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Quando a população passou vários meses fechada em casa devido à Covid-19, a procura por equipamentos eletrónicos aumentou e o mercado precisou de se adaptar à escassez de semicondutores (“chips”) que aí se começou a sentir. Com a diminuição das restrições ligadas à pandemia, e, apesar da guerra na Ucrânia, a falta de semicondutores aparentava estar a abrandar: os preços elevados de certos “chips” começaram a baixar devido à incerteza económica, à menor procura e inflação elevada, ou até à queda dos preços das criptomoedas (que levaram menos pessoas a tentar minerar moedas virtuais).
Em julho, analistas da Deloitte — consultora que tinha estimado em 2021 que a escassez iria durar até 2023 — acreditavam que o fim para esta crise estava à vista. Chris Richard e Brandon Kulik disseram que se tivessem de escrever uma manchete sobre o tema seria: “O fim não está aqui, mas está mais próximo”.
O antecipar do fim da falta de “chips” foi justificado com uma mudança da procura devido à possível desaceleração da economia mundial, que poderá levar a população a ser mais cautelosa ao investir em equipamentos tecnológicos. Porém, o que os analistas não previram foi que uma crise relacionada com Taiwan pudesse comprometer a recuperação da escassez, que a indústria de semicondutores continua a enfrentar.
Quantos chips foram vendidos até novembro de 2021?
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O total anual acumulado de semicondutores vendidos até novembro de 2021 atingiu os 1,05 biliões, o que é o total anual mais alto de sempre desta indústria. A informação foi avançada em janeiro deste ano pela Semiconductor Industry Association (SIA), que revelou ainda que as vendas globais da indústria de semicondutores foram de 49,7 mil milhões de dólares no mês de novembro de 2021, um aumento de 23,5% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O “escudo de silício” que ajuda Taiwan a sobreviver à crise
A 2 de agosto, o avião que transportava Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, aterrou em Taiwan, apesar das ameaças da China. No dia seguinte, Pequim condenou a visita e afirmou que iria realizar exercícios navais militares em redor da ilha, que reivindica como parte integrante do país.
Para além disso, a China suspendeu a importação de Taiwan de frutas, como laranjas e limões, e de peixe, como carapau, justificando a decisão com o “controlo de pragas e “resíduos excessivos de pesticidas”, segundo a CNN. As autoridades chinesas também suspenderam as exportações de areia natural para a ilha, algo que Taiwan explicou que teria um efeito “limitado” — uma vez que essas exportações representam “menos de um por cento” da procura total desse material, que é utilizado na produção de “chips”.
Apesar de as retaliações chinesas à visita de Pelosi terem incluído a areia natural, aquela que é considerada a exportação mais valiosa de Taiwan ficou de fora da resposta da China: os semicondutores. Isto aconteceu porque a China depende de Taiwan nestes componentes. A ilha detém o domínio da indústria de “chips”, que nos últimos anos passaram a representar quase 40% das suas exportações e cerca de 15% do seu Produto Interno Bruto (PIB).
James Lee, investigador assistente na Academia Sinica em Taiwan, disse à Aljazeera que “a indústria dos semicondutores também é fundamental para a segurança de Taiwan porque eleva a importância estratégica” da ilha “para outros países, especialmente os Estados Unidos e a Europa Ocidental”. Já a China depende de Taiwan, porque, embora as empresas chinesas consigam desenhar semicondutores, a sua capacidade de produção é limitada, “especialmente as de vanguarda”, acrescentou.
O Presidente chinês, Xi Jinping, descreveu a dependência de tecnologia estrangeira como sendo o “maior perigo oculto” que Pequim enfrenta e quer aumentar a autossuficiência do país — tendo já prometido investir 1,4 biliões de dólares entre 2020 e 2025 em indústrias de alta tecnologia (o que inclui os semicondutores). Assim, James Lee considerou “improvável” que a China imponha “sanções à indústria dos semicondutores” enquanto ainda depende de empresas taiwanesas, especialmente da TSMC, para o fabrico desses componentes.
A tensão entre a China e os EUA agravou-se com a visita de Nancy Pelosi a Taiwan, território que consegue sobreviver à crise devido ao chamado “escudo de silício”, elemento utilizado no fabrico dos “chips”. A posição da ilha como líder mundial no fabrico de semicondutores tecnologicamente avançados pode assim funcionar até como travão a uma eventual ação militar da China, segundo Craig Addison, jornalista autor do livro “Silicon Shield: Taiwan’s Protection Against Chinese Attack” (Escudo de Silício: A proteção de Taiwan contra Ataque Chinês”), à BBC Mundo.
A China depende dos semicondutores de Taiwan, que é líder de uma indústria da qual depende o fabrico de aviões de combate, painéis solares ou até videojogos, pelo que qualquer eventual ação militar no estreito de Taiwan poderia ser prejudicial para a China. Segundo Craig Addison, se Taiwan não fosse um fornecedor com tanta presença no mercado tecnológico, Pequim já poderia ter tomado medidas para ocupar o território, embora alguns especialistas considerem que a China não tem capacidade militar para lançar um ataque em larga escala.
O aumento da tensão entre EUA e China, bem como a alta inflação e o registo de uma queda cíclica na procura por semicondutores provocaram “algum pânico” na indústria dos semicondutores e levaram a uma “reação de congelamento extremamente rápida em algumas partes da cadeia de fornecimento” com clientes a cancelarem pedidos. O alerta foi feito por Zhao Haijun, co-CEO da fabricante chinesa Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC).
