Acredita que se Pedro Passos Coelho der sinais que quer avançar vai retirar margem a Luís Marques Mendes, defende que Carlos Moedas deve estar concentrado na Câmara Municipal de Lisboa e afastar-se de qualquer tentação pela liderança do partido e não poupa elogios a Luís Montenegro. Mas deixa um recado: “O PSD tem obrigação de ganhar as próximas eleições europeias”.
Em entrevista ao Observador, no programa “Vichyssoise”, o antigo deputado e ex-secretário de Estado, agora coordenador do PSD para as relações internacionais, aponta baterias a António Costa, que “tirou um carro do stand há oito meses e agora tem um chaço”, e critica o primeiro-ministro. “Tem tido tiques de autoritarismo, comportamentos quase de Dono Disto Tudo”.
De resto, o social-democrata não deixa de falar sobre um eventual e futuro duelo entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, considerando que, no limite, um adversário tão conotado com a esquerda do PS pde ser positivo para as aspirações do PSD. “Não significa que fosse uma eleição a preto e branco, até podia ser colorida e tinha tudo para isso. E podia ser bom nessa perspetiva, uma esquerda-direita, num direita-centro, esquerda mais afunilada”, diz.
“Não podem querer que Montenegro faça em seis meses o que outros não fizeram em meia dúzia de anos”
No início deste ano, ainda Rui Rio era líder, comparou Luís Montenegro a um Ferrari que ainda não tinha saído da garagem. Quase seis meses depois, Montenegro, agora líder do PSD, tem 22% na mais recente sondagem. O motor do Ferrari ainda não pegou?
Estamos a falar de sondagens, não estamos a falar de resultados eleitorais. Luís Montenegro ainda não foi sujeito ao escrutínio de umas eleições. Até lá estamos a falar de sondagens que são boas. Não as leio dessa forma. Neste momento, o PSD está em empate técnico, o que significa que há um maior desgaste do partido do poder.
Tem razão no que diz, mas, apesar do desgaste do PS, como indicam as sondagens, o PSD continua a não descolar. Isso quer dizer que não está a conseguir convencer aqueles que estão descontentes com António Costa?
Não podem querer que Luís Montenegro, em meia dúzia de meses, faça o que outros não fizeram em meia dúzia de anos. Isso não é exigível a ninguém. Faz lembrar aqueles clubes de futebol que despedem o treinador e querem logo no jogo seguinte um resultadão. Isso não acontece. É preciso dar tempo. As eleições foram há muito pouco tempo e as pessoas não sequer aí com a cabeça. Mas as avaliações que as pessoas fazem já são muito más para o PS. Só mais perto das eleições, e vamos ter eleições europeias, se pode aferir a capacidade de o PSD se afirmar.
Há muito que se diz que o PS roubou o discurso das contas certas. Agora o PSD já cola cartazes em que critica a política de austeridade do Governo e até um, que deu bastante que falar, em que promete que não vai cortar pensões no futuro. Isto não roça algum populismo?
A política tem, também, que aproveitar os momentos de comunicação que o adversário proporciona. E não há dúvida nenhuma que este Governo, embora não queira assumir a palavra austeridade, tem praticado austeridade. Primeiro, com as cativações, os Orçamentos não passam de simples papéis, mas também agora com o truque das pensões. Há que chamar atenção para isto e o principal partido da oposição tem obrigação de fazer este escrutínio. Isto não é populismo. Depois há outra parte: o PSD não fará assim no futuro porque, em determinada altura, teve de cumprir um programa que lhe foi imposto pela troika fruto da situação em que o PS deixou o país. Cabe ao PSD dizer que esse não voltará a ser o caminho. Não vejo que haja aqui populismo; é um esclarecimento daquilo que será a atitude do PSD.
“PSD tem obrigação de vencer as europeias”
Está à frente das relações internacionais do PSD. O primeiro grande desafio eleitoral, como referiu, são as próximas europeias. Paulo Rangel deve voltar a ser cabeça de lista do PSD?
Paulo Rangel tem sido um excelente eurodeputado, tem sido um excelente cabeça de lista, é um fantástico primeiro vice-presidente do partido. É dos melhores que o PSD tem. Agora, se ele quer cabeça de lista, se as conversas que tem com Luís Montenegro vão nesse sentido ou não, não sei. Não tenho essa bola de cristal.
Mas podia aconselhar Luís Montenegro a convidá-lo.
