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O país vai ficar um forno nos próximos dias. Mas não vai bater o recorde de calor de 2003: as razões e os conselhos

País não registará recordes este sábado, mas há zonas que chegarão aos 45ºC. Regiões sem fogos há anos são mais vulneráveis. Os conselhos sobre o que deve fazer para enfrentar as altas temperaturas.

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Portugal pode atingir no próximo sábado temperaturas próximas às do recorde em Portugal que foi registado no concelho da Amareleja em agosto de 2003. A fraca intensidade do anticiclone dos Açores e um centro de altas pressões atmosféricas no Oceano Atlântico, vai abrir alas a uma massa de ar quente vinda da dorsal africana que se movimentará facilmente para o interior da Península Ibérica, atingindo o território espanhol, o interior alentejano, a região de Castelo Branco e o sotavento algarvio, de Vila Real de Santo António até Loulé.

Será uma questão de tempo até que os 47,3ºC da Amareleja sejam ultrapassados em Portugal. Todos os anos a Europa experimenta o mesmo fenómeno que no próximo fim de semana vai elevar o mercúrio dos termómetros, mas a frequência das vagas de calor e a intensidade que atingem está a aumentar. E para os especialistas, não há dúvidas sobre o motor destes fenómeno: as alterações climáticas. E isso é mais claro para as ondas de calor do que para para outro fenómeno extremo, como as inundações.

As previsões do climatologista Mário Marques, fundador da iClimate Adviser, confirmam os avisos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), cujo último comunicado indicia que os termómetros devem rondar os 35ºC e 40°C no interior Norte e Centro e no Alentejo. Mas alguns pontos podem mesmo ultrapassar estas temperaturas: segundo o climatologista, o Algarve e o interior português podem mesmo chegar aos 45ºC durante o dia e não baixar dos 30ºC à noite.

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“Os dias mais quentes deverão ser sexta e sábado”

O país só não deve atingir os 47,3 °C registados na Amareleja há 18 anos, porque, nessa altura, a posição do anticiclone dos Açores não só injetava ar quente vindo do deserto do Saara para dentro da Europa, incluindo Portugal, como bloqueava as correntes de ar frio que viajavam de norte para sul. O centro de altas pressões atmosféricas, que circula no sentido dos ponteiros dos relógios, estendia-se desde o Açores até ao golfo da Biscaia, entrava em França, mergulhava no mar Mediterrâneo e atingia a Argélia, Tunísia e Marrocos.

Desta vez, a posição do anticiclone está diferente: abraça o norte do Atlântico até perto da Islândia, empurrando para sul uma massa de ar frio e húmido que ameniza as temperaturas promovidas pela língua de calor vinda do deserto do Saara. Assim, mesmo com temperaturas próximas dos 40ºC e a atingir os 45ºC em alguns pontos da raia Alentejana, dificilmente Portugal poderá atingir perto de 50ºC. Não se livrará, no entanto, das noites tropicais, aquecidas pela energia que se acumula nos solos secos durante o dia.

Alterações climáticas levarão a calor de 50ºC em Portugal, mas não este ano

Mas será uma questão de tempo até que os 47,3ºC da Amareleja sejam ultrapassados em Portugal. Todos os anos a Europa experimenta o mesmo fenómeno que no próximo fim de semana vai elevar o mercúrio dos termómetros, mas a frequência das vagas de calor e a intensidade que atingem está a aumentar. E, para os especialistas, não há dúvidas sobre o motor destes fenómeno: as alterações climáticas. E isso é mais claro para as ondas de calor do que para outro fenómeno extremo, como as inundações.

O que os cientistas apuraram é que só uma dessas componentes tem verdadeira influência na frequência com que as vagas de calor acontecem e as temperaturas que atingem: as emissões de gases de estufa. Por exemplo, se a quantidade de dióxido de carbono e metano enviada para a atmosfera fosse mais restrita, então o número de ondas de calor e a temperatura que elas atingem seria consideravelmente menor. Se outro parâmetro se alterasse, isso não teria tanto peso nestes fenómenos.

O resultado está à vista em Itália, onde uma onda de calor terá provocado temperaturas recorde de 48,8ºC na Sicília — o valor mais alto de que há registo naquele país, mas também em toda a Europa. O anterior recorde ficava-se pelos 48ºC e tinha sido atingido em 1977. Agora, o anticiclone Lúcifer está a bater recordes em território italiano e a provocar incêndios de grandes dimensões naquele país.