De acordo com o Financial Times, em dezembro de 2020, o Departamento do Comércio dos EUA adicionou a SMIC à sua “lista de entidades” — uma espécie de “lista negra” de empresas com as quais os norte-americanos não podem negociar sem obter uma licença especial emitida pelo governo. A existência de um conflito entre EUA e China aumentaria a probabilidade de Washington endurecer ainda mais as sanções a tecnológicas chinesas.
O que fizeram as empresas para contornar a falta de “chips”?
A crise vivida desde 2020 mostrou que os semicondutores são essenciais para as mais diversas indústrias, como a tecnológica e a automóvel, e que as cadeias de abastecimento são frágeis. Os fabricantes de “chips” tiveram de se adaptar e até mesmo improvisar para conseguirem contornar a escassez.
A empresa de consultoria empresarial McKinsey afirmava, em março deste ano, que o “mercado está desesperado” e, por isso, criou uma equipa dedicada à cadeia de fornecimento de “chips” para as empresas que tem como clientes. Bill Wiseman, sócio sénior da consultora, explicou à Wired que essa equipa conseguiu encontrar semicondutores ligeiramente diferentes dos solicitados, mas que ainda assim serviam o mesmo propósito. Para sobreviver à crise, as empresas portuguesas ouvidas pelo Observador também recorreram a outros fornecedores e a “chips” alternativos aos originais, que não conseguiam encontrar.
Jorge Sá Couto revelou que o “tempo de entrega dos ‘chips’ foi-se atrasando” ao longo dos meses, principalmente em 2020. O presidente da JP Sá Couto, produtora dos computadores Magalhães, explicou que a empresa precisou de procurar soluções alternativas: “Não há este ‘chip’ para isto? Então, quais são os fabricantes que podem substituir? [A substituição] implica um redesenho do computador internamente, que pode demorar dois ou três meses. Por isso, tivemos ali dois ou três meses em que a escassez teve um impacto maior, mas depois ficou resolvido”.
Mesmo assim, os componentes começaram a demorar “muito tempo” a serem entregues e os preços aumentaram semanalmente. “O mais crítico foi com os ecrãs dos computadores, que precisavam de uns ‘chips’ afetados pela escassez. Obviamente havia alguns em stock, mas o preço deles quadruplicou. Os preços subiram muito, mas neste momento já voltaram ao que eram antes da pandemia“, acrescentou, explicando que a rentabilidade da empresa “obviamente baixou durante cerca de seis meses”.
Na procura por soluções alternativas, incluindo “chips” diferentes dos que inicialmente eram escolhidos (mas que desempenhavam a mesma função), também a Inforlândia participou. A empresa fabricante de computadores procurou “stocks alternativos” para substituir os semicondutores em falta. “Tivemos que procurar ‘chips’ diferentes, de outras marcas, mas que fossem compatíveis [com os originalmente pretendidos]”, afirmou ao Observador CEO Gabriel Santos, admitindo que algumas das soluções não eram viáveis porque, às vezes, “o desenho de um circuito integrado é feito especificamente com um determinado ‘chip’ que não é possível substituir”.
Para além da necessidade de encontrar fornecedores alternativos, a demora na entrega dos componentes também afetou esta empresa. Recentemente, a Inforlândia precisou de um semicondutor específico para ler cartões wireless e descobriu que as encomendas precisavam de ser feitas com um ano de antecedência. Nesse momento, como em tantos outros ao longo dos últimos dois anos, a empresa portuguesa teve que optar por utilizar “outros ‘chips’ com tempos de entrega mais curtos”,
Questionado pelo Observador sobre a necessidade de aumentar os preços dos produtos que fabrica, Gabriel Santos, declarando que “não há milagres”, admitiu que a Inforlândia teve que “ajustar os preços em função dos custos” dos componentes, alguns dos quais “aumentaram muito na fase da pandemia por não haver capacidade [de resposta à procura]”. Mas, entretanto, “já ajustaram para valores quase de pré-pandemia”.
Tanto Jorge Sá Couto como Gabriel Santos se mostraram resignados com o aumento dos preços, mas quando confrontados com uma recuperação da escassez mais tardia apresentaram opiniões distintas. Para o CEO da Inforlândia a crise está “mais regularizada”, mas ainda com “problemas ligados aos transportes”. “Uma parte deste impacto tem a ver com os países [China] que adotaram a política Covid zero, que mantém a política de encerrar e isolar cidades, o que impacta o fornecimento”, defendeu.
Mantêm-se as limitações. Chegamos a ter alguns semicondutores cujos prazos de entrega excedem um ano e isso mantém-se. Os tempos de entrega são, de facto, inaceitavelmente elevados”, explicou Gabriel Santos.
Por sua vez, o presidente da JP Sá Couto disse que a empresa não tem falta de semicondutores e que no mercado europeu de computadores existe até já “algum excesso” desses componentes. “A venda ao público de computadores baixou porque as pessoas estão com algum receio, quer da guerra, quer da inflação, por isso estão a ser mais cautelosas a utilizar o seu dinheiro e não investem tanto em computadores”, justificou.
Podemos dizer que já não temos falta de nenhum ‘chip’ em específico. Outras indústrias, que são mais lentas, podem ainda ter alguma falta. A indústria automóvel até teve que retirar algumas coisas dos carros para continuar a vender, mas em princípio irá normalizar. Esperamos que este ano [a escassez] já esteja normalizada”, vincou Jorge Sá Couto.
