Discurso de Luís Montenegro
Quando em janeiro último propus a marcação deste Congresso no 25 de Novembro não escondo que a data e o local não foram indiferentes. Perspetivei desde logo que era uma oportunidade para lembrar aos portugueses que a liberdade nunca é um valor garantido em termos definitivos. A liberdade contrói-se e garante-se na base da moderação, da tolerância e da responsabilidade. Os extremismos, o radicalismo, a imaturidade sejam de esquerda, sejam de direita subvertem a escolha livre e a plenitude dos valores democráticos.”
Luís Montenegro entra na polémica do 25 de Novembro e assume que escolheu simbolicamente a data (que marcou o fim da governação comunista no país após o verão quente de 75) e também o local: porque Setúbal foi um distrito onde o PSD “sofreu muito”, como disse o líder distrital, às mãos dos militantes comunistas durante o período revolucionário. Logo na primeira frase do Congresso, começa a ensaiar o ataque a Pedro Nuno Santos com referência aos extremismos de esquerda e à imaturidade.
Nem de propósito, realizamos este congresso, neste 25 de novembro quando o País vai ter novamente a oportunidade de dizer não ao Gonçalvismo, hoje adornado numa versão moderna que se batizou como geringonça. O seu mais fanático defensor não se chama camarada Vasco, chama-se camarada Pedro e tem uma Cinderela chamada camarada Mortágua.”
Uma das grandes armas eleitorais é sempre o medo de algo ou de alguma coisa. E a esmagadora maioria do eleitorado português valoriza a estabilidade e a moderação. Daí que Luís Montenegro acene com um novo diabo: uma nova geringonça, que é a versão moderna do Gonçalvismo, que tem um timoneiro: Pedro Nuno Santos, um “fanático” marxista, que tem uma sidekick também ela radical, Mariana Mortágua. Ao evidenciar esta potencial futura liderança “radical” bicéfala do país Pedro-Mariana, Montenegro quer prova que é ele o adulto na sala.
Os tempos são outros. Os nomes agora são estes, mas os princípios são os mesmos. Nacionalizações, ocupação do aparelho do Estado, baixos salários para todos, subsídiodependência, intolerância política, arrogância degradação institucional e um novo desígnio socialista, bloquista e comunista: impostos máximos e serviços públicos mínimos.
No ataque a Pedro Nuno Santos, Luís Montenegro acena com o fantasma de uma eventual agenda escondida dessa nova geringonça à esquerda, que poderá avançar com nacionalizações e tomar conta do aparelho do Estado. Numa referência que já não se ouvia no partido desde o passimo-portismo, Montenegro alerta para a subsidiodependência. E dá ainda um cheirinho de liberalismo ao denunciar que essa aliança de esquerda também trará uma maior carga fiscal.
Caros congressistas, no próximo dia 10 de março, a opção que vamos tomar valerá tanto para Portugal nos próximos anos, como as que tomaram aqueles que aqui estiveram em 25 de Novembro de 1975. Com uma grande diferença: o PS mudou de posição. A linha vermelha que Mário Soares traçou para a esquerda do PS, a linha entre a moderação e o radicalismo, essa linha está agora entre o PSD e o PS. Vindo do PS para o PSD, entramos na moderação. Indo do PSD para o PS, entramos no radicalismo. Dito de outra maneira, 48 anos depois, o PS não derrubou muro nenhum, o PS saltou o muro para o lado de lá.”
Luís Montenegro poupa António Costa ao longo do discurso, porque o seu adversário é Pedro Nuno Santos. Sugere que este líder da nova geringonça é muito pior do que o atual primeiro-ministro. Falando de referências que são intergeracionais, denuncia que este já não é o PS moderado de Mário Soares. Já não está ao centro, tendo passado o muro para o lado de lá: o lado da esquerda radical, do comunismo, dos soviéticos. Começa aqui o plano inclinado, que forçaria mais à frente, para convencer os socialistas com dúvidas sobre Pedro Nuno Santos a votarem no PSD. É o primeiro piscar de olho ao “centrão” flutuante, que desde o 25 de Abril ora vota PS, ora vota PSD.
Acredito que muitos socialistas, muitos votantes do socialismo moderado, europeu, de génese social-democrata, se estejam a sentir órfãos com esta deriva radical e imatura. Quero dizer aos portugueses que acreditam que a dívida tem de se pagar para sermos credíveis e responsáveis. Que acreditam que a TAP com capital e gestão privada, deixará de ser um sorvedouro de dinheiros públicos e pode ainda assim prestar um serviço público e estratégico ao País. Aqueles que acreditam que a decisão de localização de um novo aeroporto não é de um capricho de uma pessoa que acordou de manhã e disse ao espelho: “Espelho meu, espelho meu, quem é que decide um aeroporto mais rápido do que eu?”.
