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Svante Pääbo
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Svante Pääbo identificou uma nova espécies de humanos só com base no material genético e conseguiu sequenciar o genoma do homem de Neandertal

dpa/picture alliance via Getty I

Svante Pääbo identificou uma nova espécies de humanos só com base no material genético e conseguiu sequenciar o genoma do homem de Neandertal

dpa/picture alliance via Getty I

Nobel da Medicina. Svante Pääbo estudou múmias às escondidas, mas chegou a prémio Nobel

A importância para a evolução humana e medicina é clara, mas Svante Pääbo não pensou que podia ganhar um Nobel. A antropóloga portuguesa, Eugénia Cunha, também não: "A evolução humana não tem força".

O prémio Nobel da Medicina foi anunciado esta segunda-feira, mas para perceber a importância da descoberta vai precisar de olhar para uma mão antes de continuar a ler este artigo.

Repare no dedo mindinho (o mais pequeno e mais fino), dobre-o e conte os três ossos, desde a mão até a última falange (a mais pequena), na parte do dedo onde está a unha. Pois bem, foi de um falangueta como essa, mas com cerca de 40 mil anos, que se retirou o material genético que permitiu identificar uma espécie de humanos até então desconhecida — os denisovanos.

“Pela primeira vez tivemos uma espécie definida com base em genética, mas da qual não se sabia nada sobre os ossos, ou seja, não se sabia qual era a aparência dessa espécie”, destaca Eugénhia Cunha, antropóloga e professora da Universidade de Coimbra, em entrevista ao Observador. O responsável por esta descoberta foi o sueco Svante Pääbo, investigador do Instituto Max Planck (em Leipzig, Alemanha), e da sua equipa.

Prémio Nobel da Medicina para Svante Pääbo pelas “pelas suas descobertas sobre os genomas dos hominídeos extintos e a evolução humana”

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Por enquanto, são muito poucos (mesmo muito poucos) os ossos ou fragmentos atribuídos a esta espécie. A suspeita é que existam mais, nas gavetas ou exposições dos museus de antropologia ou história natural, mas se não for possível analisar o ADN ou as proteínas será impossível confirmá-lo. Uma coisa é certa, no entanto: os homem de Denisova cruzaram-se com o homem de Neandertal e o humano moderno — e não apenas em termos geográficos.

Estas três espécies reproduziram-se entre si e deixaram uma herança até aos dias de hoje. Deny, uma menina cujo pequeno osso foi encontrado em 2018, era filha de mãe neandertal e pai denisovano e viveu há cerca de 90 mil anos. As populações humanas atuais da Melanésia, no extremo oeste do oceano Pacífico, e as do sudeste asiático têm cerca de 6% de ADN denisovano. Os europeus e asiáticos têm até 4% de material genético do homem de Neandertal — ao contrário dos africanos, onde esta herança está ausente.

Conhecer estes pormenores da genética é muito importante para a medicina de precisão, explica Rui Diogo, especialista em Biologia Evolutiva e Antropologia da Universidade de Howard, à rádio Observador. Mas também ajuda a explicar certas adaptações: os tibetanos têm um gene denisovano que lhes permite sobreviver em altitude.

O que é o ADN?

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O ADN (ácido desoxirribonucleico) é uma molécula com duas cadeias ligadas entre si e enroladas como uma hélice. Identificar a estrutura do ADN valeu o prémio Nobel da Medicina, em 1962, a Francis Crick, James Watson e Maurice Wilkins (Rosalind Franklin não viveu para conhecer este prémio, que também não poderia ser atribuído a quatro pessoas).

Nobel Prize

Como é que se sabe que estas espécies tiveram filhos entre si? Pelo ADN. Primeiro, a sequenciação do genoma humano (leitura dos genes no material genético) iniciada nos anos 1990; depois, na primeira década dos anos 2000, a sequenciação do genoma dos denisovanos e dos neandertais. Foi a comparação entre estes três genomas, mais ou menos como quem compara frases diferentes, que permitiu perceber que palavras tinham mudado e que palavras estrangeirismos (genes de outras espécies) tinham sido incorporados. Foi a persistência de Svante Pääbo e a evolução e aperfeiçoamento da tecnologia que permitiram estas descobertas.