O cenário de aumento dos preços e a crise dos semicondutores não atingiu só o mercado informático nacional. O forte aumento nos custos logísticos e das matérias-primas, a juntar à existente escassez de “chips”, fez com que a Toshiba registasse o primeiro prejuízo trimestral em dois anos. A oscilação dos preços do aço, do cobre e dos componentes adquiridos a fornecedores também contribuíram para este cenário.
“Conseguimos compensar apenas cerca de metade do impacto dos custos mais altos de materiais e logística com aumentos de preços”, disse Masayoshi Hirata, chief financial officer (CFO) da empresa, de acordo com a Reuters. O prejuízo operacional registado de abril a junho ascendeu a 4,8 mil milhões de ienes (cerca de 35,6 milhões de dólares) nos três meses em análise, contrastando com o lucro operacional de 14,5 mil milhões de ienes há um ano.
Escassez de semicondutores afeta “significativamente” a indústria automóvel
A escassez mundial de semicondutores de computadores obrigou os fabricantes de automóveis a abandonarem os planos que tinham para a produção de milhões de carros. Quando as linhas de produção foram encerradas, a indústria automóvel viu o mundo a falar sobre os pequenos “chips” que permitem o desempenho de tantas das funções dos carros: desde a iluminação interna até ao controlo dos bancos, segundo o Fórum Económico Mundial.
“Um dos mercados mais impactados pela escassez foi o mercado automóvel. Existem veículos que estão terminados e completamente prontos a entregar ao cliente e faltam componentes que custam, alguns deles, cêntimos”, disse ao Observador Carlos Paulino, managing director da Equinix em Portugal, empresa de soluções digitais que tem clientes nesta indústria. Ainda assim, alguns automóveis chegaram a ser entregues aos novos proprietários sem determinadas funcionalidades, porque não existiam semicondutores suficientes.
Os fabricantes de automóveis utilizaram semicondutores retirados de máquinas de lavar, reescreveram o código de alguns para utilizar menos silício e até enviaram alguns dos seus produtos sem determinados “chips” prometendo que os adicionariam mais tarde, avançou a Wired. Em 2021, para que não tivessem de encerrar as linhas de produção, várias empresas, como a Tesla ou a Ford, optaram por retirar alguns recursos dos veículos.
Em setembro de 2021, a Cadillac confirmou que a escassez de “chips” iria levar à remoção da funcionalidade Super Cruise, sistema de condução mãos-livres, do SUV Escalade 2022 e também ao adiar da junção desse recurso aos carros CT4 e CT5. “Embora esteja temporariamente indisponível no começo da produção regular devido à escassez de semicondutores em toda a indústria, estamos confiantes na capacidade da nossa equipa para encontrar soluções criativas para mitigar a situação da cadeia de abastecimento e retomar a oferta do recurso [Super Cruise] para os nossos clientes o mais rápido possível”, disse um porta-voz da marca de automóveis em comunicado.
A Tesla, por sua vez, optou por começar a vender carros — Model 3 e Model Y — sem entradas USB-C. A falta dessas portas era, segundo os clientes, visível na parte traseira da consola central, mas alguns também se queixaram da falta na parte frontal. Apanhados de surpresa, alguns dos novos proprietários não ficaram satisfeitos quando perceberem que não conseguiam carregar o telemóvel no automóvel que tinham comprado. Ainda assim, a fabricante comprometeu-se a instalar as entradas USB-C em falta.
Seems some new Model 3s are being delivered without from USB C and wireless charging due to chip shortage. Tesla will install them when they are back in supply.https://t.co/hLTGvZCxp8 pic.twitter.com/OH88RLWtIB
— Dirty Tesla (@DirtyTesLa) November 13, 2021
A BMW também anunciou que precisou de tomar uma decisão, entre interromper a produção de alguns carros face à escassez e continuar a sua montagem removendo algumas funcionalidades. O “plano B” foi o escolhido e a decisão de vender automóveis sem o ecrã táctil afetou modelos da Série 3, Série 4 Coupé, Convertible, Gran Coupé (mas não o i4), X5, X6 e X7. Quem comprou estes automóveis sem o ecrã tátil recebeu um crédito de 500 dólares. Entretanto, surgiram rumores, citados pela imprensa internacional, de que esses proprietários poderão não conseguir adicionar a funcionalidade no futuro.
Mais recentemente, foi a vez da Ford anunciar que iria vender os SUV Explorer sem componentes que integram o sistema de ar condicionado traseiro e de controlo de temperatura. Desta forma, apenas o motorista e a pessoa que vai ao seu lado conseguem ajustar a temperatura para os passageiros dos bancos de trás, que deixaram de ter essa autonomia. “Estamos a fazer isto como uma forma de entregar os veículos aos nossos clientes mais cedo”, disse Said Deep à CNN. O porta-voz da da empresa lembrou que já tinha sido tomada uma decisão semelhante para responder à elevada procura da pickup F-150 — que teve uma versão a ser vendida sem o sistema automático start and stop, com os clientes que aceitaram a opção a serem compensados com um crédito no valor de 50 dólares.