O líder do PSD avança para um novo round de ataque a Pedro Nuno Santos, que tenta vender não só como alguém que é imaturo, mas também um governante irresponsável e instável. E para isso, começa por enumerar algumas das “cicatrizes” de Pedro Nuno Santos: fala aos que acreditam que o país tenha de pagar a dívida (numa alusão ao facto de o agora candidato ao PS ter dito em 2011 que os credores se pusessem “finos” senão Portugal não pagava a dívida e tremiam as “pernas aos banqueiros alemães); fala aos que estão fartos de dinheiro público na TAP (estar contra a TAP pública é bom eleitoralmente e isso será sempre um calcanhar de Aquiles para Pedro Nuno, que quer uma maioria de capital público); e fala sobre a trapalhada do caso da localização do novo aeroporto, que levou Pedro Nuno Santos a admitir o erro e a pedir desculpa a António Costa. Resumindo: Montenegro quer provar que é um estadista por oposição a um garoto imaturo (Pedro Nuno Santos).
Quero dizer aos portugueses, que se indignam por ver governantes mentir, por saber ao retardador da existência de indemnizações milionárias. E pior ainda: quem disse desconhecê-las, que as tenha avalizado por mensagem de telemóvel. Quero dizer a esses portugueses, que não se reveem num país gerido assim, que mesmo que acreditem ou tenham acreditado no PSD, que têm no PSD, moderado, aberto, humilde, firme, responsável, o porto de abrigo, o porto seguro do seu voto. “
Pedro Nuno Santos — que intensificou a agenda no fim de-semana para responder ao PSD — continua com as orelhas a arder. Luís Montenegro não deixou de lembrar que Pedro Nuno Santos mentiu e disse não saber da indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis na TAP, quando, na verdade, a validou por SMS. Mais uma vez, o objetivo é descredibilizar o candidato do PS. Diz ainda aos eleitores do Partido Socialista que, se não confiarem nesse instável Pedro Nuno, têm um porto de abrigo seguro. Para Montenegro, o PSD é o reduto do centro moderado em Portugal.
O PSD, que, tal como afirmei no último Congresso, não é extremista, não é radical, não é ultraliberal, este PSD, que vamos erguendo de terra em terra, de baixo para cima, que é interclassista, que é liberal na economia, mas que tem uma forte convicção de que são as políticas públicas que promovem a justiça social e a igualdade de oportunidades. Este PSD que, mais do que ser de esquerda ou da direita, é das pessoas e para as pessoas. Este PSD é uma casa segura dos não socialistas, mas também para os que, tendo acreditado no PS, não se reveem neste novo Gonçalvismo travestido de geringonça.”
Luís Montenegro não assume diretamente ser de direita, mas também não foge da expressão como Rui Rio fugia. O líder do PSD põe a tónica na moderação e não na ideologia. Ainda assim, prefere falar em casa segura dos “não socialistas” e não da direita. Deixa ainda bicadas ténues ao Chega (o PSD não é extremista), à esquerda (o PSD não é radical) e também à Iniciativa Liberal (“o PSD não é ultraliberal”). Ainda assim, há claramente uma intenção de não agredir os liberais — que podem ser parceiros de coligação pós-eleitoral.
Quando o mais fiel e fervoroso adepto da velha geringonça se apresenta agora com pele de cordeiro, a falar mansinho, com a doçura de plástico, semelhante àquele que outrora com os mesmos tiques ensaiados, mas que com o poder nas mãos se autointitulou de animal feroz. Quando esse mais fiel e fervoroso adepto da geringonça vem agora falar assim, é caso para dizer: “Deus nos livre de ter um radical à frente do Governo. Deus nos livre de ter a imaturidade à frente do Governo. Deus nos livre de ter uma nova geringonça para levar Portugal ainda mais para a cauda da Europa”.
O líder do PSD faz o mais forte ataque a Pedro Nuno Santos, que sugere ser uma espécie de lobo estalinista em pele de cordeiro. Mas avança mesmo numa comparação com alguém da direita do PS, José Sócrates. Luís Montenegro vê em Pedro Nuno Santos o mesmo processo de conversão que José Sócrates — depois de passar de maioria para um governo minoritário — fez de “português suave” para “animal feroz”.
Aconteça o que acontecer nas eleições internas do PS teremos um governante da velha geringonça e cúmplice da governação destes 8 anos à frente do PS. Esperemos para ver se é a cara da confusa extinção do SEF, se é a cara da inércia das políticas de habitação. Uma coisa é certa: ambos fizeram parte do núcleo político que trouxe o caos ao SNS, a instabilidade à escola pública. Ambos fizeram parte de um núcleo que foi impotente para travar a imigração dos nossos jovens qualificados e ambos fizeram parte do núcleo político que abandonou setores estratégicos como a agricultura. Ambos perfilharam a aliança com o Bloco de Esquerda, que é um partido que incita a ativismos desmedidos e quer Portugal fora da NATO e da UE.”
Luís Montenegro sabe que provavelmente terá como adversário Pedro Nuno Santos, mas, como nunca se sabe, deixa também farpas ao outro candidato do PS, José Luís Carneiro. Além de lembrar a “confusa extinção do SEF”, que é da responsabilidade direta do ministro da Administração Interna, diz que é indiferente quem lidere o PS: ambos fizeram parte da geringonça e vão acabar por se aliar ao Bloco de Esquerda e ao PCP.
