Tudo dividiu Rui Rocha e Mariana Mortágua no único debate desta quinta-feira. Acesso ao crédito, impostos, saúde (com o futuro do SNS sobre a mesa), nacionalizações (ou “controlo público”, como prefere chamar o Bloco) colocaram em dois pontos opostos os líderes do BE e da IL, como seria de esperar.
Rui Rocha começou por dizer que as propostas do Bloco de Esquerda para a habitação são “inviáveis” e pediu as contas para a proposta bloquista de casas a preços acessíveis que Mariana nunca deu. Mariana Mortágua insistiu que o problema está nos que procuram casa em Portugal não para viver, mas para “bem de luxo para férias”, e sugeriu uma exceção (ao mercado livre europeu) como tem Malta e Dinamarca. Depois, na questão dos impostos, Mortágua acusou a IL de só quer “dar cheques ao privado” e “não suportar mexer nos lucros da especulação” e ainda de dar “uma borla de 2,2 mil milhões de IRC à banca, cortando-lhe metade dos impostos”. Rocha contestou com uma das bandeiras liberais: “Lucros privados, prejuízos privados”, recordando os 20 mil milhões de euros injetados nos bancos e apontando que se está a “enfiar dinheiro dos contribuintes quando corre mal e a asfixiar quando corre bem”.
Depois, o líder da Iniciativa Liberal atacou o Bloco por “anestesiar a saúde e bloquear a economia”, dizendo que só há quatro referências a crescimento económico no programa bloquista, e acusou Mortágua de ser “corresponsável” pela “governação do país”. E Mariana Mortágua respondeu com o sistema “mais caro e pior” do que SNS defendido por Rui Rocha.
Esta sexta-feira há dois debates: entre Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua, na RTP, às 20h30. E entre André Ventura e Rui Tavares, na SIC Notícias, às 22h00. Pode ver o calendário completo de todos os debates neste gráfico.
Quem ganhou cada um dos debates? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos por cada um dos frente a frente. E explicar porquê. A soma vai surgindo a cada dia, no gráfico inicial.
Rui Rocha (IL)-Mariana Mortágua (Bloco)
Ana Sanlez — Um debate vivo, acirrado, que não envergonhou apoiantes de nenhum dos dois candidatos. É bastante provável que ambos tenham saído do debate a cantar vitória. Ao contrário do que tem acontecido noutros confrontos, foi possível ouvir as propostas de ambos e a respetiva desconstrução pelo adversário, o que já é refrescante. Rui Rocha e Mariana Mortágua orbitam em universos diferentes, mas têm argumentos plausíveis que sustentam as suas medidas, dentro de cada ideologia. Mariana Mortágua foi eficaz ao atacar o mantra da IL de “deixem o mercado funcionar” e até na questão do controlo de empresas públicas por parte do Estado, uma proposta mais escorregadia, conseguiu ser convincente. Rui Rocha teve argumentos sólidos na habitação e na saúde, e ainda deve estar a auto-congratular-se pela tirada de que “o Bloco quer distribuir pobreza”.
Alexandra Machado — A visão que têm é diferente e por isso o guião não podia ser diferente do que foi no debate. Mariana Mortágua ainda tentou uma postura como a utilizada com outros políticos nestes debates – “vai ter de me deixar falar” (correu-lhe mal porque nessa altura Mariana Mortágua estava com oito minutos de tempo utilizado contra cinco de Rui Rocha) – mas não era necessário. Houve interrupções mas não demasiadas. Afinal de contas é um debate. Mais uma vez um debate centrado apenas na saúde, impostos e habitação. Dois temas à medida de Mortágua, um mais à medida de Rocha. Defender as suas ideias de forma competente. É o que se pode dizer. Rocha fez bem em deixar cair a frase feita com que começou os primeiros debates. Mortágua bem a falar dos preços das casas de Braga, onde Rocha concorre como cabeça de lista. Rocha bem a argumentar porque a CGD tem lucros e entrega dividendos chorudos – funciona pelas regras dos privados. No final é o mercado! O mercado livre ou o mercado intervencionado. Mas Mariana Mortágua escusava de ter criticado a IL pela proposta no programa de contratar um funcionário público apenas por cada dois que saiam por aposentações. É que até 2020, onde se incluem os orçamentos da geringonça, essa mesma política estava lá.