Ao longo dos últimos dois anos foram várias as empresas da indústria automóvel que tiverem de encontrar soluções para contornar a escassez de semicondutores, cujo impacto é visível nos dados do setor. Em Portugal, entre janeiro e julho deste ano, o mercado automóvel caiu 5,9% face ao mesmo período de 2021. Nos primeiros sete meses de 2022 foram colocados em circulação 106.879 novos veículos, o que representa uma queda de 38% em relação ao mesmo período de 2019, último ano antes da pandemia.
Apesar das reduções verificadas, a indústria portuguesa “de componentes automóveis está a acompanhar a evolução do mercado” ao investir “continuamente na modernização das fábricas e na inovação dos processos de fabrico. Entre 2015 e 2020 foram investidos 4,3 mil milhões de euros, o que representa 17% do investimento de toda a indústria transformadora”, explicou Adão Ferreira através de uma resposta escrita enviada ao Observador.
Refira-se que 98% dos carros produzidos na Europa têm pelo menos um componente fabricado em Portugal”, detalhou o secretário-geral da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA).
A escassez de semicondutores “está a afetar significativamente toda a indústria automóvel. As interrupções na cadeia de abastecimento atrasaram globalmente a produção de veículos automóveis e afetam toda a indústria, direta e indiretamente”, referiu Adão Ferreira. Para o futuro, a AFIA acredita que “a tendência é incontornável” e que “procura automóvel de semicondutores continuará a crescer em grande escala devido à quota crescente de tecnologias de condução autónoma e assistida para manter os condutores confortáveis e seguros, bem como a eletrificação dos veículos com a gestão sofisticada exigida do desempenho da bateria e outros componentes eletrónicos”.
Mais cauteloso face aos tempos vindouros foi Hélder Pedro ao considerar que a escassez de semicondutores “estava em vias de regularização, mas não regularizada”, com a crise em Taiwan a fazer o “problema crescer”. O secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP) crê que as manobras militares da China no estreito de Taiwan podem “dificultar o tráfego de navios que transportam os ‘chips'”, lembrando que esse território é “o maior produtor mundial de semicondutores”.
Não é possível fazer uma estimativa [acerca do fim da escassez]. Já não era antes desta crise em Taiwan, mas agora pode haver aqui um novo problema” que pode afetar a indústria dos semicondutores, disse Hélder Pedro em chamada telefónica com o Observador.
A grande dependência que o mundo tem de certas fabricantes
Os Estados Unidos da América lideram o design de semicondutores com empresas consideradas gigantes locais como a Intel, Nvidia e Qualcomm. Contudo, representam apenas 12% da produção mundial de “chips” contra os 37% que tinham em 1990, de acordo com o Boston Consulting Group, citado pelo The Wall Street Journal.
A Apple desenha semicondutores, mas não os produz. Assim, a gigante tecnológica compra os “chips” de que necessita à TSMC, empresa de Taiwan que detém o domínio do fabrico de semicondutores. Por outro lado, tanto a Samsung como a Intel desenham e produzem os seus próprios “chips”. As características distintas de cada uma das empresas envolvidas na indústria dos semicondutores dificultam a descoberta de um ranking das maiores produtoras. Existem dados que colocam as empresas com ordem distintas, sendo que vários desses documentos excluem a Intel ou a TSMC, que, de acordo com o The Wall Street Journal, fabrica quase todos os semicondutores mais sofisticados do mundo e que tem clientes como a Apple ou a Qualcomm.
O ranking das 20 maiores empresas de semicondutores, por receita em 2020, realizado pela Global Data é o que sustenta de melhor forma as pesquisas e as informações recolhidas pelo Observador porque inclui todos os grandes produtores de “chips”. Assim, das duas dezenas de empresas presentes na tabela foram selecionadas apenas as 10 primeiras fabricantes que aparecem para que seja possível perceber de que forma é que o mundo está dependente delas.
Como é possível verificar, mesmo as empresas que não são asiáticas têm várias fábricas nesse continente. A Semiconductor Industry Association (SIA) revelou que 75% do fabrico mundial de semicondutores está concentrado no leste asiático. A mesma associação prevê que até 2030 a China tenha a maior participação mundial na produção de “chips”, devido a subsídios governamentais estimados em cerca de 100 mil milhões de dólares.
Enquanto não alcança a liderança, a China fica em terceiro lugar do top 6 realizado pela SIA para avaliar a capacidade global de produção por localização, revelou a organização ao Observador. Taiwan era líder em 2020, mas a estimativa feita para a década seguinte mostra que o trono passará a ser ocupado por outro país.
Comissão Europeia propõe lei europeia de semicondutores
A escassez global de semicondutores levou ao “encerramento de fábricas numa ampla gama de setores, de carros a dispositivos de saúde”, mas também “ilustrou a importância dos semicondutores para toda a indústria e sociedade europeia”. Foi por esta razão que a Comissão Europeia propôs, em fevereiro deste ano, “um conjunto abrangente de medidas para garantir a resiliência e liderança tecnológica” da União Europeia.
A proposta de uma nova lei europeia de semicondutores, conhecida como “The European Chips Act”, mobilizará mais de 43 mil milhões de euros de investimentos públicos e privados e definirá medidas para prevenir e responder a possíveis futuras ruturas na produção, anunciou Bruxelas em comunicado. Com este valor, a União Europeia quer igualar os valores gastos pela China (150 mil milhões de euros ao longo de 10 anos) e pelos EUA (52 mil milhões de dólares ao longo de cinco anos), avançou o Bruegel.
