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O palco caminha para os 101 anos e, no meio de tanta azáfama, foi acolhendo os ensaios de uma nova revista, “Paródia Nacional”, que se estreia a 13 de setembro
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O palco caminha para os 101 anos e, no meio de tanta azáfama, foi acolhendo os ensaios de uma nova revista, “Paródia Nacional”, que se estreia a 13 de setembro

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

O palco caminha para os 101 anos e, no meio de tanta azáfama, foi acolhendo os ensaios de uma nova revista, “Paródia Nacional”, que se estreia a 13 de setembro

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

No Maria Vitória, cem anos depois e com um novo espectáculo: que revista é esta?

Foi em 1922 que a primeira de quatro salas no complexo do Parque Mayer abriu portas. Fomos saber como funciona o palco que ainda faz brilhar a revista e onde vai estrear-se agora a "Paródia Nacional".

À boca de cena existe uma aparente quietude, mas o teatro está vivo e de portas abertas para quem o deseje visitar e conhecer. Fazem-se obras: paredes a serem pintadas, um foyer renovado e de cores vivas, mas que mantém o seu estilo antigo, mudança nas cadeiras da plateia e um novo sistema de som que, certamente, se fará notar entre o público que ali irá regressar a partir deste mês. Talvez não o pareça à primeira vista, mas o Teatro Maria Vitória já tem cem anos, caminha para os 101 e, no meio de tanta azáfama, também é palco para os ensaios de uma nova revista, “Paródia Nacional”, que se estreia a 13 de setembro. Uma produção de Hélder Freire Costa, com encenação de Paulo César, texto de Flávio Gil, Miguel Dias e Renato Pino e música de Miguel Dias e Carlos Pires. É o mote perfeito para se voltar a olhar para o legado da revista no teatro português e antever o que será o futuro do Maria Vitória e do Parque Mayer.

Mesmo para um início de semana, em pleno mês de agosto, o Teatro Maria Vitória parecia reavivado. Adereços espalhados e um corrupio de pessoas que ultimam detalhes, desde as obras de renovação aos preparativos da cenografia em palco. Ali trabalham atualmente cerca de 50 pessoas, as que colocam o dispositivo em funcionamento, pronto para receber mais uma revista. E mesmo que já estejamos algo distantes da chamada época dourada deste género teatral, é naqueles corredores e palco que melhor se respira o ar revisteiro que se foi enraizando.

“É, afinal de contas, a nossa forma de teatro, temos de a honrar”, diz-nos o produtor André Camilo, enquanto nos dá a descobrir os cantos à casa. Há muita história nestes corredores e nos adereços, entre fatos, manequins e objetos que pertenceram a algumas das mais icónicas produções que ali nasceram – e até mesmo uma parede de assinaturas, que vai crescendo à medida que cada intérprete coloca o seu nome, data e nome da peça em que participou. “É um verdadeiro museu do teatro nacional”, acrescenta.

Os ensaios de “Paródia Nacional” ocuparam grande parte do dia-a-dia no verão. Para muitos, foi a primeira vez que contactaram diretamente com a revista

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

As obras que agora se encontram na fase final eram desejadas e necessárias. Foram possíveis, salienta Hélder Freire Costa, com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa e outras marcas e amigos que se juntaram à causa. Decorreram ao longo dos últimos meses e mais virão num futuro próximo, garante. “Precisávamos de renovação, mas não podemos esquecer que somos um teatro que vive do público e da bilheteira. Por isso é que precisamos de sucessos e até hoje continuamos aqui a fazer aquilo que já não vemos noutras salas”, refere em entrevista ao Observador.

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No ano passado celebrou-se o centenário do teatro, que abriu portas em 1922, no mesmo ano que foi inaugurado o Parque Mayer. Através da Sociedade Avenida Parque, Lisboa viria a ganhar quatro novas salas, que se tornariam numa escola fundacional para alguns dos melhores atores e atrizes portuguesas do século passado. Ao Maria Vitória seguiu-se a abertura do Variedades, em 1926, do Capitólio, em 1931, e do ABC, em 1956. Como teatro em funcionamento resta somente o Maria Vitória, embora existam obras no Teatro Variedades, cuja requalificação ficou a cargo do atelier Aires Mateus e Associados — Espaço de Arquitetura. Deveria ter aberto portas no primeiro semestre de 2023, entretanto a Câmara Municipal de Lisboa apontou a reabertura para 2024.

