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Líderes do G7 estão reunidos em Cornualha, em Inglaterra. China, Covid-19 e alterações climáticas são os principais tópicos na agenda

POOL/AFP via Getty Images

Líderes do G7 estão reunidos em Cornualha, em Inglaterra. China, Covid-19 e alterações climáticas são os principais tópicos na agenda

POOL/AFP via Getty Images

O G7 “voltou às origens”, mas será que ainda tem um papel decisivo?

Já representou 80% do PIB mundial, hoje não vai além de 40%. Há quem tenha decretado o seu fim e quem ache que deve ser alargado a D-10. Com o “regresso do multilateralismo”, o G7 ainda faz sentido?

Ao contrário do que aconteceu em Biarritz (França), há dois anos, naquela que foi a última cimeira do G7, é praticamente certo que, desta vez, os líderes dos países mais industrializados do mundo vão emitir um comunicado conjunto no final do encontro que começou esta sexta-feira em Cornualha, no sudoeste de Inglaterra, dando sinais ao resto do mundo quanto ao rumo da política económica e transnacional para o futuro. Tal, no entanto, pode não ser suficiente para convencer o mundo de que o formato atual do G7 ainda é o mais adequado tendo em conta o contexto geopolítico atual.

Entre os membros do G7, particularmente os países europeus e a União Europeia (que, apesar de não ser membro, está representada na cimeira), reina o otimismo com a Administração Biden e consequente “regresso do multilateralismo”, conforme o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, fez questão de reforçar esta sexta-feira, fazendo eco das palavras de outros líderes europeus ao longo dos últimos dias. Depois de um período de quatro anos da presidência de Donald Trump, em que os aliados tradicionais de Washington foram postos à margem, há um certo alívio e uma confiança redobrada no futuro.

Mas, além do otimismo, há também a noção da importância de uma reunião que, segundo alguns analistas, é a mais importante desde o primeiro encontro do G7 em 1975, tendo em conta as crises e desafios que as democracias enfrentam atualmente — desde as alterações climáticas à pandemia de Covid-19, passando pelo crescimento da influência de regimes autoritários como a China ou a Rússia.

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Perante estes cada vez mais complexos desafios à escala mundial, a discussão sobre a importância do G7 voltou a animar os dias que antecederam a cimeira, regressando discussões antigas sobre se ainda faz ou não sentido a existência do grupo composto por Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido, França, Itália e Alemanha — grupo esse que, desde 2014, deixou de contar com a participação da Rússia, expulsa após a anexação da Crimeia.

"Em 1975, o G7 podia comandar a economia internacional, mas hoje é um grupo de vanguarda, sem a capacidade para fazer aquilo que o G20 deveria conseguir fazer mas não consegue”
Carlos Gaspar, investigador do IPRI Universidade Nova de Lisboa

Com Joe Biden no lugar de Trump, que nas últimas cimeiras tentou, em vão, forçar o regresso da Rússia ao grupo, e com o “fim da fantasia” de contar com Moscovo (mas também com Pequim), Carlos Gaspar, professor catedrático de Relações Internacionais, considera que o G7 ”voltou às suas origens”, embora o contexto, hoje, seja muito diferente comparativamente ao da formação do grupo na década de 1970.

“O G7 já não é o que era em 1975, quando representava 80% do produto interno bruto (PIB) mundial. Hoje, representa 40%”, afirma ao Observador o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) da Universidade Nova de Lisboa. “Isso significa que, em 1975, o G7 podia comandar a economia internacional, mas hoje é um grupo de vanguarda, sem a capacidade para fazer aquilo que o G20 deveria conseguir fazer mas não consegue”, sublinha o investigador.

Joe Biden à procura de aliados — e de um novo G7

A ascensão de outras instituições internacionais, nomeadamente o G20 (que, além dos membros do G7, inclui países como a China, a Índia, a Rússia ou o Brasil), é, de resto, apontado como um dos argumentos que levam a questionar a relevância do grupo dos sete no contexto atual. De acordo com o think tank Council on Foreign Relations, com sede nos Estados Unidos, os países do G20 são responsáveis por 80% do PIB a nível mundial e compõem três quintos de toda a população do mundo.

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Mas, se por um lado o G20 assumiu um papel importante durante a crise económica de 2007 e 2008 e as suas cimeiras têm permitido o estabelecimento de metas a nível global, por outro, nos últimos anos, devido sobretudo à heterogeneidade dos países que o compõem e aos interesses contraditórios entre os seus membros, o G20 também não tem conseguido ser eficaz, à semelhança do que tem acontecido com o G7.

