Numa fase decisiva da sua longa história, e confrontada com um extenso rol de desafios delicados, a Montepio Geral Associação Mutualista está ao longo desta semana – até esta sexta-feira, 17 de dezembro – a votar para decidir se dá novo mandato ao conselho de administração liderado por Virgílio Lima ou se escolhe um dos três candidatos alternativos: Pedro Corte Real, Eugénio Rosa ou Pedro Gouveia Alves.

Estes são os líderes das quatro listas ao conselho de administração para o período entre 2022 e 2025. O vencedor será o responsável máximo pela proteção das poupanças de mais de 600 mil portugueses – poupanças essas que, recorde-se, não têm a garantia de depósitos bancários mas que o primeiro-ministro assumiu que não estariam em risco. “Faremos tudo para proteger as 600 mil famílias que confiaram numa instituição e que têm aí as suas poupanças“, afirmou António Costa no parlamento, em março de 2018.

Além de escolher o conselho de administração, nesta eleição também será definida a composição da nova assembleia de representantes – um órgão que será integrado por 30 pessoas, eleitas pelo método de Hondt (como os deputados da Assembleia da República), que vão representar as diferentes sensibilidades que estão presentes na instituição. Será um organismo importante porque irá caber-lhe votar as contas a cada ano e, entre outras matérias, aprovar a política de remunerações da mutualista.

Montepio. Os 7 desafios que inquietam a maior mutualista do país, em eleições até sexta-feira

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Saiba quem integra as quatro listas – da Lista A até à Lista D – e as ideias de cada uma para o futuro da maior mutualista do país.

Lista A. Virgílio Lima, “Mutualismo em Ação”

Virgílio Lima recandidata-se após dois anos como presidente do conselho de administração, cargo que “herdou” de Tomás Correia quando este se afastou na iminência de ver o supervisor ASF recusar-lhe a idoneidade, em 2019. Com uma carreira ligada ao Montepio, em parte na seguradora Lusitania, Lima lidera a “lista institucional”, assim chamada porque emerge do atual conselho de administração. Mas não é exatamente o mesmo conselho – além do líder mantém-se apenas a ex-deputada socialista Idália Serrão.

Carlos Beato, “capitão de Abril” e ex-presidente da câmara de Grândola, colaborou na preparação da lista mas afastou-se e Luís Almeida, o outro atual administrador, não foi convidado. Era este o administrador que Tomás Correia queria que lhe sucedesse. Para compor a administração, Virgílio Lima escolheu nomes onde se incluem João Carvalho das Neves, professor catedrático no ISEG.

Montepio. O que o banco recuperar em imparidades vai para os associados da mutualista, diz Virgílio Lima

Em entrevista ao Observador, Virgílio Lima indicou que se candidata porque “há necessidade de prosseguir e consolidar o diálogo construtivo com os supervisores”, designadamente sobre o importantíssimo plano de convergência com as regras das seguradoras, que ainda não foi aprovado pela ASF – levando a que essa “batata quente” tenha voltado para a tutela do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

Também nessa entrevista, onde disse que apenas “coincidiu no tempo” com Tomás Correia, Lima admitiu pela primeira vez que no horizonte do Banco Montepio poderá estar a abertura do capital a um “parceiro de desenvolvimento” (que poderá ser estrangeiro). Essa venda de parte do banco só poderá acontecer, porém, depois de se conseguir fazer uma recuperação de imparidades que, a acontecer, será um benefício para os associados, garantiu.

Na base da estratégia está continuar com a reestruturação do banco, acreditando que em 2022 poderá voltar finalmente aos lucros. Nesse processo, está há mais de um ano a ser preparada uma operação que retire do balanço do banco cerca de mil milhões de euros em créditos improdutivos. A ideia é que esses ativos saiam do banco mas se mantenham num “veículo” na esfera da mutualista, evitando um “rombo” nos capitais do banco (que aconteceria se fossem vendidos a um investidor externo) e mantendo “dentro de casa” qualquer recuperação que venha a ser feita. O plano, porém, tarda em sair do papel e Virgílio Lima já não se compromete com “fumo branco” ainda este ano.

Se vencer as eleições, a Lista A diz que irá dar prioridade, na oferta mutualista, à área da habitação. “Há necessidades não satisfeitas dos nossos associados”, disse Virgílio Lima, notando que entre as ideias está um plano para “ajudar o associado a encontrar uma habitação em condições ajustadas ao seu rendimento e que permita, ao longo do tempo, ir criando um fundo que o ajude, no final, a ficar com a própria habitação”. A Lista A, cujo programa pode ser consultado aqui, também tem propostas na área da saúde e do apoio à velhice.

Cabeça de lista à Assembleia de Representantes: Vítor Melícias, padre franciscano, presidente da mesa da assembleia-geral da mutualista.