A ambição da Comissão Europeia é conseguir “duplicar a sua atual quota de mercado [de semicondutores] para 20% em 2023”. Assim, a legislação proposta em fevereiro prevê a aplicação das seguintes medidas:
Uma iniciativa que junta “recursos da União, dos Estados-membros e de países terceiros associados aos programas existentes da União, bem como do setor privado” num total de 11 mil milhões de euros. O valor será para “reforçar a investigação, desenvolvimento e inovação existentes”, para “assegurar a implementação de ferramentas avançadas”, “linhas-piloto para a elaboração de protótipos, testes e experimentação de novos dispositivos para aplicações inovadoras da vida real” e para “desenvolver um conhecimento profundo do ecossistema de semicondutores e da cadeia de valor”.
Uma nova estrutura para garantir a segurança de abastecimento ao atrair “investimentos e capacidades de produção aprimoradas”, um novo fundo para facilitar o acesso ao financiamento para as startups conseguirem amadurecer as inovações e atrair investidores e ainda um mecanismo dedicado ao investimento de capital próprio para facilitar a expansão de pequenas e médias empresas no mercado.
Um mecanismo de coordenação entre os Estados-membros e a Comissão para “monitorizar a oferta de semicondutores, estimar a procura e antecipar a escassez”.
Estas medidas serão “diretamente aplicáveis em toda a União Europeia” quando forem adotadas. Para que isso aconteça, o Parlamento Europeu e os Estados-membros têm de discutir a nova lei proposta pela Comissão Europeia no âmbito do processo legislativo ordinário. Os 27 países que compõem a UE foram incentivados por Bruxelas, em fevereiro, a “iniciar imediatamente os esforços de coordenação” para conseguirem “antecipar potenciais perturbações e tomar medidas corretivas para ultrapassar a escassez”.
A comissária europeia da Concorrência defendeu as medidas propostas pela Comissão Europeia ao explicar que não é possível “confiar num país ou numa empresa para garantir a segurança do fornecimento” de “chips”. Para garantir que a Europa consegue ser “mais forte” e um “ator-chave na cadeia de valor global”, na opinião de Margrethe Vestager, é preciso fazer “mais” em “pesquisa, inovação, design e instalações de produção”.
Na apresentação da proposta da nova lei, Thierry Breton, comissário europeu do Mercado Interno, explicou também que “garantir o fornecimento dos ‘chips’ mais avançados tornou-se uma prioridade económica e geopolítica” para a União Europeia, que está a “mobilizar um financiamento público considerável”. Por sua vez, Mariya Gabriel, comissária europeia da Inovação, acrescentou que “o desenvolvimento e a produção de ‘chips’ na Europa” vão beneficiar atores económicos nas “principais cadeias de valor” e vão ajudar Bruxelas a atingir os “objetivos ambiciosos” que tem em “construção, transporte, energia e digital”.
Como considera que a “escassez de ‘chips’ é um problema sistemático sem solução rápida”, a Comissão Europeia apontou objetivos a curto, médio e longo prazo explicando, num documento de perguntas e respostas, o que pretende ao propor uma lei europeia de semicondutores.
“A curto prazo, o conjunto de ferramentas estabelecido” na proposta “vai permitir imediatamente a coordenação entre Estados-membros e a Comissão [Europeia]. Isso permitirá discutir e decidir sobre medidas de resposta a crises oportunas e proporcionais, se consideradas necessárias”.
A médio prazo, a proposta para uma nova lei europeia de semicondutores “fortalecerá as atividades de fabrico na União [Europeia] e apoiará a expansão e a inovação de toda a cadeia de valor, abordando a segurança do abastecimento e um ecossistema mais resiliente”.
A longo prazo, Bruxelas defendeu que a legislação proposta “manterá a liderança tecnológica da Europa” enquanto prepara as capacidades necessárias para “apoiar a transferência de conhecimento do laboratório para a fábrica e posicionar a Europa como líder tecnológico em mercados inovadores a jusante”.
Para além de apresentar os objetivos que tem, a Comissão Europeia explicou os pontos fracos da Europa no que aos semicondutores diz respeito. Apesar de afirmar que “acolhe organizações de pesquisa e tecnologia líderes mundiais e muitas universidades e institutos de pesquisa excelentes”, Bruxelas reconheceu que a União é “fortemente dependente de fornecedores de países terceiros” tendo uma quota de mercado global de produção de semicondutores inferior a 10%.
Em caso de grave perturbação na cadeia de abastecimento global, as reservas de ‘chips’ da Europa em alguns setores industriais (por exemplo, no automóvel ou em dispositivos de saúde) podem esgotar-se em poucas semanas, paralisando muitas indústrias europeias”, escreveu a organização europeia no documento de perguntas e respostas disponível online.
Desta forma, um dos principais desafios que a Comissão Europeia destacou foi a necessidade de atrair e reter talentos que sejam “altamente qualificados” para esta indústria, o que leva Bruxelas a querer apoiar iniciativas de educação, formação, qualificação e requalificação para aumentar ofertas de estágios e sensibilizar os alunos para as oportunidades na área, bem como apoiar bolsas dedicadas a mestrados e doutoramentos “visando também aumentar a participação feminina”.
A Comissão Europeia quer tornar a UE num “player” mais forte na produção de semicondutores e não só responder à escassez de “chips” como também ao desafio da competitividade e à interdependência de tecnologias de ponta. Para isso, Bruxelas disse que iria ajudar “os colegisladores” europeus a chegarem a um acordo “o mais rapidamente possível”. Contudo, a proposta foi feita em fevereiro e ainda não foi aprovada.