Recorde de temperatura mais alta da Europa registado na Sicília

Em Espanha, o recorde nacional de temperatura máxima absoluta foi  47,3º C, sentida em Montoro, Córdoba, a 4 de julho de 2017. A Agência Estatal de Meteorologia já avisou que o país se tem de preparar para a onda de calor “mais intensa, extensa e duradoura” deste verão, com temperaturas a chegar perto dos 47ºC no vale de Guadalquivir e na bacia do rio Ebro. Espanha não deve chegar a novos máximos, mas não se livrará de temperaturas a rondar os 27ºC durante a noite, principalmente no sábado.

Ricardo Trigo, climatologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, explica que os cientistas têm ao seu dispor modelos matemáticos sofisticados que pesam todas as componentes climatéricas — incluindo as emissões de gases de estufa — que podem influenciar a ocorrência e a intensidade de determinados fenómenos. O objetivo é obter uma reprodução da frequência e da magnitude destes fenómenos extremos no sul da Europa.

Região atingida por um incêndio na Sicília, no sul da Itália

Anadolu Agency via Getty Images

O que os cientistas apuraram é que só uma dessas componentes tem verdadeira influência na frequência com que as vagas de calor acontecem e as temperaturas que atingem: as emissões de gases de estufa. Por exemplo, se a quantidade de dióxido de carbono e metano enviada para a atmosfera fosse mais restrita, então o número de ondas de calor e a temperatura que elas atingem seria consideravelmente menor. Se outro parâmetro se alterasse, isso não teria tanto peso nestes fenómenos.

Oito dias de onda de calor e fim de semana tórrido. Dos 36ºC em Lisboa aos 43ºC em Évora, com noites tropicais no Algarve

E Portugal, assim como outros territórios na zona do Mediterrâneo, contém dois dos ingredientes que mais contribuem para as ondas de calor extremo. Um deles é a secura dos solos durante a primavera: se a superfície estiver cheia de água, nem mesmo um calor intenso de três dias impede alguma sensação de frescura, mas se ela estiver seca, a energia acumulada e libertada depois é muito superior. É o que está a acontecer não só na Europa, mas também no oeste dos Estados Unidos e no sul do Canadá onde recentemente se registaram aquilo a que se chamam cúpulas de calor (dias consecutivos em que o calor se instalou e ficou numa certa zona, como se de um forno se tratasse).

O segundo ingrediente é a a corrente de jato registada a uma altitude de 12 a 14 quilómetros. Os ventos intensos que, soprando de este para oeste, tornam mais lentas as viagens de Nova Iorque para Lisboa do que no sentido contrário, são tão mais intensos quanto a diferença de temperatura registada nos trópicos e dos polos do planeta — podem mesmo atingir os 300 quilómetros por hora. Ora, se no inverno esses jatos correm ao longo de uma latitude bem definida, no verão eles vagueiam para baixo e para cima, varrendo o ar quente para os polos e o ar mas frio para os trópicos. Por isso é que há ondas de calor na Sibéria ou no norte do Canadá, como as que se registam atualmente.

Acontece que as alterações climáticas não estão a acontecer da mesma forma em todo o planeta Terra: é verdade que a temperatura média do globo aumentou 1,1ºC desde a época pré-industrial, mas isso resulta de uma subida inferior a 1ºC nos trópicos e maior que 3ºC nos polos. A diferença é tão grande que as correntes de jato circulam pelo planeta de um modo muito menos definido, alimentando fenómenos extremos que levam neve e geada ao Texas (e ao Brasil) e incêndios extremos ao norte do Canadá.

Ou seja, "com a previsão que temos para os próximos dias, podem propiciar-se grandes incêndios", confirma o investigador. O melhor a fazer para evitar que as tragédias dos anos passados ocorram é fazer uma vigilância apertada de quaisquer pontos de ignição e atacá-los assim que surjam. Há, no entanto, regiões meno propícias a incêndios de grandes dimensões — as que têm territórios muito fragmentados. O problema é que, em Portugal, não há muitas áreas como essa.