“Este teatro nasceu como teatro de revista e assim terá de continuar. É cada vez mais necessário porque permanece como o único sítio onde as pessoas o podem ver, sem ser num contexto mais amador.”
Hélder Freire Costa, gestor e produtor do Teatro Maria Vitória

Ao Observador, Hélder Freire Costa explicou que lhe foi proposta uma possível gestão do Teatro Variedades, mas que recusou ao saber que este terá apenas cerca de 370 lugares. “Para mim isso é um auditório e não se compara ao Maria Vitória que consegue receber 590 pessoas. De qualquer forma, nunca largaria o Maria Vitória, ainda que tenha havido uma altura em que deitar abaixo o teatro tenha sido uma opção… foi quando bati o pé. Não quero ficar conotado com a destruição do Maria Vitória e nunca poderia permitir que um teatro fosse destruído”, sintetiza. Assim mesmo, continuam a sua missão, diz, como arrendatários que sempre foram, e com o objetivo de dar oportunidades a novos autores e intérpretes.

O último reduto da revista

Aos 82 anos, Hélder Freire Costa continua sentado na plateia a assistir aos ensaios de cada peça e depois às suas apresentações. Vai revezando lugares, muito deles com uma placa que diz o nome de uma atriz ou ator que fazem parte da história daquela casa. Mesmo hoje, continua a acreditar na missão do Maria Vitória, que foi fundamental para a revista à portuguesa, mas também para as comédias musicais que, noutras décadas, tiveram mais espaço nos palcos nacionais. Na incursão que mistura a crítica com o humor e a sátira, foi naquele palco que produziu algumas das peças mais bem-sucedidas do panorama teatral português ao longo dos últimos 50 anos. Quando ali entrou, era um mero secretário do empresário Giuseppe Bastos, o homem que explorava o cineteatro Capitólio. Tinha pouco mais de 20 anos. As suas memórias fundem-se com um tempo marcado pela ditadura, mas também pela revolução de Abril e a democracia. “Este teatro nasceu como teatro de revista e assim terá de continuar. É cada vez mais necessário porque permanece como o único sítio onde as pessoas o podem ver, sem ser num contexto mais amador”, realça.

Hélder Freire Costa, que há décadas gere o Maria Vitória e produz os espectáculos que sobem ao palco; e Flávio Gil, autor do texto do novo espectáculo, "Paródia Nacional"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Parente do teatro de vaudeville, o teatro de revista, também conhecido como revue, surge em França no século XVIII – primeiro nas romarias e depois nas salas –, tendo ganhado um lugar especial no contexto nacional. A primeira peça remonta ao ano de 1851, quando o desaparecido Teatro do Ginásio recebe a peça “Lisboa em 1850”, de Francisco Palha e Latino Coelho. Seguiu-se um período de grande ênfase durante a Primeira República, que se estendeu já durante o Estado Novo, quando se massifica. Acompanhando “o marasmo em que caiu a vida portuguesa”, devido à ditadura, escreve Vítor Pavão dos Santos, no seu livro Revista à Portuguesa, “só nos pequenos palcos do Parque Mayer e arredores, embora veladamente, o espectador pôde ouvir falar do seu quotidiano, das suas alegrias e pressões, daquilo que verdadeiramente lhe dizia respeito”, pode ler-se.

A verdade é que mais ou menos arregimentado, com mais ou menos censura, o teatro de revista no Parque Mayer tornou-se simbólico para diferentes gerações de espectadores, formou atores e encenadores e técnicos, e fomentou um gosto pela ida ao teatro. “Antes as pessoas vinham mesmo sem saber do que tratava à revista. Vinham pelos nomes dos atores e das atrizes que entravam ou simplesmente porque era um hábito virem em família ao teatro”, explica Hélder Freire Costa. Atualmente a situação é diferente: a comédia está menos presente nos palcos, os gostos são feitos de tendências, mas há (ainda assim) um novo público, explica. “Mais jovem, que se interessa cada vez mais pelas artes de palco e pelo que acontece no teatro. Temos que cativar novos públicos e é isso que também queremos fazer ao renovar gradualmente a nossa imagem”, sublinha.

Uma revista pós-moderna

Por estes dias, decorrem os ensaios para a nova revista, “Paródia Nacional”, que ocupam grande parte do dia-a-dia. Há ensaios de coreografia, com um grupo de oito bailarinos, escolhidos num casting que decorreu a meio do verão. Para muitos deles é a primeira vez que contactam diretamente com a revista. Para outros, foi mesmo a primeira vez que entraram no Maria Vitória. A eles juntam-se depois os atores e atrizes.

