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Os comboios da Área Metropolitana de Lisboa ainda não recuperaram a utilização do período pré-pandemia
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Os comboios da Área Metropolitana de Lisboa ainda não recuperaram a utilização do período pré-pandemia

JOSÉ COELHO/LUSA

Os comboios da Área Metropolitana de Lisboa ainda não recuperaram a utilização do período pré-pandemia

JOSÉ COELHO/LUSA

“Não estamos a dizer, nunca, que o risco é zero". 5 perguntas e respostas para descodificar o estudo que não é sobre Covid-19 e comboios

Investigadores estudaram a ligação das infeções com Covid-19 às estações de comboio. Mas, rapidamente, se transpuseram as conclusões para dentro das carruagens, até o ministro Pedro Nuno Santos o fez.

A discussão sobre o risco de transmissão da Covid-19 nos transportes públicos não é nova. Já opôs o ministro das Infraestruturas e a ministra da Saúde, com Pedro Nuno Santos a dizer que era impossível cumprir as restrições na lotação dos transportes e Marta Temido a responder que eram espaços fechados, pouco arejados, com muitas pessoas e, como tal, se deveria optar pela prudência.

Com a publicação de um estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), o ministro Pedro Nuno Santos não perdeu a oportunidade de, no Twitter, dizer, de novo, que não há ligação entre as infeções de Covid-19 e a utilização dos comboios. Mas será isso mesmo que o estudo conclui?

Conhecer o risco de transmissão dentro do comboio e outros transportes públicos é uma pergunta essencial para a Saúde Pública, mas este trabalho de investigação não permite dar resposta a isso, disse ao Observador Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. Mas também não era esse o objetivo do estudo, e não chega a conclusões sobre isso, como explicou um dos autores, Milton Severo, ao Observador. “Não estamos a dizer, nunca, que o risco é zero [nos comboios]”, esclarece o investigador. “Estamos a dizer que há outros fatores, como os fatores socioeconómicos, que estarão mais associados com o risco de infeção.”

Mas o melhor é ir por partes, já que houve interpretações erradas do dito estudo.

O que concluiu afinal o estudo do ISPUP?

A equipa do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) partiu da ideia de que as comunidades, neste caso freguesias, que viviam mais próximas das estações de comboio teriam um maior risco de infeção com o novo coronavírus porque, à partida, a população teria maior probabilidade de usar este meio de transporte. Ao contrário da expectativa, o risco mostrou ser variável ao longo do tempo entre as freguesias mais próximas e mais distantes de cada uma das seis linhas que serve a Área Metropolitana de Lisboa (AML) e o padrão entre as linhas também não foi uniforme.

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Covid-19: estudo mostra que não há ligação entre as infeções e a proximidade às estações de comboio

Depois, os investigadores tentaram avaliar o peso dos fatores socioeconómicos no risco de infeção em cada freguesia e verificaram que “as freguesias com maior privação socioeconómica apresentavam maior risco de infeção”, diz ao Observador Milton Severo, primeiro autor do estudo do ISPUP. “Em março não havia associação com fatores sócio económicos, mas ao longo do tempo estes fatores foram aparecendo.”

Os resultados levaram os investigadores a concluir então que “andar de comboio não é o maior determinante do risco de infeção na comunidade”, diz Milton Severo, sobre o estudo publicado na plataforma medRxiv e que ainda não foi revisto por cientistas independentes. “Na melhor das hipóteses, o que conseguimos dizer é que o risco [no comboio] é semelhante a outros transportes que se usem na Área Metropolitana de Lisboa.” Já os fatores económicos mostraram uma associação mais forte e mais constante ao risco.

Mas isso não mostra que não haja ligação entre o comboio, ou os outros transportes, e a transmissão do vírus.

“Não estamos a dizer, nunca, que o risco é zero [nos comboios]. Estamos a dizer que há outros fatores, como os fatores socioeconómicos, que estarão mais associados com o risco de infeção.”
Milton Severo, Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto

O risco nos comboios é nulo ou reduzido?

“Não estamos a dizer, nunca, que o risco é zero [nos comboios]”, esclarece o investigador. “Estamos a dizer que há outros fatores, como os fatores socioeconómicos, que estarão mais associados com o risco de infeção.” Se o principal fator fossem os comboios, o risco tinha de ser mais homogéneo ao longo do tempo e entre linhas, explica. Mas os comboios não foram sequer o objeto do estudo, portanto o tema teria (ou terá) de ser muito mais aprofundado para se tirarem conclusões claras.

Milton Severo acrescenta que avaliaram o risco para a comunidade e não o risco individual, logo o risco para o grupo de pessoas que vive em cada freguesia da AML e não o risco para cada um dos habitantes. E avaliaram a proximidade às estações e não o uso do transporte em si — até porque os dados disponíveis eram muito antigos, diz o investigador. E só esta aproximação pode ser limitação suficiente às conclusões obtidas.