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Independentemente das divergências dentro do seio do G20, conforme escreve no Politico Renata Dwan, vice-diretora do think tank Chatham House, “já não é o G7, mas sim o G20, no qual a China participa, que agora funciona como principal fórum para a cooperação económica internacional”. Além disso, acrescenta a analista, mesmo medidas consideradas como um sucesso — como a aprovação, na semana passada, do imposto mínimo de 15% às grandes empresas — “vão depender, em última instância, do acordo desse grupo muito maior e muito menos democrático”.

"O G7, na sua formulação atual, não tem razão de ser, e deve ser substituído por um grupo mais representativo de países”, defenderam, em 2018, os analistas Jim O’Neill e Alessio Terzi

Perante este cenário, qual o futuro para o G7? É uma das questões que tem sido feita ao longo do tempo, e que levou mesmo a especulações, durante a presidência Trump, de que o grupo deixaria de se reunir. O fim do G7 foi, aliás, declarado num famoso artigo publicado em 2018 pelos analistas Jim O’Neill e Alessio Terzi que afirmavam que o “G7, na sua formulação atual, não tem razão de ser, e deve ser substituído por um grupo mais representativo de países”.

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Os autores do famoso artigo intitulado “o G7 está morto, longa vida ao G7” defendiam mudanças de fundo no grupo, nomeadamente a entrada da União Europeia (e saída de França, Alemanha e Itália), a substituição do Canadá pelo Brasil, e as entradas da China e da Índia. O novo grupo seria conhecido como “G7+ e proporcionaria liderança e tomada de decisões num ritmo acelerado sobre questões económicas e financeiras de relevância global”, não substituindo, no entanto, o G20, “que continuaria a ser um local importante para a discussão de questões que exigem maior representatividade”, defenderam O’Neill e Terzi.

epa09060960 Chinese President Xi Jinping attends the second plenary session of the National People’s Congress (NPC) at the Great Hall of the People, in Beijing, China, 08 March 2021.   China holds two major annual political meetings, The National People’s Congress (NPC) and the Chinese People's Political Consultative Conference (CPPCC) which run alongside and together known as 'Lianghui' or 'Two Sessions'.  EPA/ROMAN PILIPEY

Crescimento e expansão da China, liderada por Xi Jinping, constituiem o maior desafio aos países do G7

ROMAN PILIPEY/EPA

A possibilidade da entrada da China no grupo, no entanto, tem levantado muitas objeções e, por isso, tem vindo a ganhar força um conceito inicialmente defendido em 2008: a ideia de criar um grupo com as dez maiores democracias do mundo, que seria conhecido como D-10. O conceito foi apresentado por David Gordon e Ash Jain, que em 2008 pertenciam à equipa do Departamento de Estado norte-americano.

“Um D-10 refletiria a crescente importância do Indo-Pacífico, garantindo que aliados influentes, como a Austrália, a Coreia do Sul e possivelmente a Índia, estariam na mesa”
David Gordon e Ash Jain, defensores de um grupo com as maiores democracias do mundo

Treze anos depois, a ideia de D-10 não só não desapareceu, como continua a ser debatida e ganhar relevância na discussão. Num artigo de opinião publicado esta sexta-feira no The Hill, intitulado “Esqueçam o G7 — Biden precisa de um D-10 para juntar as democracias”, David Gordon e Ash Jain recuperaram o conceito que desenvolveram em 2008 e apresentaram-no, em 2021, como mais importante do que nunca, uma vez que, “pela primeira em mais de três décadas, os Estados Unidos e os seus aliados enfrentam um desafio sistémico por parte de rivais autocratas”.

“A ideia é reunir as principais democracias do mundo para elaborar uma agenda estratégica comum sobre desafios partilhados, incluindo aqueles colocadas pela China e pela Rússia”, escrevem Gordon e Jain, considerando que “um D-10 refletiria a crescente importância do Indo-Pacífico, garantindo que aliados influentes, como a Austrália, a Coreia do Sul e possivelmente a Índia, estariam na mesa”.

No entanto, a ideia de um grupo com as maiores democracias no mundo não é consensual entre os membros do G7. Se, à partida, Estados Unidos e Reino Unido parecem estar na linha da frente na defesa desta solução, os países europeus tendem a resistir por encararem um eventual D-10 como um bloco anti-China (sendo que Pequim é um parceiro económico muito importante para Bruxelas, e particularmente para Berlim, que tem na China o seu principal mercado de exportação).

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Além disso, o Japão também tem algumas reservas à entrada da Coreia do Sul, enquanto a Índia levanta também alguns debates quanto à sua entrada — há analistas que defendem a exclusão da Índia, e a entrada da União Europeia enquanto bloco, não sendo descartada a entrada de países como a África do Sul ou o Brasil.

O desafio colocado pela China e o convite a quatro países

Enquanto permanecem as divisões (e indecisões) sobre o futuro do G7, ou sobre que modelo o poderá, eventualmente, substituir, a cimeira deste fim de semana, que tem o Reino Unido como anfitrião, trouxe novidades importantes no sentido de o grupo das sete democracias se querer aproximar de outros países. O convite feito à Coreia do Sul, à Austrália, à África do Sul e à Índia para participarem na cimeira é um sinal disso.

“Há aqui uma evolução, no sentido de criar uma instituição onde a unidade dos regimes e dos valores políticos é crucial para ponto de partida para aquilo que é preciso fazer num quadro do G7”, destaca Carlos Gaspar, sublinhando que “o critério do regime político é decisivo”. E isso é uma novidade. “As não democracias não são convidadas como foram no passado, e isso implica uma mudança radical no paradigma internacional. Até há relativamente pouco tempo, os Estados Unidos e as potências ocidentais entendiam que era possível integrar todos os Estados na economia internacional. Chamava-se globalização. Isso acabou”, reitera o investigador do IPRI.

Os tópicos que vão marcar a agenda da cimeira, de resto, parecem exigir uma discussão mais alargada. Em Cornualha, os líderes políticos vão ser confrontados com a necessidade de serem mais ambiciosos a definirem metas no combate às alterações climáticas, e a pandemia de Covid-19 vai, igualmente, assumir um papel chave durante as reuniões, com uma enorme pressão para que os membros do G7 apresentem um projeto para um plano de vacinação a nível global, diminuindo a disparidade entre países ricos e pobres.

“O G7 quer definir uma esfera económica e tecnológica separada para o conjunto das democracias industriais, com os seus próprios modelos de governação e as suas próprias regras, certamente menos dependentes da China”
Carlos Gaspar, professor de Relações Internacionais

Mas, se estes dois temas vão ocupar um lugar importante durante a cimeira, restam poucas dúvidas de que o principal assunto na agenda — e que mais importância tem para Joe Biden — é a ameaça colocada pela China.

“O G7 quer definir uma esfera económica e tecnológica separada para o conjunto das democracias industriais, com os seus próprios modelos de governação e as suas próprias regras, certamente menos dependentes da China e de outros países que sejam considerados competidores estratégicos pelos países do G7”, antevê Carlos Gaspar. “A visão de Joe Biden é estruturar uma coligação democrática com um pilar americano, um pilar europeu, um pilar asiático e um pilar africano”, remata o professor catedrática de Relações Internacionais, notando que a escolha dos países convidados a participar na cimeira prende-se precisamente com a questão da China.

Nesse sentido, é expectável que o G7 insista na discussão sobre como conter as ambições da China, nomeadamente através da Nova Rota da Seda (conhecida como Belt and Road Initiative), criada por Pequim. Além disso, é esperada também uma condenação à violação de direitos humanos da minoria muçulmana uigur na província chinesa de Xinjiang, bem como à repressão da oposição pró-democracia em Hong Kong.

Buildup To June's G7 Summit In Carbis Bay

Eleição de Joe Biden foi recebida com alívio na UE, conforme já o afirmaram, entre outros líderes europeus, Macron e Von der Leyen

Getty Images

Num rascunho do comunicado final divulgado pela Bloomberg, além do compromisso com a doação de mil milhões de doses da vacina contra a Covid-19 ou de maior investimento no combate às alterações climáticas, deverá também constar um apelo à Organização Mundial da Saúde (OMS) para uma nova investigação “livre de interferências” sobre a origem do coronavírus, uma medida que promete enfurecer Pequim.

“A questão-chave em Cornualha é saber se o G7 consegue encontrar outras iniciativas práticas que vão além de slogans bem intencionados sobre vacinar o mundo, zero emissões de gases ou comércio livre e justo”
Gideon Rachman, colunista do Financial Times

Todos estes temas fazem com que a cimeira do G7, que começou esta sexta-feira e se prolonga até domingo, assuma uma enorme importância comparativamente às de anos anteriores, e poderá ser encarada como um barómetro para aferir a relevância que o grupo ainda tem nos dias que correm e até para antever futuras mudanças, que parecem inevitáveis perante um mundo em rápida transformação.

“Uma cimeira do G7 bem-sucedida pode revigorar a ideia de que o Ocidente pode fornecer uma liderança global em alianças com outras democracias na Ásia e no resto mundo”, escreveu o colunista do Financial Times Gideon Rachman, considerando que a cimeira destes três dias vai “enviar uma mensagem indireta para a China”, mas também testar a capacidade do G7 passar das palavras aos atos.

“A questão-chave em Cornualha é saber se o G7 consegue encontrar outras iniciativas práticas que vão além de slogans bem intencionados sobre vacinar o mundo, zero emissões de gases ou comércio livre e justo”, remata o veterano jornalista especializado em questões de política externa.

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