Não, não dou esses conselhos. Aliás, acho que os conselhos, se fossem sempre bons, não se davam; vendiam-se. Não faço ideia do que vai acontecer, mas o que quer que aconteça será uma escolha bem pensada, inclusiva e de comum acordo com aquilo que são as várias vontades do partido.
Há, no PSD, quem aposte que as europeias serão o princípio do fim da atual direção e que o partido voltará às guerras internas a partir daí. Acredita que Carlos Moedas, por exemplo, poderá ter a tentação de se intrometer e tentar a liderança para ser candidato a primeiro-ministro em 2026?
Não estou dentro do Carlos Moedas, até porque era impossível — peso 90 e tal quilos e ele é muito mais magro. Mas, do que conheço (e conheço há muitos e bons anos), Carlos Moedas tem uma missão, um compromisso com a cidade de Lisboa, e estou convencido que irá sempre até ao fim. No entanto, o PSD é um partido plural, livre, aberto e conhecido pelas suas disputas internas. E elas fazem parte da sua vida normal. Mas o que sinto do partido é que ele está muito satisfeito com a liderança de Luís Montenegro.
Ou seja: um mau resultado pode não significar a queda de Luís Montenegro.
Não vai haver mau resultado. O PSD tem todas as possibilidades e a obrigação de ganhar as próximas eleições europeias.
Tem a obrigação?
Claro que sim. Isto é como a seleção nacional: tem obrigação de ir aos oitavos de final e já foi.
E se não ganhar?
Se não ganhar a verdade é que é uma chatice. Neste momento, o PSD está com um balanço e com uma ascendência no país que o obriga a isso. Ao contrário do PS. Tirou um carro do stand há oito meses, com seguro contra todos os riscos, e agora tem um chaço. Já substituiu peças, peças e peças, já meteu no Governo quase todos os seus militantes, quase todo o PS já se passeou pelo Governo, e começam-se a esgotar as peças para este chaço.
“O vestido de noiva ficava bem à Iniciativa Liberal”
Responsabilizou publicamente Rui Rio pela ascensão de forças como o Chega. Seja como for, elas estão aí. Se um dia precisar do Chega para formar Governo, o PSD não deve pensar duas vezes?
Esse problema não se vai pôr. Estou convencido que o PSD terá um grande resultado. Normalmente, depois de um ciclo socialista que entrega sempre o país pior do que o recebeu, o país recorre sempre ao PSD e dá força ao PSD.
Acredita que o PSD terá força para governar sozinho?
Sozinho ou com outras forças que sejam mais indicadas ou que tenham programas mais de acordo com aquilo que são os princípios e os valores do PSD.
O que se diz no PSD é que, se não tiver essa força, é que o Chega terá de dizer o que quer: ou viabiliza um governo de direita ou entrega o poder à esquerda. É razoável esperar que um partido aprove um programa de governo e os orçamentos sem contrapartidas negociais?
O PS teve maioria absoluta fruto de um forte voto anti-geringonça e, claro, da não construção de uma não alternativa clara do PSD. Não teve nada que ver com o Chega. Dá um jeitão enorme ao PS e continua a cometer-se o mesmo erro de dar palco ao Chega. Fazer sentir ao país que o Chega é a grande força de oposição.
É a terceira força. Entra nestas contas.
Certo, mas é o PSD que é alternativa ao PS. Não é o Chega, nem outros partidos.
Mas o cenário que traçávamos não é que o Chega seja o principal partido da oposição. É perceber se, caso o PSD precise de ajuda para viabilizar o seu programa de Governo e Orçamentos, se deve abdicar completamente de negociar com o Chega.
Um dia que eu fosse o Cristiano Ronaldo, ou seja, líder do partido, respondia-lhe diretamente. Não me cabe a mim. Acho que é opinião comum que o PSD deve fazer o seu caminho sozinho, passar a sua mensagem aos portugueses e acreditar que lhe vão dar uma resposta positiva e construir o seu percurso e deixar o Chega para Augusto Santos Silva se entreter com o melhor instrumento que encontrou até agora para alimentar a sua candidatura presidencial.
E uma eventual crise de sucessão na IL pode ser uma oportunidade para o PSD?
A melhor oportunidade é o PSD mostrar-se realmente outra vez como é, como uma força popular.
Mas agora tem concorrentes à direita.
