a fio para conquistar território. A pergunta que eu coloco é quase futurologia. E se tivéssemos um líder mais galvanizador, mais carismático, com visão nacional, com o PSD a subir, que resultados não poderíamos ter tido? Possivelmente estas autárquicas podiam ter representado para o PSD aquilo que representaram em 2001 com Durão Barroso. Não representaram porque não houve essa onda galvanizadora de todo o PSD e de todo o nosso eleitorado.
Miguel Pinto Luz foi candidato. Se tivesse vencido essas eleições teria feito melhor que Rui Rio?
Se eu não acreditasse que podia fazer melhor que Rui Rio não me tinha candidatado.
Mas se teria feito melhor porque não é candidato agora?
Precisamente por aquilo que lhe digo. Porque valores mais altos se levantam. Não coloco os meus interesses pessoais, a minha ambição pessoal à frentes dos interesses nacionais e do meu partido. O PSD hoje tem de se unir para mudar. E eu quis dar esse sinal. Quis dizer: dou um passo atrás para o partido poder dar dois ou três à frente. Para o partido se reformar, se tornar mais contemporâneo, mais próximo do país de hoje, das pessoas de hoje, dos portugueses de hoje. Nos últimos quatro anos o afastou-se objetivamente dos portugueses. Isto é um partido que parece que parou no tempo.
Ainda olhando para os resultados eleitorais antes de avançarmos para outras questões. Nestes dois anos Rui Rio conseguiu colocar o PSD no Governo dos Açores e cresceu nas autárquicas. Era exigível mais a um líder do PSD?
Claro que era. O resultado autárquico podia ter sido melhor se estivéssemos mais unidos e se tivéssemos tido essa visão mais nacional e mais galvanizadora. Depois dizer: voltou agora a atribuir uma vitória do Governo dos Açores ao Rui Rio. Que diabo, o José Manuel Bolieiro deve estar a dar voltas na cadeira. Digam-me o que Rui Rio pensa sobre as autonomias. Nos últimos quatro anos o que é que ficou escrito ou dito por Rui Rio sobre as autonomias? Qual é a opinião de Rui Rio sobre autonomias? Sobre o empobrecimento dos Açores? É a região mais periférica da União Europeia. O socialismo nos Açores empobreceu os açorianos. É a região do país com mais RSI, com mais dependência do Governo regional. E não ouvi Rui Rio dizer isto uma única vez nos últimos quatro anos. Eu disse várias vezes. E, portanto, Rui Rio não pode ser fiel depositário da vitória dos Açores. A vitória dos Açores deve-se ao PSD dos Açores, ao José Manuel Bolieiro que acreditou até ao fim. Mobilizou e fez crer a população dos Açores que podia fazer diferente. Que este ciclo vicioso de empobrecimento dos Açores tinha de parar e parou.
Considera que o artigo de Cavaco Silva foi uma espécie de reedição da boa e da má moeda no fim de ciclo de Santana Lopes. Foi um cartão vermelho a Rui Rio?
É diferente. O contexto e o conteúdo são diferentes. Na altura, da boa e da má moeda, o PSD viveu sempre muito nessa dicotomia. Interessante que hoje se esbate muito isso. Ontem na sala da apresentação do meu livro estava lá a boa e a má moeda. Curiosamente, 20 anos depois estava lá a boa e a má moeda. E, portanto, essas placas tectónicas mudam e são de geometria variável. A conjuntura é diferente, os fundos são diferentes. Cavaco tinha essa visão maniqueísta que uns eram predestinados e outros que nem por isso e que não mereciam sequer pensar que estivesse escrito nas estrelas seja o que for. O artigo de Cavaco hoje é de uma extrema lucidez. É diferente. É de alguém que avalia de uma forma muito transparente a governação socialista. E que percebe que isto assim não vai lá, que se está a engrossar um Estado a servir cada vez pior e menos portugueses. E, no que diz respeito ao PSD, também de uma forma clara diz: se o PS está a fazer esta governação absolutamente catastrófica para o futuro do país como é que o PSD não tem uma oposição clara. E Cavaco diz outra coisa: que para além de uma oposição clara, que é a capacidade de ser audível e de dizer que o rei vai nu e que as coisas correram mal, de apresentar alternativas. E Cavaco aponta as duas questões: a capacidade de fazer oposição apontando e dizendo o que está mal e depois apresentando alternativas. E, portanto, a extrema lucidez é esta.