Filomena Martins — Cada um a vender a sua visão para o País, que não podia ser mais oposta. E nesse papel, a de usar o tempo de antena disponível, estiveram ambos aguerridos e capacitados para qualquer Speakers’ Corner mundial: mas sem conseguir conquistar nenhum voto que não o do seu eleitorado. De um lado, mais estado e regulação. Do outro, mais mercado e liberalização. A estratégia em relação ao adversário também foi semelhante: descontruir e desmontar as propostas adversárias. E foi aqui que Mariana Mortágua ficou ligeiramente atrás: começou a perder na habitação, quando nunca conseguiu a explicar as contas que Rui Rocha lhe fez para a proposta de mais 80 mil casas a preços acessíveis, recuperou ligeiramente na parte dos impostos e no corte de lápis em que Rocha faz fé, empataram quando nenhum explicou o milagre do crescimento económico em que ambos fazem fé, mas ela deitou tudo a perder na Saúde. Ter recuperado o caso da avó já tinha sido um risco, vai assombrá-la toda a campanha. Mas insistir que a PPP do hospital de Braga foi um fracasso, é uma falácia. Comprovada. Foi fácil ao líder da Iniciativa Liberal lembrar-lhe que foi considerado o melhor hospital do país.
Pedro Jorge Castro — Quentinho, quentinho, quentinho este debate, uma maravilha para quem gosta de um bom confronto político. Ambos muito acutilantes, ambos ao ataque, mas ambos impreparados em pontos-chave. A líder do Bloco esteve melhor a apontar limitações do mercado na habitação, mas não foi convincente a apresentar as suas propostas para resolver e estampou-se a insistir na definição dos juros da Caixa e na proibição de venda de casas a não residentes (que não é legal). Foi demagógica mas eficaz a apontar beneficiários das borlas fiscais. Rui Rocha foi eficaz a apontar inconsistências da adversária, mas não explicou bem onde corta no Estado para compensar a baixa de impostos. Esteve melhor a defender as PPP da Saúde, a co-responsabilizar o Bloco pelo que não funciona e a perguntar em que país é que o seu modelo económico resulta. Obviamente nenhum roubou votos ao outro, não disputam o mesmo eleitorado. Ganha Mariana Mortágua, por se notar um pouco melhor o traquejo, e por ser quem tirará maiores dividendos deste duelo. Se é indiferente votar PS, Bloco ou PCP, é Mariana Mortágua quem vai capitalizar mais com os debates entre os indecisos, pois tem estado melhor que Pedro Nuno Santos e muito acima de Paulo Raimundo. Rui Rocha enfrenta mais concorrência do voto útil na AD e do apelo do Chega — e da sombra de Cotrim.
Miguel Santos Carrapatoso — Fossem todos os debates como este e talvez não tivessem uma fama tão injusta. Rui Rocha e Mariana Mortágua foram a jogo com medidas quase antagónicas e, para lá de alguma demagogia de parte a parte, conseguiram discutir ideias. Depois, sendo líderes de partidos com agendas tão radicais, é normal que a discussão se torne um bocadinho excêntrica quando aperta. Rui Rocha incensa de tal forma o “mercado” que é incapaz de reconhecer que as coisas não correram particularmente bem na regulação do acesso à habitação. Mariana Mortágua adora tanto o Estado que não é capaz de compreender que o Serviço Nacional de Saúde não se salva com juras de amor. Rocha mantém tanta fé na redução de impostos que ainda não foi capaz de dizer onde vai buscar afinal os 5 mil milhões de euros de que precisa para os compensar – e a conversa de cortar nas gorduras do Estado é muito 2013. Mortágua tem tantos preconceitos em relação à descida de impostos que vê em tudo uma borla fiscal para os tenebrosos multimilionários que pululam por aí. Caberá a quem estiver interessado escolher qual dos projetos terá mais adesão à realidade. Quanto à forma, Rocha mantém o aborrecido tique de fazer longos comícios com lugares-comuns; Mortágua continua com o irritante hábito de se queixar de estar a ser interrompida – alguém devia avisar a coordenadora bloquista de que isso só resulta se não interromper sistematicamente o adversário. Mas, no essencial, os dois estiveram a bom nível e marcaram pontos junto dos respectivos eleitorados. Era o objetivo que tinham e cumpriram.
Pode ver aqui as notas dos debates desta segunda-feira, terça-feira e quarta-feira.
Pode ver aqui as notas dos debates da primeira semana: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo.