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Evening Standard/Getty Images

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O leite faz mal ou é um alimento obrigatório? Fomos ver o que diz a ciência

O consumo de leite caiu um milhão de litros/ mês. É moda dizer mal do leite? Faz mesmo mal, ou é um alimento obrigatório? O que diz a ciência no desempate entre detractores e defensores do leite?

De um lado, aqueles que defendem a ingestão de três canecas de leite por dia como se fosse a grande solução alimentar, do outro, os que demonizam o leite alegando um sem número de problemas de saúde. Nenhum dos extremos está absolutamente correto, mas mesmo assim a indústria tem assistido a uma queda no consumo de leite desde 2008.

Só em 2017, bebeu-se menos um milhão de litros de leite por mês (35,5 milhões de litros) do que em 2016 (36,8 milhões de litros), segundo uma notícia avançada pelo Jornal de Notícias. A Associação Nacional da Indústria dos Laticínios fala em “campanhas difamatórias do leite sem fundamentação científica”. Certo é que os produtos alternativos — que até têm aumentado as vendas — valem-se das designações dos lacticínios para se inserirem no mercado, como os “leites” vegetais ou os cremes vegetais com sabor a manteiga.

O Observador quis perceber que evidências científicas existem para validar ou refutar os argumentos usados por um e outro lado da barricada.

A nova Roda dos Alimentos recomenda a ingestão de duas a três porções de laticínios por dia, seja leite, queijo ou iogurtes — adaptado de Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável/DGS

Somos o único mamífero que bebe leite na idade adulta

Este será, provavelmente, o argumento mais vezes repetido entre aqueles que defendem que os humanos não deveriam consumir leite. Mas para muitos especialistas e defensores do consumo de leite, não chega sequer a ser um argumento. Os humanos são os únicos mamíferos a comer batatas fritas, carne grelhada ou peixe cozido. “Também somos a única espécie que conduz automóveis, que usa equipamentos eletrónicos, que usa roupa, que é religiosa”, acrescenta Gustavo Tato Borges, médico de Saúde Pública. “O facto de sermos os únicos não significa que não nos seja vantajoso.”

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Dizer que somos o único mamífero que bebe leite de outra espécie também não estará absolutamente correto. Tirando os “casos domésticos” de cadelas que amamentam ninhadas de gatos, há pelo menos um caso “oficial”, o do zoo tailandês que colocou uma porca a amamentar crias de tigre e uma fêmea de tigre a amamentar leitões. De resto, é fácil entender que o leite de outra espécie não é um alimento que esteja facilmente acessível a outros animais, assim como não esteve para o homem durante muito tempo.

“O facto de sermos os únicos [mamíferos a consumir leite na idade adulta] não significa que não nos seja vantajoso.”
Gustavo Tato Borges, membro da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública

Ser capaz de ingerir (e tolerar) leite na idade adulta foi uma característica que evoluiu múltiplas vezes e de forma independente na Europa, em África e no Médio Oriente. Esta mutação genética aparece associada no tempo à domesticação dos animais e ao consumo de leite pelos povos primitivos. E parece ter conferido uma vantagem para quem a possuía, como nas alturas de escassez de alimentos, no intervalo entre culturas de cereais ou durante os períodos de seca (quando faltava água para beber), refere um artigo publicado pela The Royal Society Publishing.

O leite de vaca é feito para alimentar bezerros

“Sim, o leite de vaca está preparado para transformar um vitelo em adulto, fornecendo-lhe os nutrientes que ele necessita para crescer, diferindo, no seu conteúdo nutricional, do leite humano”, confirma Gustavo Tato Borges, membro da direção da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. “No entanto, essas diferenças nutricionais não são nefastas ao ser humano, não sendo motivo de preocupação.”

O leite é um alimento rico em nutrientes. Ainda que se possa alegar que muitos destes nutrientes, incluindo o cálcio, podem ser encontrados noutros alimentos, o principal alvo dos ataques ao leite é a presença de lactose. O que é raramente referido é que a lactose existe tanto no leite de vaca como no leite humano.

Sim, o leite tem lactose, e ainda bem, como explica Conceição Calhau, professora na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. “A sua presença no leite tem significado nutricional para os humanos, uma vez que promove a absorção de cálcio e de fósforo no intestino e atua como agente anti-raquítico.”

