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Na madrugada de 18 de julho de 2014, forças israelitas e carros blindados entravam na Faixa de Gaza. Era o início da segunda fase da operação Margem Protetora. Dez dias antes, tinham começado os primeiros ataques de parte a parte, mas o governo chefiado pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, queria levar a cabo “operações precisas” — principalmente para destruir os túneis usados pelo Hamas para se infiltrar em solo israelita.
O conflito, que começou oficialmente a 8 de julho de 2014, apenas acabou a 26 de agosto daquele ano. Mesmo com alguns dias em que vigorou um cessar-fogo temporário, mais de dois mil palestinianos, muitos dos quais civis, e cerca de 60 israelitas acabaram por morrer. Em entrevista à rádio NPR, o correspondente do The Economist no Médio Oriente, Gregg Carlstrom, que esteve na Faixa de Gaza pouco após o fim do conflito, lembrou o cenário de destruição: “Estava a conduzir num bairro no leste de Gaza que tinha sido fortemente bombardeado pelo exército israelita. Quarteirão a quarteirão, havia casas destruídas. Vi alguns adolescentes que estavam a recolher os escombros em carrinhos de mão”.
Mais de nove anos depois, o modus operandi das tropas israelitas pode estar prestes a repetir-se: primeiro os ataques aéreos sobre a Faixa de Gaza e depois a entrada das forças armadas naquele território controlado pelo Hamas. Porém, as circunstâncias são agora diferentes: há reféns israelitas pelo meio e pouco conhecimento sobre as capacidades defensivas do grupo islâmico. E também a intenção: Telavive quer “destruir” militar e politicamente o Hamas, o que não acontecia em 2014.
“Estou a ser raptado”. A guerra de 2014 que começou por causa de três adolescentes
O Hamas e Israel sempre se assumiram como antagonistas ideológicos e religiosos, mas o clima de tensão agravou-se desde 2005, ano em que Telavive abandonou a ocupação da Faixa de Gaza. No final de 2008, dava-se o primeiro conflito armado entre o grupo islâmico e as tropas israelitas e, seis anos depois, a situação voltou a escalar — e tudo começou com três adolescentes que estavam a pedir boleia, uma prática regular em Israel.
No colonato judaico de Alon Shvut, na Cisjordânia, Eyal Yifrach, Gilad Shaer e Naftali Fraenkel estavam a pedir boleia no dia 12 de junho de 2014, por volta das 22h00. Dois homens, Amer Abu Aysha e Marwan Kawasme, aceitaram transportá-los. Os três estudantes, com idades entre os 16 e os 19 anos, cedo se aperceberam de que tinham sido raptados; um dos jovens chegou a ligar à polícia, sussurrando “estou a ser raptado”.
O assunto ganhou relevância em Israel, ecoando junto da sociedade civil, com as autoridades do país a levarem a cabo uma investigação bastante mediatizada. A 30 de junho de 2014, Benjamin Netanyahu falava à nação não só para revelar que os três jovens tinham sido “raptados e assassinados a sangue frio por bestas selvagens”, como também para fazer uma acusação: “O Hamas é responsável. O Hamas vai pagar”.
Nos dias anteriores, a situação já tinha escalado, com Israel a bombardear a Faixa de Gaza, ao mesmo tempo que realizava incursões nas regiões da Cisjordânia controladas pela Autoridade Palestiniana. Também houve resposta do lado do Hamas. A partir de 30 de junho, a tensão ainda aumentou mais; o grupo islâmico deixou bem claro que as “ameaças” que Benjamin Netanyahu tinha feito “não assustavam o Hamas”. “Se quer começar uma guerra em Gaza, então as portas do inferno abrir-se-ão.”
Nos dias seguintes, um adolescente palestiniano de 16 anos, Mohammad Abu Khdair, foi assassinado em Jerusalém Oriental, o que foi encarado pelo Hamas como um ato de retaliação de Israel. No dia 7 de julho, o grupo islâmico lançou vários rockets em direção ao território israelita. Nem 24 horas depois, as forças armadas de Telavive começavam a contraofensiva Margem Protetora, inicialmente apenas no domínio aéreo.
Em comparação, em 2023, a Operação Espadas de Ferro começou de forma bastante diferente. O Hamas surpreendeu as tropas israelitas no passado sábado, fazendo um ataque combinado a várias localidades no sul de Israel, o que causou centenas de vítimas mortais e ainda 120 raptados.
A invasão terrestre em 2014. A entrada por Shuja’iyya e os combates urbanos intensos
Foi a 18 de julho de 2014 que as tropas israelitas entraram na Faixa de Gaza. “Durante as primeiras semanas, houve apenas um conflito aéreo entre as duas partes. Isso mudou a meio da guerra e Israel enviou um número limitado de tropas. O objetivo passava por procurar e destruir os túneis transfronteiriços que o Hamas tinham escavado para Israel”, detalhou o correspondente do The Economist no Médio Oriente, Gregg Carlstrom.