Foi, portanto, um cartão vermelho a Rui Rio?
Cavaco Silva é dos políticos mais experimentados do país e escolheu o timing que entendeu para escrever o artigo. Depois, é muito claro e taxativo nas suas afirmações. Um homem preocupado com o seu país e com o seu partido, o PSD. Cavaco nunca deixou de ser um social-democrata. Não sei se é um cartão vermelho, mas é alguém que quer se saiba, que todos saibam que ele não concorda com o caminho, eu acho que é claro.
“Se Paulo Rangel for candidato ao PSD, eu naturalmente estarei ao lado dele”
Já disse que Paulo Rangel encaixa no perfil de liderança que o PSD precisa, até já disse que tem todas as condições para ser primeiro-ministro em 2023. O que é que precisa para o apoiar? Está apenas à espera que Paulo Rangel oficialize a sua candidatura?
Eu não sei que candidatos se vão perfilar.
Mas fala quase exclusivamente no nome de Paulo Rangel.
Não. As pessoas é que me perguntam: o que acha de Paulo Rangel? Essa é que é a diferença. O perfil é claro: alguém que faça oposição audível, que tenha mundo, que tenha visão estratégica, que tenha uma visão da Europa e, por último, que queira unir o PSD. E a seguir perguntam-me se Paulo Rangel preenche este requisito e eu digo: claro. Agora, a decisão é individual, é de Paulo Rangel, que tomará a sua decisão e logo depois veremos quem é que o apoia ou não. Se me perguntar: se Paulo Rangel vier a disponibilizar-se para ser candidato ao PSD, eu naturalmente estarei ao lado dele precisamente porque preenche estes requisitos. Agora, não sei se o fará. Aguardemos. Cada coisa a seu tempo. Especulação e futurologia não faço. Agora, dos nomes que se perfilam, é o que preenche melhor estes requisitos.
Faço a pergunta ao contrário. Além de Rangel, vê alguém no PSD que reúna essas condições que enumerou?
O PSD tem muita gente. Se falarmos de Carlos Moedas não tem estas características? Um homem com visão do mundo.
Mas está indisponível, presumo.
Claro. Uma candidatura nacional é uma questão de disponibilidade. Há pouco disse que não era candidato por questões pessoais. Não é fácil. É uma decisão difícil. Tive para ser candidato há quatro anos e não fui: tinha sido pai, fui pai tarde. E, portanto, pessoas que respeitem estes três critérios no PSD há muitas. E ainda bem que há. É um partido grande e com qualidade, com talento, com conhecimento, com espessura, com densidade. Ainda bem que há.
Diz que Paulo Rangel pode chegar a primeiro-ministro. É mais fácil vencer António Costa ou Pedro Nuno Santos?
Quando faço a análise que é para ganhar 2023, é independentemente da liderança do PS. O PS entrou numa deriva. Conheço bem a vida partidária e sinto estes momentos. Os movimentos de preparar o pós-Costa já começaram. Estão no terreno. A guerra intestina está instalada. As placas tectónicas também aqui dentro do PS estão instaladas. E, portanto, o PS vai entrar numa convulsão interna.
Isso no PSD também e não o diminui.