A enzima lactase degrada o açúcar lactose nos seus dois componentes: galactose e glicose — Telliott at English Wikipedia

A lactose é o açúcar do leite e precisa da presença da enzima intestinal lactase para se dividir nas suas moléculas mais simples: galactose e glicose. “A galactose é necessária para a síntese de tecidos conjuntivos, cartilagens e, sobretudo, cerebrosídeos (lípidos presentes nas membranas dos neurónios)”, acrescenta a investigadora no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (Cintesis). Ou seja, a galactose é essencial na formação do sistema nervoso.

A necessidade de ingestão de galactose é particularmente importante durante os primeiros anos de vida, porque o organismo ainda não tem maturidade suficiente para fabricar galactose a partir da glicose. Na idade adulta, a ingestão de galactose deixa de ser importante para o adulto, mas Conceição Calhau salienta a importância que tem na ingestão de cálcio e fósforo.

A especialista em nutrição e metabolismo acrescenta: “Nada poderá indicar que não digerimos o leite por ser de vaca. Não podemos esquecer que quem come carne também ingere fontes de proteínas de outros animais, e não se levanta esta questão”.

O perigoso mundo das alergias alimentares

Todas as pessoas deveriam consumir leite?

Nem todas, nem sequer a maioria. Para ser capaz de beber leite, digeri-lo e sentir-se bem com esse consumo, o ideal é que fabrique a enzima lactase, capaz de quebrar as ligações da lactose. Ora, apenas 35% da população mundial é capaz de o fazer.

Alergia ao leite

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Outro problema associado ao leite é a alergia à proteína do leite. Sob o risco de ter uma resposta imunitária extrema, os indivíduos devem evitar todos os laticínios e produtos alimentares que possam conter derivados ou vestígios de leite. Mas isto é uma situação completamente diferente da intolerância à lactose.

Não é verdade que um adulto com intolerância à lactose possa morrer disso, mas dependendo do grau de intolerância (e da quantidade de lactose que atravessa o sistema digestivo sem ser digerida) pode experimentar indisposição, inchaço, flatulência ou diarreia. O único caso grave de intolerância à lactose acontece nos recém-nascidos que nascem sem a enzima e que podem ter problemas sérios, mesmo com a ingestão de leite materno. Este é, no entanto, um problema raro, segundo Conceição Calhau.

Ainda que a prevalência de adultos com capacidade de fabricar lactase seja reduzida em termos mundiais, a sua distribuição é muito variável. Basta olhar para a Europa em que a frequência de indivíduos tolerantes pode variar entre 15 e 54% nas populações no leste e sul da Europa até 62 a 68% nas populações da Europa central e ocidental. Já as ilhas britânicas e a Escandinávia podem ter entre 89 e 96% de tolerância.

Mesmo entre quem não produz a enzima, a variabilidade dos efeitos é grande. Há quem não consiga sequer comer queijo, outros que conseguem tolerar os iogurtes e ainda quem consiga beber leite sem problemas. Está ainda por descobrir se algumas bactérias do intestino podem ajudar neste último caso.

Estimativa da frequência de indivíduos tolerantes à lactose por área — dos menos tolerantes (azul) aos mais tolerantes (vermelho) — University College London

O leite é um alimento completo?

“O leite é dos alimentos mais completos, mas nem o leite nem nenhum outro alimento chega perto de ser completo”, diz Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. Pelo menos para adultos. “No caso do lactente, é um alimento completo.”

O nutricionista não defende nem a promoção excessiva dos alimentos, nem a sua demonização. O importante é que cada pessoa ingira alimentos diversificados para poder suprir todas as suas necessidades nutricionais. Nuno Borges dá o exemplo do leite em termos de calorias: para ingerir as 2.100 calorias diárias necessárias (em média), seria preciso beber cinco litros de leite magro, com a desvantagem de que não se ingeria qualquer fibra.

Mas o leite tem outras característica nutricionais interessantes, refere o professor, a começar pelas “proteínas de grande valor biológico”. Depois, o cálcio: o leite tem uma grande quantidade de cálcio fácil de absorver pelo organismo (biodisponível). Existem outros alimentos com cálcio, como os produtos hortícolas, que também têm boas quantidades de cálcio, mas não estão tão biodisponíveis.

Outra característica que chegou a ser muito importante no leite era a quantidade de gordura, sobretudo numa altura em que a ingestão de alimentos era deficiente. Agora, a presença de gordura é dos elementos menos apreciado, a não ser pela quantidade de vitaminas associadas. As vitaminas, como as do complexo B (incluindo a B12), vitamina A e vitamina D (importante para a absorção de cálcio) são outro dos fatores de valorização do leite.