“Sempre conheci o trabalho de Svante Pääbo e sempre conheci o impacto do trabalho dele na área da evolução humana”, disse Eugénia Cunha que esteve pela primeira vez com o investigador em 2019, num evento em Portugal organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. “O que eu acho que extraordinário é terem reconhecido este trabalho através do Nobel. Isso é que não estava à espera, porque a evolução humana, normalmente, não tem essa força”, diz a professora que durante vários anos deu aulas de Evolução Humana na Universidade de Coimbra.

Svante Pääbo já ganhou vários prémios, mas nunca pensou que estas descobertas se classificassem para receber um prémio Nobel, conforme confidenciou numa entrevista esta segunda-feira.

Foi o nosso sistema imunitário que nos tornou os únicos humanos na Terra?

Foi graças ao trabalho de Svante Pääbo e das suas equipas, com a sequenciação do genoma dos nossos antepassados, que se passou a conhecer melhor a evolução do homem. E será a investigação em paleogenómica (estudo dos genomas antigos), uma nova área científica nascida graças a Svante Pääbo, que nos permitirá perceber porque é que os humanos modernos (Homo sapiens) sobreviveram e os outros humanos que viveram nessa altura — neandertais, denisovanos e homem das Flores (ilha na Indonésia) — se extinguiram.

O homem de neandertal seria mais encorpado e mais robusto do que o homem moderno, assim afirmam algumas teorias, mas a força não lhes garantiu a sobrevivência. Apesar de todo o material genético comum, houve “qualquer coisa diferente que nos fez ser mais resistentes e duradouros”, afirma Eugénia Cunha. “Sabemos que não foram os confrontos. Sabemos que não tem a ver com violência nem nada disso, tem a ver, provavelmente, com o sistema imunitário e com a resistência e com a capacidade de adaptação.”

A antropóloga Eugénia Cunha explicou porque é que a investigação de Svante Pääbo é tão importante. Pode ouvir a entrevista completa em Resposta Pronta da rádio Observador.

Svante Pääbo “mostrou-nos porque somos a única espécie [de humanos] hoje”

Em 2016, uma outra investigadora do Instituto Max Planck, Janet Kelso, e a respetiva equipa mostravam que a mistura com neandertais e denisovanos tinham provocado alterações no sistema imunitário humano — mais resistência, por um lado, mas também maior propensão a alergias. As mutações que permitem aos indivíduos aumentar a taxa de sobrevivência perante uma adversidade, como uma doença, são um dos mecanismos mais importantes na evolução, mas o processo é lento. A reprodução entre um indivíduo com a mutação e outros com ou sem mutações torna o processo de evolução muito mais rápido.

Claro que não são os genes só por si que determinam a sobrevivência de uns e a extinção de outros, tudo depende do ambiente em que vivem e do que é mais favorável à sua sobrevivência. “Tem sempre a ver com mudanças ambientais, porque são o grande motor da evolução humana”, diz a antropóloga portuguesa. “Também está relacionado com as migrações e com a maneira como diferentes populações se encontram e cruzam: a imunidade de uns relativamente aos outros pode ser vantajosa.”

Genes de Neandertal. Maior resistência, mas mais alergias

Este cruzamento entre os humanos modernos e as outras espécies de humanos com as quais conviveram levantam ainda outra questão: seremos todos a mesma espécie, ainda que subespécies diferentes? O conceito de espécie é uma definição teórica, mas o que esta diz é que só dois indivíduos da mesma espécie conseguem ter descendência viável e fértil. É por isso que a mula, nascido de uma burra com um cavalo (espécies diferentes), é estéril ou que que os gatos e cães não conseguem ter filhos em conjunto. Eugénia Cunha diz que esta ainda é uma pergunta sem resposta e alvo de movimentos diferentes dentro da ciência.