“Tem de se investir e ter textos que tragam uma outra fonética e elegância. A determinado ponto associou-se muito a revista a uma linguagem popular – em muitos casos vernacular – e acho que temos feito um outro caminho, no sentido de lhe conferir uma outra sensibilidade.”
Flávio Gil, autor do texto do espectáculo "Paródia Nacional"

Marina Albuquerque, que se estreia em revista, Paulo Vasco, Miguel Dias, Cidália Moreira, Cátia Garcia, Bea Moreira, Teresa Zenaida, Marcos Marques, André David Reis e Lucila Pereira. São eles que trazem rapidamente o espírito da revista ao palco, neste caso centrada no universo televisivo português. Há espaço para Luís Marques Mendes e outras figuras que ocupam as grelhas do comentário televisivo. Há polémicas como a TAP e outras temáticas que têm marcada a agenda noticiosa. “’Paródia Nacional’ é, além de uma grande homenagem à caixinha mágica que continua a fazer-nos sonhar, uma caricatura hilariante dos canais portugueses e das figuras mediáticas, não só da televisão, mas também da política, do desporto e da sociedade”, lê-se na sinopse que acompanha a peça.

Nos bastidores, o cenógrafo e encenador André Murraças prepara alguns adereços. “Ao contrário de outras revistas, estas cenas nunca fecham, tudo se passa em palco”. Ao Observador explica que sempre se interessou pelo universo da revista e que por isso mesmo aceitou o desafio de continuar a trabalhar sobre um género “em que as pessoas vão encontrar um passado, mas também uma modernidade”. Através da linguagem, na busca desse lado mais contemporâneo, a nova revista parte mais uma vez de um conjunto de textos de Flávio Gil, que assina também a encenação, juntamente com Miguel Dias e Paulo César. Foi ali que o ator se estreou há 11 anos e onde tem trabalhado ininterruptamente – entre outros projetos. “Fui estando sempre ligado, até que em 2016 comecei a encenar. Até hoje já assinei sete revistas e sinto que tudo faz parte de um processo de amadurecimento”, diz.

Na revista, diz Hélder Freire Costa, está um humor que é português, entendido pelas diferentes gerações, de forma totalmente democrática: “Temos tido grandes êxitos e ajudado a lançar novos autores"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Quase 200 anos depois das primeiras revistas encenadas em Portugal, há códigos que definem este género que continuam a fazer sentido, mas onde se pode inovar. “Tento fazer diferente, não porque os códigos estejam errados, não estão, mas porque a minha experiência me levou a outros lugares e senti que podia imprimir na revista esses novos aspetos”. No meio disso, explica Flávio Gil, assiste-se a uma “renovação bonita no teatro de revista”, que já não está preso à critica de que o seu humor emigrou para outros meios, nomeadamente a televisão. Pelo contrário, liberto dessa lógica, é um género teatral que existe por si só e que acrescenta algo aos teatros nacionais. “Tem de se investir e ter textos que tragam uma outra fonética e elegância. A determinado ponto associou-se muito a revista a uma linguagem popular – em muitos casos vernacular – e acho que temos feito um outro caminho, no sentido de lhe conferir uma outra sensibilidade”, acrescenta.

Talvez mais do que nunca, salienta Flávio Gil, existe uma grande liberdade para se fazer revista. “Uma revista pós-moderna”, que já não espera pela entrada de grandes figuras – que no passado determinavam muitas vezes o sucesso da produção e que não tem tabus, nem segue doutrinas. “Hoje em dia, a responsabilidade está muito mais dividida e todos os atores, mais novos ou mais velhos, conduzem a ação.” A par disso, garante, vão estar presentes os assuntos do dia e um elenco que prova como há novos atores e atrizes que querem explorar a comédia como lugar de interpretação. Voltamos ao Maria Vitória para escutar os risos. Na revista, diz Hélder Freire Costa, está um humor que é português e que é entendido pelas diferentes gerações, de forma totalmente democrática. “Temos tido grandes êxitos e ajudado a lançar estes novos autores. Desempenhado esse papel, acho que temos todo o direito de continuar a fazer teatro para as pessoas”, realça. A música escuta-se ao fundo, em palco. Nunca deixou de fazer parte da revista que é cantada, dançada e interpretada. Cem anos depois, em pleno Parque Mayer é afinal no Maria Vitória que a revista continua a persistir.

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