Lista B. Pedro Corte Real, “Reconstruir o Montepio”

Pedro Corte Real é o rosto de uma candidatura onde estão várias figuras que nos últimos anos – antes e depois de Tomás Correia – têm alertado para a deterioração da solidez da mutualista Montepio. É doutorado em estatística e professor auxiliar na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT-UNL). No passado foi diretor do departamento de metodologia estatística do INE e, também, presidente do Instituto de Informática da Segurança Social.

O conselho de administração proposto pela Lista B inclui, também, Miguel Teixeira Coelho, que foi administrador financeiro da mutualista com Tomás Correia até se incompatibilizar com o ex-líder – ao mesmo tempo que outro administrador, Fernando Ribeiro Mendes, que, depois de liderar a mesma lista B em 2018, acabou por não aparecer desta vez (embora continue a ser uma figura agregadora entre as pessoas desta lista). Na composição desta lista está, ainda, Maria de Nazaré Barroso, que foi vogal do conselho de administração da ASF.

Montepio. “Listas A e D são continuidade de Tomás Correia”, afirma Pedro Corte Real, candidato pela lista B às eleições na mutualista

Entrevistado pelo Observador, Pedro Corte Real indicou que a primeira prioridade do seu conselho de administração, caso seja eleito, será “ganhar consciência integral do estado da instituição e falar com os auditores independentes [a PwC] que têm deixado vários alertas nas contas”. Considerando “dramática” a situação financeira da mutualista, desde logo por ter um balanço suportado num “ativo virtual” como os ativos por impostos diferidos, ou DTA, Pedro Corte Real sublinha que o poder político, por ter tido uma responsabilidade (transversal aos partidos), não se pode alhear de uma solução para estabilizar a instituição.

“Dificilmente eu vejo que a instituição possa ser recuperada sem um apoio do Estado”, afirmou Pedro Corte Real, avisando que “todos os ativos que estão na associação mutualista, e que são dos associados, estão numa situação em que, se nada for feito, podem vir a estar em perigo“.  No programa da candidatura avisa-se que “não são muitas as soluções possíveis” e as que existem “exigem coragem e determinação” – um eventual envolvimento público “tem de ser previamente discutido com as autoridades, respeitando os modelos instituídos e os objetivos e constrangimentos de todos”, afirma a Lista B, notando que “nenhuma [das possíveis soluções] ultrapassa os níveis de envolvimento público que foram praticados com grande parte das instituições financeiras em Portugal”.

Outra das prioridades desta equipa, de acordo com o programa, é “substituir o atual estilo de gestão, manifestamente desatualizado e ineficaz, por um sistema construído de acordo com as melhores práticas disponíveis no domínio da gestão de empresas”. A lista quer, também, criar um conjunto inovador de produtos mutualistas adaptados aos novos tempos e às diferentes etapas da vida dos associados, desde a juventude até à velhice – “em geral, aceitar o desafio expresso por ‘tem problemas? fale connosco; se não tivermos o serviço, ajudamos a encontrar um’”, resume a candidatura.

Cabeça de lista à Assembleia de Representantes: João da Costa Pinto, ex-vice-governador do Banco de Portugal (e presidente do conselho de auditoria). Foi, também, presidente da Caixa de Crédito Agrícola.

Lista C. Eugénio Rosa, “Mutualismo, Agora Sim”

Eugénio Rosa é economista e membro do conselho diretivo da ADSE, eleito pelos representantes dos beneficiários. Foi, desde há muito, um dos críticos mais ferozes da administração de Tomás Correia e, nestas eleições, lidera uma lista que recusa o rótulo de ter uma ligação muito estreita ao Partido Comunista Português (PCP).

Eu não olho para ideologia ou para cartões de partidos“, garantiu Eugénio Rosa, em entrevista ao Observador. “Eu estou na ADSE, como membro do conselho diretivo, e sempre disse que quando chego à porta deixo cá fora o meu partido e passo a ser gestor público”, asseverou o economista, acrescentando que está “muito empenhado nesta candidatura” por ter “um conhecimento muito concreto da situação extremamente difícil do Montepio”.

Apesar de recusar esse rótulo, Eugénio Rosa conta nas suas fileiras com figuras ligadas ao PCP, ao Bloco de Esquerda e ao sindicalismo. O candidato à mesa da assembleia-geral é Carvalho da Silva, ex-líder da CGTP, e o cabeça de lista para a assembleia de representantes é a ex-deputada bloquista Ana Drago. Também está na lista Carlos Areal, reformado do Banco Montepio e antigo coordenador da comissão de trabalhadores da caixa económica.

“Montepio precisa de ajuda do Estado mas não será como os outros bancos”, diz Eugénio Rosa

Tal como a Lista B, também a Lista C acredita ser inevitável algum tipo de envolvimento público na estabilização da mutualista. “O Montepio precisa de ajuda do Estado mas não será como os outros bancos“, disse Eugénio Rosa ao Observador. Esse envolvimento do Estado tem de acontecer porque “o Governo tem muita responsabilidade no que aconteceu“, designadamente permitindo que a mutualista concentrasse uma grande parte do seu ativo no banco.