“Como alimento, em qualquer fase da vida, é uma importante fonte de cálcio e fósforo e de proteína de elevado valor biológico (alta qualidade)”, reforça Conceição Calhau. “Se precisamos de leite na vida adulta? Pois, se conseguirmos obter na dieta fontes de cálcio e de outros nutrientes existentes no leite, poderemos não ter leite na dieta e não ter prejuízo com isso, mas será uma opção.”

A investigadora, que se tem dedicado à monitorização do estado nutricional de iodo em crianças em idade escolar, acrescenta ainda outra informação: “Encontramos maior prevalência da deficiência iodo nas crianças que bebem menos leite”. O consumo de leite foi, segundo Conceição Calhau, a variável que mais fortemente se associou com o iodo: quanto maior o consumo de leite, menor a deficiência em iodo, uma vez que o leite é fonte deste nutriente.

“Se conseguirmos obter na dieta fontes de cálcio e de outros nutrientes existentes no leite, poderemos não ter leite na dieta e não ter prejuízo com isso, mas será uma opção.”
Conceição Calhau, professora na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa

As bebidas vegetais substituem o leite sem os malefícios?

Para as pessoas intolerantes à lactose, o leite sem lactose é um bom substituto, porque é em tudo o resto igual ao leite. As bebidas de soja também são relativamente equivalentes ao leite no que diz respeito ao teor proteico e aos níveis de cálcio, que também está facilmente disponível, refere Nuno Borges.

Já as restantes bebidas vegetais — aveia, arroz ou amêndoa, por exemplo — não são de todo equivalentes, alerta o nutricionista. O teor proteico é baixo: “Tem menos proteína do que o pão”. O teor é tão baixo que os autores citados pelo artigo da Food & Nutrition Research recomendam que os consumidores deveriam ser alertados para isso. Sobretudo depois de terem sido reportados casos de crianças com deficiências nutricionais severas por serem alimentadas à base destas bebidas.

Veganismo na infância? Sim, é possível

O teor de gordura é baixo, mas o conteúdo energético é maior do que o do leite, isto porque grande parte da energia se encontra sob a forma de açúcar. “Para mim é como uma Coca-cola. Logo, também deveria ser taxado [referência à proposta de taxa para refrigerantes e bebidas com alto teor de açúcar]”, diz Nuno Borges. Além disso, estas bebidas têm concentrações baixas de nutrientes essenciais como iodo, potássio, fósforo e selénio.

Não é rejeitado os potenciais efeitos que a soja, arroz, aveia ou amêndoas ao natural tenham na saúde, mas os mesmos não podem ser transpostos para as bebidas vegetais que foram sujeitas a todo o processo de fabrico e fortificação. Por todos motivos citados, não existem evidências científicas que demonstrem que é melhor, para a saúde, consumir bebidas vegetais do que leite, conforme refere o artigo Food & Nutrition Research.

O leite está repleto de antibióticos e outros contaminantes?

Os detratores do leite acusam a presença de todo o tipo de contaminantes no leite para justificar a sua não ingestão. Mas, ao mesmo tempo, acusam o leite de ser um alimento processado. Alguns movimentos menos extremistas aconselham que se houver ingestão de leite, que seja biológico.

Vamos por partes. É verdade que alguns contaminantes são lipossolúveis (solúveis nos lípidos) e, portanto, quando ingeridos pelas vacas podem ficar acumulados na gordura que, posteriormente, é mobilizada para o fabrico de leite. Daí que possa ser melhor ingerir leite biológico. Mas sobre se o leite biológico é melhor que o convencional, Nuno Borges não sabe dizer. Se ainda não estão demonstrados os efeitos do leite convencional, também não o estão para o leite biológico.

Sobre a contaminação, nomeadamente com as hormonas e antibióticos que são dados às vacas, o nutricionista desvaloriza. “Se há algum sítio em que estamos seguros é na Europa.” Para Nuno Borges o problema estará “numa sociedade menos controlada, em que o leite pode veicular coisas que não deve”, mas na Europa o nível de controlo é muito alto — mesmo em Portugal.

“Se há algum sítio em que estamos seguros é na Europa.”
Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto

“No que ao uso de antibióticos diz respeito, não parece haver vantagens em preferir o leite biológico ao de produção intensiva”, reforça Gustavo Tato Borges. Já em relação aos nutrientes, o leite de pastagem parece ter melhores características nutricionais. “A produção biológica obriga a uma dieta [das vacas] com uma percentagem significativa de alimentação por pasto, em vez de ração, o que parece tornar o leite mais rico e com melhores nutrientes”, diz o médico. “No entanto, existem produtores intensivos de leite que também fornecem pasto às suas vacas, logo há leite de produção intensiva que tem características nutritivas semelhantes aos de produção biológica.” O médico acrescenta ainda que, “mesmo quando apenas são usadas rações alimentares, o leite tem uma constituição nutricional benéfica”.