Apurar a técnica para encontrar ADN mais antigo

Se os seus conhecimentos sobre evolução humana pararam na descoberta de Lucy — ou, pelo menos, é a descoberta que mais depressa lhe vem à memória — fique a saber que dificilmente se conseguiria sequenciar o genoma da mulher que deve o nome aos músicos britânicos The Beatles e à música “Lucy In The Sky With Diamonds”, que os membros da expedição ouviam no acompanhamento quando foi encontrada, em 1974.

“Quando comecei a dar aulas de evolução humana, nem sequer se pensava que era possível tirar ADN de um osso quanto mais de um osso tão antigo.”
Eugénia Cunha, antropóloga da Universidade de Coimbra

Lucy tinha, na altura, o esqueleto mais completo de Australopithecus afarensis, um antepassado dos seres humanos que conseguia andar de pé. Não é só a antiguidade de Lucy, com cerca de 3,2 milhões de anos, que tornam impossível analisar o seu ADN, mas sobretudo o facto de ter sido encontrada em África. A exposição aos elementos, em particular o calor (mas também a humidade), parte as moléculas, altera os blocos que a compõem e facilita a introdução de ADN estranho (contaminação). Imagine que rasga um conjunto de papéis e os mistura todos no balde do lixo; depois, tentar identificar os pedaços correspondentes a cada folha no ecoponto será uma tarefa virtualmente impossível.

Haverá sempre a possibilidade de encontrar fósseis humanos antigos em grutas africanas que estejam bem preservados, mas será sempre mais fácil nos locais frios ou gelados. Foi graças a estas condições, que mais facilmente preservam o ADN, que se conseguiu recolher e sequenciar o material genético de um mamute com um milhão de anos. Os mamutes viveram na época do Pleistoceno, há cerca de 2,6 milhões a 11.700 anos, e conviveram com os humanos — logo, é teoricamente possível encontrar ADN humano igualmente antigo.

ADN com um milhão de anos encontrado em dentes de mamute revela como evoluíram estes mamíferos

Aquilo que era tido como limite pode deixar de o ser no futuro, com o avanço da tecnologia e a melhoria das técnicas utilizadas, lembra Eugénia Cunha, referindo-se não só ao exemplo do mamute, mas também ao material genético humano mais antigo analisado, o Homo heidelbergensis, com cerca de 430 mil anos. O ADN dos fósseis encontrados em Sima de los Huesos (Atapuerca, Espanha), em 2010, foi analisado pela equipa de Matthias Meyer, do mesmo instituto que Svante Pääbo. A análise mostrou que existiam ligações aos denisovanos da Sibéria, mas também neandertais, colocando esta espécie como o ancestral de neandertais e humanos modernos.

Conseguir analisar ADN com 430 mil anos “é uma coisa fabulosa”, afirma Eugénia Cunha. “Porque é que é fabuloso? Quando Svante Pääbo começou a trabalhar nisto, no final dos anos 1990, nunca pensou ir buscar ADN a ossos tão antigos. E eu, quando comecei a dar aulas de evolução humana, nem sequer se pensava que era possível tirar ADN de um osso quanto mais de um osso tão antigo.”

O biólogo evolutivo Rui Diogo explicou como é que Svante Pääbo alcançou estes resultados. Pode ouvir a entrevista completa em Resposta Pronta da rádio Observador.

Svante Pääbo “incrivelmente conseguiu ADN de neandertais”

Primeiro, o investigador da Universidade de Munique pegou nas mitocôndrias de neandertais e estudou o seu ADN. As mitocôndrias são pequenas estruturas (organelos) dentro das células responsáveis, entre outras coisas, pela produção da energia que a célula precisa para funcionar. As mitocôndrias têm um ADN próprio, ainda que seja uma pequena fração do ADN das células, mas existem em grande quantidade. Isso foi o suficiente para mostrar que os neandertais eram diferentes dos chimpanzés e dos humanos modernos.