O think tank Bruegel destacou que a procura global de semicondutores vai aumentar nos próximos anos e que o investimento atual dos governos e das empresas no seu fabrico faz com que não seja improvável a existência uma possível sobrecapacidade no futuro. Isto porque a indústria está sujeita a ciclos de expansão e explosão. O mesmo grupo escreveu que a Comissão Europeia não esclareceu a falha de mercado a que a “The European Chips Act” pretende responder com o apoio dos governos ou como é que a obtenção de uma quota de mercado consegue aumentar a superioridade geoestratégica da UE.
EUA querem aumentar a produção de “chips” e competir com a China
Não só a Comissão Europeia estudou uma proposta com medidas para conseguir ultrapassar a escassez de semicondutores. Também os EUA querem fabricar mais “chips” e competir com o mercado asiático. O Senado norte-americano aprovou, em julho, por 64 a 33, um projeto de lei que visa subsidiar a indústria de semicondutores para tentar competir com a China e aliviar a escassez destes componentes.
A proposta conhecida como “Chips and Science” ou “Chips Plus” também recebeu o selo de aprovação da Câmara dos Representantes, que a passou por 243 a 187. O projeto de lei, que abrirá caminho quase 280 mil milhões de dólares em incentivos para o fabrico de “chips”, foi a 9 de agosto assinado pelo Presidente norte-americano, Joe Biden.
O Tech Crunch noticiou que a legislação prevê a disponibilização de cerca de 52 mil milhões de dólares em subsídios governamentais para a produção de semicondutores em solo norte-americano e para assistência na criação de fábricas, incluindo dois mil milhões de dólares para o fabrico de “chips” descritos como essenciais para a defesa e para a indústria automóvel. Estão também previstos créditos fiscais para fábricas avaliados em cerca de 24 mil milhões de dólares e a legislação autorizará mais de 170 mil milhões ao longo de cinco anos para impulsionar a pesquisa científica para garantir que os norte-americanos conseguem competir com a China.
Nos Estados Unidos, as opiniões sobre a proposta não foram unânimes. O líder da maioria democrata no Senado, Chuck Schumer, disse, segundo a Reuters, que a legislação vai “aliviar as cadeias de abastecimento” e “ajudar a reduzir custos” protegendo “os interesses da segurança nacional dos EUA”. Por sua vez, o senador Mark Warner afirmou que o projeto de lei ajudaria a financiar 10 a 15 novas fábricas de semicondutores.
A Semiconductor Industry Association, organização que representa fabricantes de “chips” e que tem membros como a Intel, também saudou a votação do Senado, que caracterizou como um “passo vital para a promulgação de uma legislação que fortalecerá a produção e inovação de “chips” norte-americanos, nesta altura ainda sem saber que a mesma passaria igualmente na Câmara dos Representantes.
Os Estados Unidos têm uma oportunidade histórica de revigorar a fabricação, o design e a pesquisa de chips domésticos, e o Congresso deve aproveitá-la antes que seja tarde demais”, afirmou o grupo em comunicado, que é citado pelo Tech Crunch.
Já os críticos, como Bernie Sanders, apelidaram a medida de “cheque em branco” para empresas de “chips” altamente lucrativas. O político foi o único membro da bancada democrata do Senado a votar contra a proposta. A embaixada chinesa em Washington também disse que a China se “opôs firmemente” ao projeto de lei que considera que vai contra a cooperação e a “aspiração comum de pessoas de todos os setores da China e dos EUA de fortalecer trocas”.
Esta não é a primeira vez que os EUA tentam adotar medidas para combater a escassez de semicondutores. No ano passado, uma versão mais extensa do “Chips and Science” também tinha sido aprovada no Senado, mas ficou paralisada na Câmara dos Representantes. Nessa altura, os legisladores terão ficado dececionados, uma vez que viam a concorrência da China e os problemas da cadeia de abastecimento como principais questões prioritárias a resolver e até mesmo uma questão de segurança nacional para os EUA, explicou a Reuters. Os apoiantes do projeto de lei, incluindo Biden, revelaram ainda que era essencial garantir a produção norte-americana de “chips” para os bens de consumo, mas também para equipamentos militares.
O Presidente norte-americano assinou, no dia 9 de agosto, a lei na presença de representantes da Intel, Micron, HP ou Advanced Micro Devices (AMD). Ainda antes da aprovação no Senado e da assinatura, Biden fez uma publicação no Twitter onde defendeu a proposta. “Durante anos, a produção [de ‘chips’] foi enviada para o estrangeiro. Pelo bem dos trabalhos na América e da nossa economia, devemos fazê-los em casa”, lê-se no tweet.
Semiconductor chips are the building blocks of the modern economy – they power our smartphones and cars.
And for years, manufacturing was sent overseas. For the sake of American jobs and our economy, we must make these at home.
The CHIPS for America Act will get that done.
— President Biden (@POTUS) July 26, 2022
Posteriormente, o Presidente dos EUA assinalou a passagem do projeto na Câmara dos Representantes escrevendo em comunicado que o fabrico de mais semicondutores em solo norte-americano vai permitir aumentar a produção doméstica e “diminuir os custos para as famílias”. “[A legislação] vai reforçar a nossa segurança nacional ao tornar-nos menos dependentes de fontes estrangeiras de semicondutores”, vincou o Presidente norte-americano.