Certo é que tem havido pouco trabalhos sobre a transmissão do SARS-CoV-2 nos transportes públicos. Numa pré-publicação de maio, dois investigadores da Universidade Técnica de Delft (Holanda) verificaram que se o metro da cidade de Washighton (Estados Unidos) mantivesse a mesma ocupação do período pré-pandemia, três passageiros infetados seriam o suficiente para que 55% dos passageiros ficasse infetado no espaço de 20 dias. Um outro trabalho, com dados da China, revelou que o risco depende da distância a que uma pessoa se senta do passageiro infetado ou da duração da viagem.

Esta relação entre os vírus transmitidos pelo ar e as viagens em transportes sobrelotados também já tinha sido estudada no metro de Londres, na altura com doenças semelhantes à gripe, e a conclusão foi que havia associação entre o uso de transportes públicos e a disseminação da doença.

Transmissão da covid-19 nos comboios. “Esperávamos que o risco fosse superior”

Qual a importância das conclusões do ISPUP?

Milton Severo está ciente que este estudo não traz a resposta que as pessoas procuram: se o uso de transportes aumenta o risco de infeção com SARS-CoV-2. Mas lembra que havia muito pouca informação e que consideraram que seria importante perceber, nomeadamente, se as freguesias mais próximas das linhas de comboio teriam um risco acrescido ou não. “Tentámos fazer o esforço de usar a informação existente para saber qual a melhor evidência para Portugal.”

Agora o caminho é melhorar o trabalho feito. Um dos projetos que a equipa está a preparar pretende avaliar o risco individual de cada pessoa (através de um estudo de caso-controlo): tendo informação sobre o agregado familiar, local de trabalho, deslocação para o emprego, etc., e comparando a informação dos infetados com os não infetados para perceber quais os principais fatores de risco para a infeção. Ou seja, perceber se houve mais infeções entre os que usaram transportes públicos e as suas famílias e os que os não os usaram.

Adicionalmente, num outro projeto, a equipa vai avaliar que os fatores específicos, como situação perante o emprego, número de elementos do agregado familiar, etc., têm um maior impacto no risco de transmissão. Neste caso, a avaliação será feita por concelho.

O risco “é que muita gente só lê o título e não consegue interpretar” e “retira a conclusão que os transportes não são um fator de risco.”
Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde

Quais as limitações do estudo?

O trabalho de investigação parte de uma abordagem que é difícil de sustentar: assume que as populações que vivem mais próximo das estações de comboio das seis linhas que servem a AML — freguesias a menos de três quilómetros — usam mais o comboio do que as pessoas das freguesias que vivem a mais de três quilómetros. Basta pensar nas estações de Santa Apolónia (em Lisboa), Mem Martins (na linha de Sintra) ou Coina (na margem sul) para perceber que estamos a falar de realidades muito distintas, com tipos de utilizadores diferentes. Em certos casos, as pessoas podem deslocar-se mais de três quilómetros noutros meios de transporte só para chegarem à linha do comboio, noutros têm a estação à porta de casa e optam por usar viatura própria.

“Acho que morar perto da estação não é um bom proxy para utilizador de transportes públicos”, diz por isso ao Observador Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. O médico admite que “há muitos estudos ecológicos [relacionados com a comunidade] que são pontos de partida interessantes”. Mas em relação a este caso diz: “Penso que não ganhámos muita informação com os resultados”.

Que interpretações erradas podem ser feitas?

Ricardo Mexia deixa claro que “saber se os transportes públicos são contextos associados à transmissão [de SARS-CoV-2] é muito importante”, mas considera que “[esta] metodologia dificilmente responderia a essa pergunta”. Não que o trabalho científico esteja mal desenhado, mas “não responde verdadeiramente à questão” — se os transportes aumentam o risco ou não. Porque, como já foi referido, usar a proximidade às estações não é um bom indicador de quem usa os transportes públicos ou não.

O risco, explica o médico de Saúde Pública, “é que muita gente só lê o título e não consegue interpretar” e “retira a conclusão que os transportes não são um fator de risco”. Essa mesma conclusão foi tirada pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que afirmou no Twitter: “O estudo do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto concluiu que não existe ligação direta entre as infeções da Covid-19 e utilização do transporte ferroviário na Área Metropolitana de Lisboa, considerando como fator mais determinante questões socioeconómicas”.

Milton Severo, no entanto, corrige para uma versão mais correta da afirmação: “Não existe ligação direta entre as infeções da Covid-19 e as freguesias mais próximas da linha de comboio”. Esta sim, é que é a conclusão correta do estudo.

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