Além de confirmar que não tem hormonas, antibióticos ou contaminantes que possam causar danos no homem, os produtores de leite têm também de confirmar que o leite não tem bactérias. É por isso que existe a pasteurização, um processo de aquecimento e arrefecimento que permite matar ou incapacitar a maior parte das bactérias patogénicas que o mesmo pode conter. Este processo também permite que o leite não se degrade tão rapidamente. Apesar dos processos a que é sujeito o leite, Gustavo Tato Borges não hesita em afirmar que: “O leite não é um alimento processado”.

A ingestão de leite provoca a acidificação do sangue?

O organismo tem mecanismos próprios para se manter em equilíbrio, incluindo manter o pH ideal em cada um dos órgãos e sistemas. “Os mecanismos de regulação dos fluídos orgânicos são muitíssimo eficazes, caso contrário rapidamente entraríamos em colapso”, refere Nuno Borges. Imagine o que seria se de cada vez que comêssemos um determinado alimento ou bebêssemos um determinado líquido o pH do sangue se alterasse.

“A capacidade dos alimentos (leite incluídos) em alterar o pH do plasma ou de outro fluido orgânico é praticamente nula”, continua o nutricionista. “O que se pode alterar, isso sim, é o pH da urina, uma vez que este é um dos mecanismos de correção do pH endógeno.” Outro dos mecanismos é a respiração: “Respirar mais rápido ou mais devagar altera o pH”, exemplifica Duarte Torres, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.

Em relação à capacidade da alimentação alterar o pH do sangue, Duarte Torres diz que é possível, mas só numa situação limite. “Uma dieta muito rica em proteínas — muito acima do recomendado — e muito pobre em potássio, presente nos vegetais, pode levar a uma diminuição do pH do sangue, porque há uma diminuição da capacidade de excretar [eliminar] compostos de natureza ácida.” Mas assim que se retoma uma dieta equilibrada, o pH também é restabelecido.

Escala de pH do mais ácido, como o sumo de limão, ao mais básico, como a lixívia. O suco gástrico tem um pH próximo de 1, o vinagre perto de 3 e as uvas cerca de 5. Já o pH da água que bebemos é variável, mas próximo do neutro — Anatomy & Physiology, Connexions Web site

O leite evita a osteoporose e o risco de fraturas ósseas?

Se este efeito não está demonstrado, o oposto — que o leite provoca osteoporose e aumenta o risco de fraturas — também não. “Não há evidência sólida sobre o efeito do leite na saúde óssea dos adultos”, diz Nuno Borges. Já na saúde óssea de crianças e adolescentes os efeitos são claramente positivos.

“Verificou-se uma melhoria na mineralização dos ossos de crianças e adolescentes que consumiam leite em quantidades adequadas”, confirma o médico Gustavo Tato Borges. Mas tudo tem limites. “Há um limiar máximo, acima do qual beber mais leite não produz nenhum efeito na mineralização dos ossos.”

O cálcio é importante para a saúde óssea, mas não é o único fator a ter em conta, alerta o professor. A ingestão de vitamina D e a realização de exercício são fatores tão ou mais importantes. “Se ingerir 1.000 miligramas de cálcio e 15 microgramas de vitamina D, mas passar a vida em voos parabólicos [com simulação de gravidade zero], os ossos vão embora.” Outro fator importante para o desenvolvimento dos ossos é a ingestão de magnésio e este nutriente também está presente no leite.

“Não há evidência sólida sobre o efeito do leite na saúde óssea dos adultos.”
Nuno Borges, professor na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto

O nutricionista reforça que, apesar de o cálcio estar disponível no leite, em algumas bebidas vegetais e em produtos hortícolas, a maioria dos portugueses ingere menos cálcio do que devia. 47,6% das mulheres e 34,7% dos homens ingerem cálcio abaixo das necessidades, segundo o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física. A ingestão de vitamina D ainda está pior: 95,2% da população portuguesa ingere este nutriente abaixo das necessidades diárias.