A assinatura da lei por Joe Biden foi criticada pela China que considerou que a legislação vai “interromper o comércio internacional e distorcer as cadeias globais de fornecimento de semicondutores”, disse Wang Wenbin, citado pelo The Washington Post. “A China opõe-se firmemente”, acrescentou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, que afirmou também que partes da lei “restringem o investimento normal das empresas e as atividades económicas e comerciais” em Pequim.
A lei não impede que os fabricantes de semicondutores dos EUA produzam “chips” noutros países, mas fornece incentivos financeiros para que a produção em solo norte-americano seja mais atrativa. A Intel, por exemplo, já se comprometeu a investir 20 mil milhões de dólares para construir uma fábrica de “chips” perto de Columbus, em Ohio, que deverá criar três mil postos de trabalho. Já a Qualcomm, cliente da TSMC, também concordou em comprar mais 4,2 mil milhões de dólares em semicondutores da fábrica da GlobalFoundries em Nova Iorque — com o compromisso total a ser elevado para 7,4 mil milhões em compras até 2028.
Ainda assim, construir uma fábrica de “chips” poderá levar vários anos e, segundo a CNBC, atrair o talento necessário para construir uma equipa para as novas instalações também demora algum tempo. O processo de produção de semicondutores em território norte-americano poderá ficar ainda mais demorado devido a regulamentos ou custos trabalhistas, segundo o mesmo site.
O esforço dos EUA para atrair a produção de semicondutores para o seu território foi visível quando Nancy Pelosi aproveitou a sua visita a Taiwan para falar com o fundador da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), Morris Chang, e o presidente dessa empresa, Mark Liu, bem como Cheng Jianzhong, vice-presidente da Pegatron, fabricante de eletrónicos.
“Todos trocaram opiniões sobre o aprofundamento da cooperação entre Taiwan e os Estados Unidos em vários campos… Taiwan e os Estados Unidos não partilham apenas os valores da democracia, liberdade e direitos humanos, mas também continuam a trabalhar juntos no desenvolvimento económico e na cooperação democrática da cadeia de abastecimento”, escreveu Tsai Ing-wen, Presidente de Taiwan, que também esteve presente na reunião, na rede social Facebook.
Em comunicado citado pelo The Washington Post, Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, disse que a sua delegação transmitiu a forma como o projeto de lei conhecido como “Chips and Science Act” vai “ajudar muito a fortalecer” as economias — além de expressar “apoio a uma estrutura comercial do século XXI”.
O mundo pode tornar-se menos dependente dos chips?
Os fabricantes de semicondutores anunciaram medidas para mitigar a escassez, mas algumas só vão mostrar resultados a longo prazo e não no imediato. As fábricas, por exemplo, demoram vários anos a ficar operacionais e as que a Intel anunciou que iria construir com um investimento de 20 mil milhões de dólares não vão começar a funcionar antes do segundo semestre de 2024.
A fórmula para terminar com a escassez mundial de semicondutores não passa só pela construção de novas fábricas. Os países concluíram que a melhor solução para a crise era produzirem os “chips” no mercado interno — daí que tanto os EUA como a UE tenham apresentado propostas de lei para tornarem a produção mais apelativa e para conseguirem competir com o mercado asiático.
Rakesh Kumar, autor de “Reluctant Technophiles”, considerou, num artigo de opinião na Fortune, que a abordagem isolacionista adotada pelos países está errada, já que, no seu entender, a solução passa por cooperação e aprofundar as cadeias de abastecimento já existentes, que foram desenvolvidas ao longo de décadas, que abrangem todo o mundo e que são complexas: empresas de cerca 25 países participam diretamente em cada segmento da cadeia e outros 23 países oferecem funções de suporte. Assim, alguns dos semicondutores mais avançados do mundo percorrem uma distância maior do que a circunferência da Terra antes de a sua produção ficar concluída.
A ideia que considera ser mais viável passa pela criação de uma aliança entre os vários países com ideias semelhantes e que possuem as diferentes tecnologias necessárias para a produção, como os EUA e outras democracias que têm forte presença neste mercado — Japão, Coreia do Sul, Países Baixos, Reino Unido, Alemanha, Israel ou França. Os países mencionados controlam a maioria dos segmentos da cadeia, mas também se complementam, diz. Por exemplo, os EUA carecem de fotolitografia, técnica utilizada no fabrico de circuitos integrados em que os Países Baixos e a Coreia do Sul são especialistas. As diferentes regiões não pensaram em unir-se, no entanto, acrescenta, porque podem não querer partilhar os lucros entre si e porque as alianças estão vulneráveis a riscos de rutura.
Na opinião de Carlos Paulino, managing director da Equinix em Portugal, a solução para minimizar os efeitos da escassez de semicondutores consiste “na opção por uma infraestrutura digital virtual, que permite às empresas chegarem a outros mercados sem a necessidade de implementação de uma estrutura física nos pontos de destino”. Paulino defende o seu próprio negócio, mas admite que o “hardware existirá sempre”. A sua solução só será praticável com “um modelo de consumo diferente”.
Mas, nesta fase, o mundo está “completamente” dependente dos semicondutores e não existe uma solução para essa dependência. O presidente da empresa que produziu os computadores Magalhães não acredita na existência de uma solução para a dependência mundial dos semicondutores: “É aquilo a que eu chamo uma inevitabilidade. Nós fazemos cada vez mais coisas sofisticadas e utilizamos os ‘chips’. Não tem volta. A tecnologia vai ser cada vez mais poderosa e não há forma de voltar atrás”.