Filipe Duarte Santos, geofísico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, acrescenta que, para aumentar a temperatura do planeta em 1,1ºC é necessária uma quantidade “colossal” de energia — o suficiente para não só aumentar a temperatura de toda a atmosfera, como também das camadas mais superficiais dos oceanos. São mudanças tão profundas na dinâmica do planeta que mergulham os territórios acima do Círculo Polar Ártico para temperaturas recorde; e que inundam zonas como a Alemanha, a China, a Bélgica e agora a Turquia (depois dos fogos). Portugal não sairá ileso.

Territórios sem fogos há 10 anos estão mais vulneráveis agora

Quando o país entra na rota de fenómenos de calor extremo, a preocupação volta-se imediatamente para o risco de incêndio. A Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) colocou os distritos de Bragança, Castelo Branco, Guarda (estes dois últimos já estão em alerta amarelo desde esta quinta-feira), Portalegre e Faro em alerta laranja entre 14 e 16 de agosto. A partir desta sexta-feira, Beja, Bragança, Coimbra, Évora, Faro, Leiria, Lisboa, Portalegre, Santarém, Setúbal, Vila Real e Viseu ficam em alerta amarelo.

Uma tragédia anunciada? Apesar das temperaturas altas, é possível evitar grandes incêndios, defendem especialistas

Não é preciso muito para começar um incêndio quando as temperaturas atingem os valores que se esperam nos próximos dias. José Miguel Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia, diz que basta um dia de muito calor numa região rica em vegetação fina e muito seca — como a caruma dos pinheiros ou silvas secas. Mas se o calor se prolongar por cerca de três dias ou mais, como vai acontecer, as ramagens de tamanho intermédio e as mais grosseiras ficam mais secas e vulneráveis, podendo então desencadear-se um incêndio de grandes dimensões.

Ou seja, “com a previsão que temos para os próximos dias, podem propiciar-se grandes incêndios”, confirma o investigador. O melhor a fazer para evitar que as tragédias dos anos passados ocorram é conseguir uma vigilância apertada de pontos de ignição e atacá-los assim que surjam. Há, no entanto, regiões menos propícias a incêndios de grandes dimensões — as que têm territórios muito fragmentados. O problema é que, em Portugal, não há muitas áreas assim.

José Miguel Cardoso Pereira calcula que as zonas mais preocupantes neste momento no país são a serra algarvia, o Minho, o território entre Pombal e Arouca, a zona do Pinhal Interior que não ardeu em 2017 e todas as áreas que não registam incêndios há entre 10 e 20 anos. É que “desde 2017 não se alterou muito substancialmente a ocupação do solo e da terra”: “Continuamos com um território bastante vulnerável”, denunciou o investigador em entrevista ao Observador.

A TecnoMartins, em Olhão, também não registou um aumento da procura por esse tipo de eletrodomésticos — nem mesmo após o apelo das autoridades e dos cientistas para o que calor dos próximos dias. A MegaStore Ponto Frio, em Camarate, vai ainda mais longe: há pelo menos uma semana que a loja não vende uma única ventoinha, um cenário que contrasta com as dezenas de ventoinhas que saíam daquele estabelecimento numa só semana em verões passados.

Questionado sobre se, tal como acontece com as ondas de calor, é possível atribuir a culpa de um determinado fogo às alterações climáticas, o especialista explica que essa associação é difícil de fazer. Pode dizer-se, no entanto, que com a ocorrência de fenómenos extremos e conjugados como calor, secura e vento, a frequência dos incêndios está a aumentar: “Uma década como a última seria praticamente impossível de ocorrer há 50 ou 100 anos. Quanto maior a escala, mais segura a atribuição às alterações climáticas”, indica José Miguel Cardoso Pereira.

Calor já fez 2.000 mortes anuais em Portugal. Vendas de ventoinhas estão a baixar em 2021

Mas o receio do calor que aí vem não se tem refletido nas vendas de ventoinhas e ares condicionados nas lojas de norte a sul do país. Todos os estabelecimentos contactados pelo Observador relatam até uma quebra nas vendas deste tipo de produtos, sem nenhum sinal de que a população se esteja a preparar para o calor abrasador que o fim de semana trará. Os comerciantes apontam dois culpados: a falta de dinheiro e um verão de dias com temperaturas abaixo da média.