E se a atividade física é essencial para a manutenção de uma boa saúde óssea vale a pena referir que, segundo o mesmo relatório, 43% dos portugueses com mais de 14 anos foram considerados sedentários. Apenas 27% dos adultos cumpre as atuais recomendações para a atividade física da Organização Mundial de Saúde, que desce para 22% se considerarmos só os idosos.

A ingestão de leite provoca obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares?

Antes de mais, Nuno Borges deixa uma chamada de atenção: a maior parte dos trabalhos publicados em relação aos efeitos do leite baseiam-se em observações e não em experiências com parâmetros controlados. Os resultados podem assim determinar se existe (ou não) uma associação entre os dois eventos — o consumo de leite e uma determinada doença, por exemplo —, mas não podem afirmar que o consumo de leite causa um determinado problema. Ainda assim, é possível reunir os vários artigos publicados numa determinada área e fazer uma análise mais conclusiva (ou não), com base em todos os dados disponíveis.

Em relação à diabetes tipo II os estudos ou não mostram qualquer efeito ou mostram um ligeiro benefício da ingestão de laticínios. Estes benefícios até podem estar mais associados aos produtos fermentados, como queijo ou iogurte, pelo efeito que têm nas bactérias presentes no intestino.

Associada ao aumento de diabetes tipo II aparece muitas vezes o aumento da obesidade, uma doença que pode acompanhar o indivíduo desde a infância. Tendo em conta que o consumo de leite é recomendado para crianças em idade escolar e disponibilizado nas escolas é importante referir que não foi encontrada associação com a adiposidade, não parecendo aumentar o risco de obesidade. Nos adolescentes foi mesmo encontrado um ligeiro aumento protetor, segundo um artigo de revisão publicado na Food & Nutrition Research.

Nos adultos verificou-se que a ingestão de laticínios pode ajudar na perda de peso, reduzindo a massa gorda e preservando a massa magra, em dietas com restrição calórica durante curtos períodos de tempo. Este efeito parece estar associado a uma maior sensação de saciedade do que, por exemplo, depois da ingestão de um sumo. Nas dietas mais prolongadas ou sem restrição calórica não foi observado o mesmo efeito benéfico, referem os autores de um artigo publicado na Advances in Nutrition.

A gordura do leite é um dos motivos de preocupação da ingestão deste alimento, mas mesmo os produtos gordos não parecem aumentar o risco de doenças cardiovasculares, nem tão pouco de colesterol LDL. Alguns trabalhos indicam que não há um aumento do risco, outros falam mesmo num efeito protetor, diminuindo o risco de hipertensão e acidente vascular cerebral (AVC).

A ingestão de leite provoca cancro?

Falar de cancro não é falar de uma doença, mas de várias. Depende do órgão, dos fatores de risco e do próprio indivíduo. Logo, é preciso separar o cancro nos seus vários tipos e perceber se, para cada um deles, existem efeitos do consumo de laticínios ou não.

Para afirmar que o leite ou os laticínios são um fator de risco para o desenvolvimento de cancro é preciso apresentar dados científicos que sustentem essa afirmação. Até à data, os resultados obtidos ou não mostram qualquer efeito ou apresentam efeitos muito modestos, tanto de risco como de proteção.

Para vários cancros, como cancro do ovário, cancro do pulmão ou cancro do pâncreas não parece existir qualquer associação, refere a revisão publicada no artigo da Food & Nutrition Research. A ingestão de laticínios parece ter um ligeiro efeito protetor no cancro colorretal — sobretudo nas mulheres —, no cancro da bexiga e no cancro da mama. O único cancro que até agora parece ter um aumento de risco pelo consumo de leite é o cancro da próstata, mas o efeito protetor contra o cancro colorretal ultrapassa este potencial aumento de risco.

“Os benefícios do consumo de leite parecem ser maiores que os prejuízos associados à sua restrição.”
Gustavo Tato Borges, membro da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública

Em geral, os investigadores não encontraram qualquer associação entre o consumo de laticínios e a mortalidade, seja devida a qualquer causa ou a uma causa específica. Boas notícias para os mais de seis mil milhões de pessoas para as quais o leite é um componente essencial da alimentação. Os laticínios têm um conjunto de nutrientes que são difíceis de obter numa dieta que exclua totalmente os produtos lácteos.

“Concluindo, e de acordo com a literatura científica, os benefícios do consumo de leite parecem ser maiores que os prejuízos associados à sua restrição, devendo ser um alimento consumido, de forma equilibrada, numa dieta saudável e em indivíduos não intolerantes ao leite de vaca”, termina o médico Gustavo Tato Borges.

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