Claro. Isso faz parte. Mas diminui. A divisão do PSD é que o diminui. Precisamente por isso é que o PSD não consegue nas sondagens nacionais disparar. Porque continua com guerras intestinas. Por isso é que digo que uma das características é unir. O PS, a partir do momento que entrou nessa deriva, inevitavelmente vai perder expressão nacional. Perde visão estratégica. Não se foca naquilo que tem de fazer. Perde capacidade comunicacional porque dispersa a comunicação e não foca. E António Costa é exímio na comunicação a tentar passar uma imagem muitas vezes distorcida daquilo que é a realidade, mas fá-lo de uma forma muito experiente e muito profissional. Mas até nisso está a perder esse tato. Porquê? Porque tem de estar constantemente a acudir a fogos, a acudir o Pedro Nuno Santos que ataca João Leão, que agora já cedeu a Pedro Nuno Santos o abatimento da dívida da CP. Todos os dias há estas guerras intestinas e quando temos de estar constantemente a tapar buracos num navio que está a ir ao fundo, perdemos o foco do caminho. Isso sente-se. Isto vai acontecer. Portanto, com um líder do PSD forte, unir o PSD, estratégia clara, programa claro, equipa, mobilizar a sociedade civil, 2023 é possível.
Já disse que este ciclo é de dois anos. Disse há pouco que o anterior era de quatro. Se Paulo Rangel vencer o PSD e não vencer as legislativas em 2023, deve demitir-se?
Não. Claro que não. Se viesse defender isto aqui quando defendi que Passos Coelho não devia ter saído do partido quando perdeu as autárquicas.
Mas também defendeu que Rui Rio devia ter saído após as legislativas.
Porque os líderes saírem ou entrarem não tem só a ver com resultados eleitorais. Tem a ver com uma avaliação de um conjunto de variáveis, que têm de ser ponderadas.
Mas há quatro anos escreveu uma carta a exigir a Rui Rio que ganhasse as eleições.
Claro. Porque o PSD tem sempre de partir para todas as eleições para ganhar. Um militante do PSD que venha dizer que não é assim, não está a ser sério. E eu exigi, mas fiz mais: disponibilizei-me. E o que Rui Rio fez? Não tirou partido de nada. Não foi buscar ninguém. Continuou a acantonar-se, não quis dialogar, não quis juntar, não quis somar. E, portanto, a carta foi só para dizer: faça-se este caminho, é preciso ganhar. É obrigatório o PSD ganhar, mas temos de unir o PSD. Não foi feito anda disso.
Não resisto a ler-lhe esta frase: “Rui Rio falha muitas vezes na forma, mas acerta muitas vezes nos temas que escolhe para prioridade”. Concorda com esta frase?
Concordo. Até acho que é minha.
É. Mas continua a ser atual?
Pois claro. Eu sei bem o que digo. Continua claramente. É que Rui Rio muitas vezes acerta nos temas. E, portanto, falha muitas vezes na forma. Porque, primeiro, não se prepara; não tem espessura intelectual muitas vezes para preparar os dossiers de forma clara; não tem as melhores equipas à sua volta, não apresenta as melhores soluções. Não tira partido de quadros como o Joaquim Miranda Sarmento. Já viram a quantidade de material de conhecimento produzido pelo CEN nos últimos anos? É absolutamente astronómico. Eu pergunto: o que saiu cá para fora? Ninguém sabe nada. Portanto, qualquer partido tem de pensar, depois tem de definir estratégia e tem de comunicar. E vocês que são jornalistas sabem que a comunicação é fundamental. Isto falha sempre na forma e a forma é: como é que concretiza uma política? As políticas têm de ter concretização. Não podemos ter uma equipa liderada por Joaquim Miranda Sarmento, com centenas de pessoas a trabalhar todos os dias e a produzir conteúdos, e depois não sai nada. Ou não concorda. Ou guarda na gaveta.
“Há muitos desaproveitados no rioísmo”
Já agora: que quadros do rioísmo vê com potencial para fazer parte do futuro do PSD?