A Elecro Avenida, uma loja de eletrodomésticos sediada em Castelo Branco, admitiu que as ventoínhas têm-se vendido, mas pouco, e que os ares condicionados nem sequer têm tido procura. A quebra nas vendas também é confirmada na Electrilar, em Évora, onde as compras estão “muito abaixo do que é normal para esta época do ano”. Para os funcionários do espaço, como as casas não estão muito quentes (uma vez que o verão tem sido relativamente fresco em grande parte do território nacional), os clientes não sentem necessidade de comprar ventoinhas ou ares condicionados.

Uma onda de calor também está a atingir Espanha.

Europa Press via Getty Images

A TecnoMartins, em Olhão, também não registou um aumento da procura por esse tipo de eletrodomésticos — nem mesmo após o apelo das autoridades e dos cientistas para o que calor dos próximos dias. A MegaStore Ponto Frio, em Camarate, vai ainda mais longe: há pelo menos uma semana que a loja não vende uma única ventoinha, um cenário que contrasta com as dezenas de ventoinhas que saíam daquele estabelecimento numa só semana em verões passados.

A forma como o calor impacta a saúde pública tem sido a preocupação de Manuel Costa Alves, meteorologista que liderou o Instituto de Meteorologia (atual IPMA) e avisou as autoridades das mortes por calor registadas em Portugal. Em 2000, um ano depois de ter avisado a Proteção Civil que as ondas de calor que atingiam o país seriam letais para milhares de pessoas, encontrou investigadores do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) que estavam a estudar o fenómeno. Descobriram que 2.000 pessoas morreram por causa do calor em Portugal em 1981; e que dez anos depois foram 1.000 as vítimas mortais.

Evite sair de casa nas horas de maior calor, tipicamente entre as 12h e as 17h, beba muita água e sumos naturais frescos, evite gorduras, recuse bebidas com cafeína, muito açúcar e álcool, não pratique desporto ao ar livre durante o dia, mantenha as janelas fechadas durante o dia para abri-las durante a noite, use roupas de algodão e transpiráveis, tome duches de água morna e proteja as pessoas mais vulneráveis à sua volta, como crianças e idosos.

A apresentação destes dados, apresentados numa conferência organizada para o dia seguinte ao do primeiro contacto de Costa Alves com os investigadores do INSA, foi o primeiro passo para formar uma equipa de trabalho com as autoridades de saúde, a Proteção Civil e o agora IPMA que criou uma fórmula para estudar o excedente de mortalidade atribuível às ondas de calor. Chamaram-lhe Índice ÍCARO e permitiu saber que a onda de calor de 2003 provocou 70 mil mortos em toda a Europa, 2.000 dos quais em Portugal. Segundo Manuel Costa Alves, as ondas de calor são “o fenómeno natural que mais mortes provocou desde o terramoto de 1755”.

Atualmente, o sistema de vigilância serve três objetivos: prever os valores da temperatura máxima num período de três dias, calcular o excesso de óbitos eventualmente associados às temperaturas previstas e realizar um balanço do impacto das altas temperaturas na saúde pública. Estes dados são partilhados em todos os dias úteis por e-mail com “um grupo restrito” de decisores políticos, nomeadamente com o Ministério da Saúde. Depois cabe às autoridades de saúde divulgar as informações relativas à saúde pública com a população.

Em 2014, o INSA ainda publicou na página oficial o relatório relativo à estimativa do excesso de mortalidade associado a períodos de calor extremo ocorridos em Portugal naquele ano. O documento revela que, há sete anos, estimou-se um excesso total de 163 óbitos na onda de calor entre os dias 12 e 18 de junho. O site nada diz sobre o excesso de óbitos nos anos seguintes. O Observador contactou o INSA para solicitar estes dados, mas as informações ainda não tinham sido enviadas até à publicação deste artigo.

DGS recomenda proteção contra temperaturas elevadas

Se o calor atingir a região onde está e não puder refrigerar a casa com ventoinhas e ares condicionados (que não devem estar a temperaturas demasiado baixas para não correr o risco de sofrer choques térmicos), há truques que pode seguir, tanto de dia como durante a noite: evite sair de casa nas horas de maior calor, tipicamente entre as 12h e as 17h, beba muita água e sumos naturais frescos, evite gorduras, recuse bebidas com cafeína, muito açúcar e álcool, não pratique desporto ao ar livre durante o dia, mantenha as janelas fechadas durante o dia para abri-las durante a noite, use roupas de algodão e transpiráveis, tome duches de água morna e proteja as pessoas mais vulneráveis à sua volta, como crianças e idosos.

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