Mas sempre teve um grande concorrente, chamado PS. Nunca esteve sozinho no mercado. E tinha o CDS, com líderes fortes. Hoje tem outros concorrentes com palco e protagonismo…
Não precisa de aproveitar este momento na IL?
A IL tem feito o seu percurso, tem uma carga — espero que assim continue — ideológica consistente, que não é de todo um partido com quem o PSD conflua. O PSD tem uma matriz social e alberga diversas opiniões, de fações ideológicas, debaixo deste guarda-chuva. Mas há diferenças. E não vejo que isso em democracia seja um problema: é uma vantagem as pessoas terem por onde escolher, coisas que se identificam de forma autêntica.
Mas a IL seria um bom parceiro para estar ao lado do PSD?
O melhor parceiro serão os votos do povo a darem uma maioria confortável ao PSD. Se depois tiver de arranjar uns noivos, logo se vê na altura.
A IL seria uma boa noiva?
Não vejo que não lhe ficasse bem o vestido.
“Belém? Se Passos quiser avançar, Marques Mendes não ganha espaço”
À direita, nomeadamente no PSD, há quem critique Marcelo Rebelo de Sousa por, à falta de melhor expressão, andar com o Governo demasiado ao colo. Concorda?
Há muita gente desta área que todos os dias apresenta essa queixa. O professor Marcelo teve um papel muito importante em 2015, quando acabou o governo de Passos Coelho e houve um assalto ao poder e Costa quebra uma tradição democrática e junta-se aos Chegas da esquerda — se houvesse na altura guerra da Ucrânia queria saber como se faria a geringonça — e nessa altura o país ficou partido ao meio, estava tudo revoltado. E Marcelo teve um papel muito importante: apaziguou, reorientou o país para momentos de calma, evitou confrontos.
Isso foi em 2015.
Mas a história é importante. Esse papel foi muito importante para o país. Eu digo assim, sem estados de alma: Marcelo tem o conceito lato, abrangente, de convivência institucional. Eu, nalgumas circunstâncias, teria um conceito um bocadinho mais estrito. Mas ele lá sabe.
Luís Marques Mendes é o candidato certo para contar com o apoio do PSD nas próximas presidenciais?
É um dos candidatos. Felizmente no PSD há várias personalidades que podem — queiram elas — e têm estofo, reconhecimento, estatuto para o serem, Pedro Passos Coelho e Marques Mendes à cabeça. Com um ou outro o PSD fica muito bem servido e os portugueses também.
Mas se Passos avançar, Marques Mendes perde espaço?
Ganhar não ganha… Não sei se está interessado em ganhar espaço, caso Passos avance.
A questão fica resolvida se Passos der sinal de que quer avançar.
E se Marques Mendes der sinal de que quer avançar a coisa também fica resolvida, na minha cabeça.
“Costa tem tido tiques de autoritarismo, de quase de Dono Disto Tudo”
Em agosto, comparou António Costa a José Sócrates, escrevendo que os “traços de prepotência e pesporrência de quem se sente acima de todo o escrutínio” eram os mesmos. Os últimos meses reforçaram-lhe essa convicção?
Sim. É muito impulsivo, também. Tenho António Costa como um homem sério do ponto de vista material e contém traçar essa linha. Mas a forma displicente e arrogante como Costa tem governado e feito convites para o Governo… quem é que se lembra de convidar alguém que é arguido em dois processos, até de certa gravidade, para o seu núcleo duro? Só alguém que já levantou os pés do chão, que está com um sentimento de impunidade. A atitude rápida e impulsiva como se referiu ao ex-governador Carlos Costa demonstra que estes anos de poder estão a dar uma soberba e arrogância que não são boas para a democracia. E estão a trazer ao de cima aquilo que Sócrates tinha muito: só não tomou conta da Justiça porque não pôde, da comunicação social porque houve quem lhe fizesse frente… Costa tem tido tiques de autoritarismo, comportamentos quase de Dono Disto Tudo, que são comparáveis — só desse ponto de vista — a Sócrates.
Dizia que Costa já levantou os pés do chão. Acredita que está tentado a sonhar com cargos europeus e a tentar sair a meio?