Não sou um headhunter. Não me cabe a mim fazer avaliação curricular. O rioísmo tem muitos homens e mulheres que fizeram política comigo nos últimos 25 anos. O PSD tem muita gente. O rioísmo é um fenómeno com quatro anos. Antes de serem rioístas eram outras coisas. Há muita gente, estão é desaproveitados. Andam para lá perdidos.
Mas está a ver alguém?
Há muita gente, não me cabe a mim dizer. Mas perceberem que o PSD é hoje um partido de um homem só, faço muitas esta perguntas a militantes: quem é o primeiro vice-presidente do PSD? As pessoas não sabem dizer. Não conseguem. De facto, a comissão política permanente não existe.
A direção do PSD tem nomes consagrados. David Justino, Nuno Morais Sarmento…
Estão lá. Mas não tem o espaço que existia no passado. Quem é o lugar-tenente? Ninguém sabe.
Esse número dois é importante para o PSD?
O dois, o três, o quatro, o cinco, o seis… Todos. É preciso saber todos. O que quero dizer com isto é que o PSD não é um partido de um homem só.
Mas imagina-se como número dois do PSD?
Não me imagino nada. Olhe, hoje sou o número dois de Carlos Carreiras, em Cascais. E com muito orgulho.
Em 2020, na segunda volta, os votos dos seus apoiantes e os de Luís Montenegro não foram suficientes para derrotar Rui Rio. O que o leva a crer que desta vez é possível, seja qual for o candidato alternativo, derrotar o atual líder do PSD?
Primeiro: os meus votos com os do Luís Montenegro eram suficientes para ganhar.
Na primeira volta. Na segunda não foram.
Na segunda não apoiei ninguém.
Mas perante uma bipolarização…
Isso é diferente: Mais de 50% do partido não queria Rui Rio na primeira volta. Os votos de Miguel Pinto Luz com os votos de Luís Montenegro tiveram mais votos do que Rui Rio.
Portanto, agora o que sente é que será possível derrotar Rui Rio?
Hoje, se houver a tal união, e daí ter recuado, à volta desta mudança, acho que podemos construir uma alternativa clara.
Rui Rio tem de ser derrotado à primeira volta? Foi um ensinamento?
Se forem duas candidaturas, é inevitável que seja à primeira volta. Se vierem mais militantes, terá de ser à segunda volta.
Mas é mais fácil afastar Rui Rio numa corrida bipolarizada?
Essas regras não existem. Arranjo-lhe exemplos no PSD para todos gostos e feitios. Já tivemos muitas realidades.
Tem insistido nesta ideia de que são precisos novos protagonistas. Paulo Rangel foi líder parlamentar em 2008, candidato à liderança em 2010, candidato às europeias em 2009, em 2014 e em 2019. Em que medida é que Paulo Rangel encaixa neste perfil de novo protagonista?
Novo protagonista de liderança. Se Paulo Rangel for candidato, com certeza que vai ter de se rodear de novos protagonistas. Mas alguma vez foi dada a oportunidade a Paulo Rangel, a Jorge Moreira da Silva ou Carlos Moedas de liderarem o PSD? Nunca.
Paulo Rangel foi a votos e perdeu.
Não teve ganho de causa, mas não foi dada a oportunidade. Nas equipas, tem de haver renovação, pessoas que pensem para o dia de hoje.
Enquanto cabeça de lista às europeias, Paulo Rangel foi responsável eleitoral pelo pior resultado da história do PSD. O que o leva a crer que fará diferente como candidato a primeiro-ministro?
Por uma razão muito simples: nas europeias, as sondagens nacionais deram todas na mesma escala do resultado que Paulo Rangel teve. Nem mais, nem menos. Todas as sondagens para o PSD nacional que antecederam as europeias foram sempre, mas sempre na mesma escala de valores.
“É-me indiferente se Rui Rio é ou não candidato”
Acredita que Rui Rio tem condições para apresentar uma recandidatura ou seria útil que não entrasse na corrida até para evitar uma maior fratura do partido?