A primeira prioridade da candidatura é “recentrar a Associação Mutualista na produção de respostas habitacionais de caráter não especulativo“, indicou a Lista C. “Pretendemos apresentar a MGAM como um parceiro estrutural para a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e no apoio a outras formas de produzir habitação”, lê-se no programa.

Além da habitação, a lista critica a abordagem feita pela mutualista Montepio na área dos lares de terceira idade, defendendo que foi criada uma oferta de lares desajustada às posses da maior parte dos associados. “Atualmente, a MGAM apenas detém equipamentos exclusivos e de luxo nesta área, sendo que, por isso, apenas algumas pessoas com elevados rendimentos podem usufruir desses serviços”, diz a candidatura, acrescentando que, “apesar de as residências Montepio terem sido construídas com o dinheiro dos associados, a esmagadora maioria não tem capacidade financeira para ter usufruto destas estruturas”. Isso tem de mudar, sublinha a candidatura.

Cabeça de lista à Assembleia de Representantes: Ana Drago, socióloga e ex-deputada pelo Bloco de Esquerda.

Lista D. Pedro Gouveia Alves, “Valorizar o Montepio”

Pedro Gouveia Alves é administrador não-executivo do Banco Montepio e presidente da participada Montepio Crédito. No final de 2019, chegou a ser nomeado por Tomás Correia para a presidência-executiva do banco, mas acabaria por desistir porque o Banco de Portugal estava, na altura, a investigar o papel do gestor numa estratégia que, em 2009, mascarou rácios de crédito vencido e escondeu, de forma considerada ilícita numa auditoria da Deloitte, as dificuldades que o banco atravessou no início da crise.

O gestor passou para a liderança da Lista D em substituição de João do Passo Vicente Ribeiro, que era o primeiro candidato a presidente do conselho de administração mas que se afastou depois de o supervisor ASF ter demonstrado resistência a dar o registo prévio ao seu nome. Assim, este quadro do banco passou para “número 1” de uma administração onde também está, entre outros, Pedro Líbano Monteiro, presidente da Montepio Valor.

O líder desta lista – que, como noticiou o Observador, tem vindo a ser ativamente apoiada por Tomás Correia – não aceitou ser entrevistado. Mas em entrevistas que concedeu a outros jornais, como o Público, Pedro Gouveia Alves afirmou que a mutualista se “bancarizou” em demasia e que deve haver um “foco na essência da atividade mutualista de proteção e previdência, por um lado, e rigor na gestão das participações financeiras por outro”.

Por outro lado, também ao Público, o gestor afirmou que é preciso “assumir uma atitude positiva, de construção do futuro” da MGAM. “Não vamos andar permanentemente a procurar esqueletos nos armários“, afirmou, sublinhando que “é possível valorizar” as atividades geridas pela Mutualista. Para isso, porém, “precisamos de estabilidade, rigor na gestão e tempo para o fazer”.

Na opinião de Pedro Gouveia Alves, líder da lista cujo programa pode ser lido aqui, “o grupo não precisa de resgates“. Porém, “no limite, poderá haver lugar a uma negociação de uma garantia pública para uma tranche de crédito malparado que tenha mais dificuldade na sua colocação no mercado”, indicou. Noutra entrevista ao jornal Eco, o gestor admitiu que, aí, poderia envolver-se o Banco de Fomento.

Para já, porém, o gestor afirma que um dos maiores desafios do grupo é o “grau de desmotivação profundo” que diz existir entre os colaboradores. Nessa mesma entrevista, ao Eco, Pedro Gouveia Alves também comentou que a “situação financeira do grupo [a Mutualista] é muito desafiante” e considerou ser “um fator de preocupação” a dependência que o balanço tem em relação aos chamados ativos por impostos diferidos (DTA).

Estes DTA são um “artifício” que apenas serve para “insuflar” os capitais próprios da mutualista, afirmou o gestor que, como o Observador noticiou, foi até figura-chave no desenho desse “bónus fiscal” aprovado pela tutela no tempo de José António Vieira da Silva. Foi Pedro Gouveia Alves que apresentou os detalhes desse plano ao conselho de administração da mutualista, em 2017 (enquanto líder do Centro Corporativo da mutualista, onde reportava diretamente a Tomás Correia) e, numa assembleia-geral em março de 2019, defendeu esse expediente por ser algo que “contribuía para a subsistência da instituição”.

Montepio. O “bónus fiscal” que o candidato Pedro Alves ajudou a desenhar mas agora diz ser “um artifício”

Cabeça de lista à Assembleia de Representantes: Conceição Zagalo, professora universitária nas áreas da Comunicação e empreendedorismo. Foi, também, vereadora da Câmara Municipal de Lisboa e gestora na IBM Portugal.