Ambos abraçaram o PCP, que é um partido que podemos dizer que é o mais reacionário da Europa Ocidental, é o que lamentou mais a queda da União Soviética do que a invasão da Ucrânia. É o PCP que viu democracia na Coreia do Norte e que aplaude quem tem reduzido a Venezuela a escombros e a miséria. Ambos são do PS, que à maneira soviética ataca a propriedade privada, procurando dispor de casas devolutas e decidindo sobre o património privado, quando o Estado tem centenas ou milhares de edifícios que não utiliza.”
Ainda na tentativa de colar o PS ao PCP, Luís Montenegro utiliza a artilharia toda contra os comunistas: a posição mais próxima da Rússia na invasão da Ucrânia, o facto de Bernardino Soares ter dito, como líder parlamentar há uns anos, que tinha dúvidas de que a Coreia do Norte não fosse uma democracia. Além disso, lembrou ainda a experiência (que morreu antes de nascer) do arrendamento coercivo, que muito assustou proprietários com a hipótese de o Estado tomar conta de casas dos privados.
E dizem eles, todos eles, que sou eu que vou abrir a porta ao extremismo e ao radicalismo. Não, não sou eu que vou abrir essa porta. Foram eles que o fizeram. E fizeram ao longo dos últimos oito anos. Nós, no PSD, estamos muito esclarecidos, sabemos, e os portugueses cada vez mais sabem, que o romance entre o PS e Chega segue aquela máxima: quanto mais se batem, mais gostam um do outro.
Luís Montenegro volta a lembrar que já deu o “não” definitivo ao Chega e que não é da parte do PSD que há dúvidas. Volta ainda a equiparar o BE e o PCP ao Chega, dizendo que a porta “ao extremismo e radicalismo” já foi aberta pelo PS com a geringonça. Além disso, denuncia um “romance” entre o PS e o Chega, na lógica de que o Chega e os socialistas saem favorecidos da contenda pública que vão tendo.
O Governo do PS ruiu por dentro. Tenho falado sobretudo do futuro e dos projetos que temos para Portugal. Tenho evitado contribuir para alimentar intrigas políticas. Se alguém vê nisso algum receio ou inibição, desengane-se. E sou e serei sempre um homem livre e direi sempre o melhor para Portugal e os portugueses. Não andando a dizer todos os dias, mas quero dizer aqui ao Congresso: o Governo não caiu por causa de um parágrafo, nem um processo. O Governo caiu de podre. Caiu por indecente e má figura da governação. Sempre que o PS está no Governo, usa o seu partido como intermediário entre os cidadãos e o Estado. É sempre com o PS que o Estado se intromete nos negócios. PS pensou que podia fazer tudo, mas não é assim, não vai ser assim. Portugal não é, não foi, nem vai ser uma República das Bananas.
O líder do PSD tem evitado falar do processo judicial que afeta o PS, mas desta vez não resistiu a contrariar a teoria de que o Governo caiu por causa de um parágrafo e da intervenção do Ministério Público. Vai até mais longe ao sugerir que este tipo de situações — de promiscuidade entre negócios e o Estado — acontece “sempre que o PS está no Governo”. Para Montenegro, o PS caiu pelas “14 demissões”, pelos casos e casinhos e porque já não tinha credibilidade para lidar com os interlocutores nas várias áreas setoriais.
A minha convicção é que o povo português é muito sábio e está atento. E não vai beneficiar o infrator. Mas, no lançamento deste nosso congresso, deixem-me dizer-vos que isso não é suficiente para governar o país e ganhar as eleições. Já vos disse no passado e quero repetir, não são as pessoas que estão erradas quando não votam em nós. Nós é que temos de assumir que estamos errados por não lhes dar os argumentos por não confiarem em nós.
O tempo é de unidade interna, mas ainda houve espaço para uma farpa ao rioismo. Quando Rui Rio perdeu as eleições, a sua vice-presidente Isabel Meirelles disse que “o que falhou foi o povo português”. Ora, Montenegro não deixou de dizer que não há desculpas e que, se o PSD perder, a culpa é mesmo do partido, não dos portugueses. Pelo meio, lembrou aos rioistas que também eles falharam duas vezes (e não o povo): em 2019 e 2022.
Já disse e aqui reitero: só serei primeiro-ministro se vencer as eleições no dia 10 de março. Quero sentir que essa é a vontade maioritária do povo português.”
Luís Montenegro mantém a coerência desde 2015: se ficar em segundo lugar, mesmo com uma maioria de deputados de direita, não irá governar. Isso mostra um desprendimento e uma espécie de autoridade moral sobre Pedro Nuno Santos, que não deu a mesma garantia caso fique em segundo e haja um bloco à esquerda. O líder do PSD tem, no entanto, cada vez menos margem para ser primeiro-ministro caso o PSD não fique em primeiro lugar nas eleições. É uma afirmação, agora timbrada em Congresso, que torna impossível um volte-face.