É uma decisão individual. Interessa-me pouco se quer candidato, se não quer ser candidato. Apoio Rui Rio? Não. Se não o apoio, é-me indiferente se é candidato ou não é candidato.
A não ida a jogo de Luís Montenegro foi um favor a Paulo Rangel?
Não é a Paulo Rangel, é ao partido. Tal como eu não vou a jogo, Luís Montenegro também não porque, penso eu, percebeu que o partido precisa de um posicionamento diferente para podermos atacar 2023.
Há espaço para uma terceira candidatura, como protagonizou há dois anos? A de Jorge Moreira da Silva, por exemplo.
Espaço há sempre. Tendo eu protagonizado essa terceira dia, não posso apontar o dedo a ninguém.
Jorge Moreira da Silva teria um resultado relevante?
Não faço ideia.
Seria útil ou não existir essa terceira via?
Este tipo de protagonismo que é dado a um candidato ao partido é sempre positivo para o PSD. O PSD foi grande também precisamente pela multiplicidade de pessoas que se disponibilizaram para serem candidatos à presidência do partido. Há uma transformação da própria persona política, ganha outra dimensão. Antes do Congresso do Coliseu, Santana Lopes era um ex-secretário de Estado da Cultura. É importante este tipo de dinâmicas. Foi importante Luís Filipe Menezes ter ido lá, Marques Mendes ter ido a Viseu… Quanto mais melhor. Só é pena no PSD ter-se perdido coragem, muito na minha geração.
Consegue perceber que é contraditório?
Eu e Luís Montenegro já fomos candidatos, temos uma responsabilidade diferente de passar um sinal. Podemos dar um passo atrás para encontrar uma plataforma de entendimento. Agora, aqueles que não foram, quererem agora mostrar-se, que diabo, sou último que posso condenar.
No futuro, não exclui candidatar-se?
É algo que não me tira um minuto de sono. Se me tirasse, teria sido candidato agora. Com medo de perder espaço, taticismo, será que vou desaparecer… Interessa-me pouco.
Esta vitória de Carlos Moedas faz dele um competidor para o pós-Rangel? Pode ser mau para si.
Não, é ótimo para o país e para o PSD. O Carlos Moedas é um dos melhores quadros que este país tem e ainda bem que disse ‘sim’ à candidatura a Lisboa.
Eleições antecipadas? “Haveria tempo” para novo líder ser candidato contra Costa
PCP e BE ameaçam votar contra o orçamento. Se o OE for chumbado e forem convocadas eleições antecipadas nos próximos meses, há alguém mais bem posicionado do que Rui Rio para ser o candidato do PSD à liderança num tão curto espaço de tempo?
Claramente. Há quadros muito mais preparados para ir a votos do que Rui Rio, mesmo nessa circunstância catastrófica do Governo ficar impossibilitado de governar.
Haveria tempo?
Haveria.
Há quem acuse a atual liderança do CDS de se estar a colar ao PSD. A estratégia do PSD deve ou não passar por uma aliança sólida do CDS? Isso deve significar coligação pré-eleitoral ou qualquer entendimento deve ser após as eleições?
Sobre coligações tenho uma opinião muito clara: há demasiada convulsão interna nos dois partidos para estarmos a falar em namoro ou casamento. Quando namoramos e nos casamos temos de ter a nossa cabeça muito clara da decisão que estamos a tomar. E não temos. Não sabemos o que somos. Rui Rio entrou naquela deriva de recentramento do PSD, de um puritanismo higienizado absolutamente anacrónico e, portanto, o PSD não sabe o que é, não sabe qual é a sua vocação. Não pode estar sequer a pensar em alianças. O PSD tem de voltar a unir-se, definir o que é, congregar diferentes visões da sociedade, voltar a ser esse partido catch-all, voltaremos a ser grandes. Voltando a ser grandes, vamos depender menos dessas análises conjunturais de coligações. A priori, sem ter as variáveis todas na mesa, diria que o PSD não precisa de uma coligação pré-eleitoral. Mas as variáveis mudam.