Por sua vez, Gabriel Santos, CEO da Inforlândia, acredita que a “redução da procura” com o aumento “significativo do preço dos ‘chips'” até que exista capacidade suficiente da indústria para responder a todos os pedidos é o caminho a seguir. “Os fabricantes têm estado a aumentar os custos dos semicondutores na expectativa de que exista uma adequação da procura”, mas “os produtos cada vez mais têm uma necessidade muito grande de ‘chips'”, com os telemóveis e as televisões a terem uma “quantidade enorme” destes semicondutores”, acrescentou.
A pandemia é a principal responsável pela escassez de semicondutores
Com a pandemia, nos últimos dois anos, arranjar semicondutores para colocar nos produtos tornou-se cada vez mais complicado para as empresas. O presidente e cofundador da JP Sá Couto disse ao Observador que devido à Covid-19 assistiu a “uma disrupção nunca antes vista” em mais de 30 anos de negócio.
A população mundial passou vários meses fechada em casa devido à pandemia. Com os confinamentos, a procura por equipamentos eletrónicos aumentou. As pessoas precisavam de computadores para trabalhar remotamente, mas também de consolas de jogos, televisões ou tablets para os tempos livres. A elevada procura por todos esses gadgets que têm semicondutores fez com que existisse uma escassez de “chips”, uma vez que as fabricantes tiveram de parar a produção e cancelaram pedidos de semicondutores.
Com a pandemia havia uma procura muito grande, uma procura extraordinária. Quando as pessoas têm de passar todas do escritório para casa, o número de computadores e infraestruturas necessárias é brutal”, explicou Jorge Sá Couto para justificar que o mercado “quintuplicou” gerando “o pânico em termos de procura”.
A corrida para comprar tecnologia coincidiu com o encerramento temporário das fábricas devido às restrições da Covid-19. A paragem criou disrupções na produção que ainda não estão totalmente resolvidas e que se apontava para que ficassem normalizadas em 2023. Com a paralisação das fábricas e o aumento da procura gerou-se uma crise de semicondutores, que provocou grandes atrasos nas entregas. Porém, a pandemia não foi a única responsável.
Também as tensões comerciais entre os EUA e a China jogaram o seu papel. Em setembro de 2020, Donald Trump impôs restrições às compras à maior empresa de “chips” chinesa, a Semiconductor Manufacturing International Corporation (SMIC), forçando-a a adquirir peças noutros locais. Assim, a cadeia de distribuição foi reconfigurada. As empresas que compravam os seus semicondutores à SMIC tiveram que recorrer a outros fornecedores, mas perceberam que as alternativas estavam sem capacidade de resposta e que, apesar dos EUA quererem depender apenas da própria produção, a Intel também já estava com problemas para responder à elevada procura.
As ideias de Donald Trump foram seguidas pelo governo de Joe Biden, que tem enfatizado a necessidade de os Estados Unidos recuperarem a liderança do mercado de semicondutores e de se tornarem mais competitivos para superar a concorrência, uma vez que os norte-americanos respondem por 12% da produção mundial de semicondutores, enquanto a Ásia responde por 75%, segundo um relatório da Semiconductor Industry Association (SIA).
A tensão comercial entre os EUA e a China acentuou-se numa altura em que a pandemia já tinha levado ao encerramento de fábricas e o preço dos componentes já tinha aumentado devido à escassez existente. “As questões políticas são sempre uma variável na equação”, mas “não são o que tem maior impacto”, disse Carlos Paulino em conversa com o Observador.
Sem dúvida nenhuma que uma aceleração violenta da procura aliada a uma incapacidade do lado da produção de manter os níveis pré-covid são as duas variáveis que mais contribuem” para a escassez de semicondutores, acrescentou o managing director da Equinix, empresa especializada na área das infraestruturas digitais, em Portugal.
Para além da pandemia e das tensões comerciais entre a China e os Estados Unidos, outros acontecimentos tiveram impacto na produção de semicondutores. Em março deste ano, um sismo de magnitude 7,4 abalou Fukushima, no Japão, com impacto na Toyota e na Renesas Electronics (fornecedora de “chips” para a indústria automóvel). A Toyota chegou a suspender operações em mais de metade das suas fábricas no Japão: 18 linhas de produção em 11 fábricas de um total de 28 linhas em 14 fábricas ficaram inativas durante três dias devido a problemas de abastecimento causados pelo sismo.
Os surtos de Covid-19 que, de vez em quando, ainda fecham as fábricas asiáticas devido à política de zero casos que vários países implementaram e a guerra na Ucrânia contribuíram para o arrastar de uma crise que já era dada como tendo fim à vista. Para Jorge Sá Couto, presidente da JP Sá Couto, o “ambiente de incerteza” já não tinha que ver com os “chips”, mas sim com “novos fatores que criaram incerteza no mercado” — como a inflação ou a valorização do dólar face ao euro.
O aumento da tensão entre os EUA e a China com a visita de Nancy Pelosi a Taiwan pode voltar a colocar o foco da incerteza nos semicondutores. E por isso empresas e associações ouvidas pelo Observador temem que a escassez se prolongue ainda mais e recusam fazer estimativas para o final desta crise.