Depois, já no Instituto Max Planck, encetou o desafio de encontrar material genético no núcleo das células e analisá-lo. Uma coisa simples nos dias de hoje: qualquer pedaço de pele ou tecido humano terá centenas ou milhares de células, mas no caso dos hominíneos extintos era preciso encontrar esse ADN intacto no interior dos ossos fossilizados. O que não é uma tarefa fácil. Mas a equipa de Pääbo conseguiu e, em 2010, publicou o primeiro genoma completo de um neandertal.

“As análises comparativas mostraram que as sequências de ADN dos neandertais eram mais semelhantes às sequências de humanos modernos originários da Europa ou da Ásia do que às sequências de humanos modernos originários de África.”
Assembleia do Nobel no Instituto Karolinska

A antropóloga portuguesa destaca a importância do trabalho do pai da paleogenómica, não só no desenvolvimento das técnicas que permitiram as descobertas, mas também na formação de equipas e na captação de financiamento. Sobre os avanços na Antropologia ilustra ainda o que “era impensável há muito poucos anos”: é possível encontrar e sequenciar ADN humano em sedimentos ou em objetos onde estes humanos primitivos tenham tocado. Além do ADN, também possível extrair proteínas e analisar o proteoma de alguns fósseis, que se podem preservar durante mais tempo do que o material genético.

O pai da paleogenómica começou a investigar ADN de múmias às escondidas

Svante Pääbo nasceu em Estocolmo (Suécia), a mesma cidade onde esta segunda-feira foi anunciado o prémio Nobel da Medicina, que recebeu sozinho — em 113 prémios e 225 laureados, apenas 40 (incluindo Svante Pääbo) receberam este prémio individualmente. O pai de Pääbo, Sune Bergström, por exemplo, partilhou o prémio Nobel da Medicina de 1982 (pela descoberta relacionadas com as prostaglandinas) com outros dois investigadores: Bengt I. Samuelsson e John R. Vane.

Nascido em 1955, de mãe química, Karin Pääbo, e pai bioquímico, Pääbo também dedicou a sua educação superior e carreira profissional à ciência. O investigador mostrou-se desde muito cedo interessado em egiptologia e, às escondidas, no laboratório onde trabalhava, chegou a sequenciar o genoma de múmias. Um trabalho que lhe mostrou o quão difícil era trabalhar com ADN antigo.

Mas Svante Pääbo não desistiu, estava determinado a usar técnicas de análise genética modernas em ADN antigo, incluindo dos neandertais. Entrar na equipa Allan Wilson, pioneiro no campo da Biologia Evolutiva, na Universidade da Califórnia, deu-lhe o impulso que precisava para aperfeiçoar as técnicas e chegar aos resultados que, esta segunda-feira, a Academia do Nobel laureou.

Enquanto investigador na Universidade de Munique conseguiu sequenciar o genoma das mitocôndrias das células de neandertais. Depois, no Instituto Max Planck, fez a leitura completa do genoma destes humanos, conseguindo replicar quantidades muito pequenas de ADN e eliminando a potencial contaminação com ADN de outras espécies. Uma ferramenta importante para este trabalho foi a invenção da técnica PCR — que tantas vezes ouvimos falar durante a pandemia de Covid-19 —, inventada nos anos 1980 e que valeram um prémio Nobel da Química, em 1993, a Kary Mullis.

A estudo do genoma de duas espécies de humanos extintos — os neandertais e os denisovanos — e a comparação com os humanos modernos deu vida a uma nova área científica, a paleogenómica, pelas mãos de Svante Pääbo e das equipas que foi integrando neste trabalho. Estas descobertas não só permitem representar melhor a evolução humana, como explicam algumas das características fisiológicas dos humanos modernos e podem ter implicações na Medicina.

Svante Pääbo viu o trabalho de décadas ser reconhecido com o prémio Nobel da Medicina 2022, como já havia sido por prémios anteriores — sendo o prémio Breakthrough em Ciências da Vida de 2016 apenas um exemplo.

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