Contrariamente a 2023, em que o objetivo de uma possível operação terrestre parece ser declaradamente o fim do grupo islâmico, retirando-lhe o controlo político-militar da Faixa de Gaza, a invasão de 2014 gerava algumas preocupações em Benjamin Netanyahu. “O exército disse-lhe que ia haver semanas de combate urbano sangrento”, indicou Gregg Carlstrom.
Os primeiros combates começaram a 20 de julho, com a entrada do exército israelita em Shuja’iyya, um bairro na cidade de Gaza com cerca de 100 mil pessoas que, lembrou a Forbes, o Hamas usava como base militar. Após a destruição de um blindado M-113, o que causou sete baixas entre os israelitas, irromperam intensos combates naquela localidade.
Um comandante das forças armadas israelitas confessou, segundo a Al Jazeera, que os combatentes do Hamas “mostraram uma tenacidade inesperada” e foram mais “eficazes” do que originalmente as tropas de Israel pensavam. Os combates na região terminam a 23 de julho, com a superioridade militar israelita a mostrar-se essencial para controlar aquele bairro. Ao mesmo tempo, Israel continuava a entrar em outras cidades de Gaza e os ataques aéreos não paravam, estando em coordenação as ações da infantaria.
A 1 de agosto, após alguns combates localizados, os Estados Unidos e as Nações Unidos anunciam um cessar-fogo de 72 horas, mas o mesmo foi violado poucas horas depois. O Hamas acusava Israel de continuar as atividades ofensivas no sul de Gaza, ao passo que a morte do tenente Hadar Goldin em Rafah (perto da fronteira entre Gaza e o Egito) causou revolta entre as autoridades israelitas.
Um dia depois do cessar-fogo ter sido imposto, o primeiro-ministro israelita falava à nação, anunciando o fim da “operação anti-túnel”. Mas isso não significava a retirada completa de tropas: “As Forças Armadas vão agir e vão continuar a agir de acordo com as nossas necessidades de segurança e apenas de acordo com as nossa segurança de defesa”. O discurso aumentava, simultaneamente, de tom: “[O Hamas] terá de entender que vai pagar um preço intolerável”.
Apesar das ameaças de Benjamin Netanyahu, Israel retirava, a 5 de agosto, grande parte das tropas de Gaza. Os combates no terreno diminuíam de intensidade, ainda que continuassem os ataques com rockets de parte a parte. Tendo em conta a pacificação parcial da situação, a comunidade internacional, principalmente o Egipto e os Estados Unidos, multiplicava-se em esforços para obter um cessar-fogo total entre as duas partes.
O cessar-fogo a 26 de agosto e o fim das hostilidades
A 26 de agosto de 2014, sete semanas depois de milhares de rockets terem sido disparados, Israel e o Hamas chegaram a acordo para um cessar-fogo ilimitado, anunciado pelo presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas. Cada um dos lados reclamou a vitória para si: o grupo islâmico alegou ter infligido uma derrota às tropas israelitas; Telavive disse que os objetivos da operação militar tinham sido cumpridos e assegurou que os cidadãos podiam sentir-se mais seguros.
Para além disso, o acordo de cessar-fogo flexibilizou a abertura das fronteiras entre Gaza e Israel, sendo que este último país se comprometia a deixar entrar ajuda humanitária e materiais de construção para a região. A zona de Gaza em que era permitido pescar também foi alargada.
Mesmo com o fim da guerra, as consequências em Gaza foram devastadoras. Morreram mais de duas mil pessoas, mas os dados sobre quem são as vítimas diferem. O Ministério da Saúde da Palestina apontou que 70% dos mortos eram civis, enquanto Israel disse apenas que eram 36%. As Nações Unidas falam, por sua vez, em 65%.
Segundo a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA, sigla em inglês), para além das vítimas mortais, 11.231 palestinianos ficaram com ferimentos e cerca de um terço das crianças feridas terão de lidar com problemas de saúde para o resto da vida. Adicionalmente, o número de deslocados internos chegou a meio milhão.
Grande parte de Gaza ficou destruída, com a ONU a estimar que cerca de 12.600 edifícios residenciais “foram completamente destruídos” e 6.500 ficaram “severamente danificados” quer devido aos ataques aéreos, quer devido à invasão terrestre. “Cerca de 150 mil habitações ficaram com danos e ficaram inabitáveis”, acrescentou a organização.
Em 2023, a magnitude de uma invasão terrestre de Gaza a Israel poderá ser ainda maior.