Se disser agora, pode estar a comprometer-se como número dois do PSD em véspera de legislativas.
Já lhe disse: não me move nada disso. Primeiro, temos de reconstruir a nossa casa. Depois podemos pensar com quem é que vamos casar. Ou se vamos namorar, ou simplesmente jantar fora, ou simplesmente jantar fora.
Nesse namoro, tem defendido que não deve ser excluído um apoio parlamentar com o Chega. Só é possível ao PSD voltar ser o Governo se tiver o apoio parlamentar de Chega e Iniciativa Liberal?
Não.
Acredita que é possível uma maioria absoluta?
O PSD tem de ter sempre o foco de ser um partido maioritário. Não sendo maioritário, ser o maior possível para depender o mínimo de coligações. Depois, há muitas variáveis: nos Açores, foi um formato; em Lisboa, está a ser um formato diferente; a Ayuso, em Madrid, foi um formato similar ao dos Açores.
“Admito um Governo com qualquer força partidária do centro-direita. O Chega é de centro-direita”
Para ser absolutamente claro: admite um Governo com o Chega?
No final do dia, o que é importante é que o futuro programa de governo não defraude as expectativas de quem votou no programa eleitoral. Se este programa de governo refletir as legítimas expectativas de quem votou no PSD, as tais linhas vermelhas num programa de governo defendido e liderado pelo PSD, então, todos são bem-vindos a fazer parte desse governo naquilo que Ayuso dizia no prefácio do meu livro ser um governo capaz de juntar conservadores, liberais-sociais, democratas-cristãos, moderno, carismático, criativo, inovador, mobilizador.
Não percebi. Governo PSD com o Chega ou sem Chega?
Se o programa de Governo, para ser viabilizado na Assembleia da República, depender de um conjunto de partidos de centro-direita que não defraude as expectativas do programa eleitoral do PSD, com as tais linhas vermelhas de que o PSD não abdica, tudo bem.
Porque é que tão difícil dizer que admite um Governo do PSD com o Chega dentro?
Não é difícil. Estou a dizer-lhe que admito um Governo com qualquer força partidária do centro-direita.
O Chega é de centro-direita?
Diga-me.
A pergunta é colocada a si.
Acho que não estou numa aula de ciência política. Acho que vocês sabem que o Chega é um partido de centro-direita. Se é para o soundbite, não têm o soundbite. O soundbite é este: o PSD tem de estar disponível para não defraudar as expectativas dos portugueses, se os portugueses lhe conferirem um mandato para formar governo e se para esse governo precisar de fazer alianças no centro-direita não abdicando dos seus valores fundacionais, o PSD tem de estar ao lado dos portugueses. Foi isso que José Manuel Bolieiro fez nos Açores, não abdicou. E passou a ser um perigoso extremista de direita por ter aceitado algumas das exigências do Chega? Não passou. Ayuso fez isso em Madrid. E passou a ser uma perigosa extremista de direita por ter aceitado algumas exigências do Vox? Não passou. Não podemos ser hipócritas ao ponto de permitir a António Costa governar com extrema-esquerda, essa sim, antidemocrática, que defende o fim dos ricos e o empobrecimento coletivo, e depois abdicarmos de viabilizar governos de centro-direita com todas as forças que estão no espeto disponíveis para o fazer. Sempre com linhas vermelhas claras.
Para si, o Chega não é de extrema-direita?
Acho que é um partido extremista. É um partido extremista nas suas posições, algumas inaceitáveis do ponto de vista dos direitos humanos, no que diz respeito ao tratamento das minorias, à segurança interna e noutras matérias. Estou nos antípodas do Chega.
Qual era a primeira medida que gostava de ver o próximo líder do PSD tomar assim que entrasse em funções?
Unir o PSD. Juntar todos. Deixar muito claro que ninguém será excluído.