Sete anos de primeiro-ministro é muito tempo, muito desgaste. Primeiro ir para ao governo com o PCP e o BE para sobreviver politicamente, com uma agenda pessoal. Depois veio a pandemia, com momentos muito difíceis para o Governo — temos de ser justos. E depois a inflação. Costa vê-se a braços com isto tudo, mais as guerras de sucessão precoces no PS. É natural que queira governar sem povo — deve ser o sonho de qualquer político no ativo, governar com povo é um aborrecimento. O povo faz manifestações, exigências, tem necessidades… E na Europa governa-se sem povo. Por isso acredito que Costa tenha essa ambição. Tenho muitas dúvidas de que tenha essa oportunidade. Não porque as instituições europeias não tenham uma vaguinha para ele, no lugar do Josep Borrell ou como presidente do Conselho… Mas tenho muitas dúvidas de que calhe com o calendário de Costa. E que ele vá concretizar esse seu desejo — que está lá.
Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos vão-se marcando mediaticamente e politicamente. Se Luís Montenegro chegar a candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos, por representar uma ala mais à esquerda no PS, pode ser um adversário conveniente para Luís Montenegro?
Estamos a partir de um princípio que estes dois protagonistas, António Costa e Luís Montenegro, nunca se vão encontrar em eleições. É curioso porque normalmente não é assim e por isso começa-se a olhar para as segundas linhas e a ver com quem é que Luís Montenegro vai disputar eleições. Pedro Passos Coelho disputou as primeiras com José Sócrates.
Mas neste caso António Costa teria de ir para a sua quarta eleição.
Luís Montenegro está a fazer oposição a um primeiro-ministro que não vai defrontar eleitoralmente, tal como o primeiro-ministro se defende do líder da oposição quando não o vai enfrentar eleitoralmente. Quando chegarem ao momento do duelo final, o assunto não é com os dois. E por isso põe-se essas hipóteses, como Pedro Nuno Santos. Não sei como é que funciona o PS, mas parece-me que é o que tem mais partido, mais aparelho para vir a ser líder do partido. Essa perceção de ser o mais à esquerda foi ele que a construiu com frases como o “não pagamos” ou “até as pernas dos alemães vão tremer”, esta asneira da TAP que demonstra uma falta de respeito pelos dinheiros públicos e pelo dinheiro do contribuinte.
E nesse aspeto podia ser útil a Montenegro?
Há mais contraste. Não significa que fosse uma eleição a preto e branco, até podia ser colorida e tinha tudo para isso. E podia ser bom nessa perspetiva, uma esquerda-direita, num direita-centro, esquerda mais afunilada. Deixe-me só dizer uma coisa: o nosso atraso de Portugal em relação à Europa e a muitos países deve-se muito à incompetência do Estado. Enquanto não conseguirmos revolucionar o Estado, premiar o mérito, criar boas lideranças intermédias, pôr os diversos setores do Estado a falarem uns com os outros, a digitalização serve para isso, para terem uma atitude mais amiga para com os cidadãos e também com as empresas, o país não vai crescer nem andar para a frente. O Estado é insensível e a culpa não é dos funcionários, é do sistema, a forma como os Governos, principalmente os socialistas que têm sido os maioritários em Portugal, têm montado o Estado, que está gordo e inchado e não funciona. Se um familiar entrar hoje no SNS não tem um balcão que dê conta de como está o doente. Não há ninguém que diga qual é a situação e às vezes passam-se 48 horas sem informação. E por isso lá vem a cunha e o pedido. O Estado é cruel e insensível, embora tenha excelentes profissionais.
“Rio ou Santana? Preferia almoçar com Santana. Vê cinema, lê livros…”
Vamos então avançar para a fase do Carne ou peixe, em que tem de escolher uma de duas opções. Com quem preferia ver um jogo do Sporting em Alvalade: Salvador Malheiro ou André Ventura?
Acho que o Salvador Malheiro é sportinguista. Gostava de ver… o Ventura é do Benfica, o Salvador é do Sporting.
Quem levava a comer um arroz de sarrabulho: Rui Rio ou Pedro Santana Lopes?
Pedro Santana Lopes. Conversa muito melhor, vê cinema, lê livros, é um homem muito interessante.
Com quem preferia assistir a uma tourada: Fernando Medina ou Pedro Nuno Santos?
Ao contrário do que pensam não sou assim tão aficionado, mas Pedro Nuno Santos deve ser engraçado a dizer ‘olé’, o Medina é muito tímido.
A quem confiava o seu Dálmata: a André Ventura ou Inês Sousa Real? Tenho dois, o Lucky e o Cacau… Inês Sousa Real talvez. Eu conheço André Ventura, foi do meu partido, não é da minha geração, também lhe confiava os cães, mas preferia Inês Sousa Real.