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A pronúncia para julgamento de Fernando Madureira, ex-líder da claque Super Dragões, da sua mulher, Sandra Madureira, e dos restantes 10 arguidos era o desfecho mais esperado esta quinta-feira na leitura da decisão instrutória do processo Operação Pretoriano e a juíza de instrução Filipa Azevedo encarregou-se de confirmar essas expectativas.
Em menos de uma hora, a magistrada do Tribunal de Instrução Criminal do Porto anunciou que todos os arguidos iriam responder pelos 31 crimes de que vinham acusados pelo Ministério Público (MP), ao subscrever na íntegra os factos e disposições da acusação.
Com elogios à solidez da prova recolhida e aos indícios reforçados nesta fase processual, a juíza reiterou o plano imputado ao casal Madureira e ao antigo oficial de ligação do Futebol Clube do Porto aos adeptos, Fernando Saúl, para o condicionamento da Assembleia-Geral (AG) Extraordinária de 13 de novembro de 2023.
Operação Pretoriano. Super Dragões suspeitos de ameaçarem idosos de muletas e agredirem mulheres
A reunião magna portista tinha em discussão uma proposta de alteração aos estatutos apoiada pela anterior direção liderada por Pinto da Costa, defendida pelos arguidos. O grupo liderado por Fernando Madureira tinha o objetivo de condicionar a entrada na AG e a utilização da palavra por parte dos apoiantes de Villas-Boas, que se opunham às propostas de alteração de estatutos.
A forma como os Super Dragões atuaram naquela noite de 13 de novembro foi filmada através dos telemóveis de inúmeros sócios do FC Porto e os vídeos dos insultos, ameaças e agressões que levaria à suspensão da AG Extraordinária rapidamente começaram a circular nas redes sociais. Em causa para os 12 arguidos estão, por isso, sete crimes de ofensas à integridade física, 19 de coação agravada, um de instigação pública, um de arremesso de objeto e três de atentado à liberdade de informação.
Juíza valorizou a extensa prova documental recolhida
Num exemplo de rapidez na justiça penal portuguesa, o processo Operação Pretoriano segue para julgamento sensivelmente um ano depois da alegada prática dos crimes pelos arguidos.
A seguir à agitada noite de 13 de novembro de 2023 no pavilhão Dragão Arena, as autoridades avançaram com detenções no dia 31 de janeiro deste ano, o despacho de acusação surgiu no início de agosto, a instrução arrancou a 28 de outubro e a decisão instrutória foi comunicada esta quinta-feira, 5 dezembro. E para tal foram decisivas as imagens disponíveis da AG como prova indiciária, conforme o Observador já havia adiantado aqui.
De acordo com o resumo da decisão instrutória, que foi lido pela juíza de instrução Filipa Azevedo esta quinta-feira e à qual o Observador teve acesso, o Tribunal de Instrução Criminal valorizou a extensa prova documental recolhida, assente, sobretudo, nas imagens de videovigilância dos acessos ao auditório do Estádio do Dragão — local original da AG e que teve de ser mudado, face à elevada afluência de associados portistas — e do pavilhão.
Os vídeos das agressões amplamente difundidas nas redes sociais, nas imagens do carro da SIC a ser barrado junto ao parque de estacionamento e de fotogramas com a sequência dos acontecimentos — toda esta prova indiciária também valorizada pela juíza Filipa Azevedo.
No acervo de prova documental, o tribunal destacou também as fotos de lesões sofridas por diversos adeptos naquela noite, gravações áudio com ameaças do conhecido adepto portista Vítor Catão, fotografias das lesões e informações clínicas das vítimas agredidas.
As suspeitas contra Madureira. “Quem não está com Pinto da Costa vai morrer!”
Foi ainda elencado nesta prova um papel manuscrito com nomes e números de sócios do FC Porto apreendido ao arguido Carlos Nunes (conhecido como ‘Jamaica’ e membro dos Super Dragões), os registos de credenciação de sócios, a cópia do protocolo dos Super Dragões com o clube, a resposta da empresa de segurança sobre o planeamento para a AG, uma pen com a indicação dos filiados na claque e a cópia da ata da AG, além de documentos do clube sobre três processos disciplinares instaurados e de mais material apreendido em buscas domiciliárias e não domiciliárias.
Depoimentos “fiáveis e convincentes” de mais de 40 testemunhas
Se é verdade que uma imagem pode dizer mais do que mil palavras, as palavras de mais de 40 testemunhas inquiridas no processo construíram um retrato detalhado do que aconteceu no dia 13 de novembro, entre as 22h00 e a meia-noite, nas imediações e dentro das instalações do FC Porto.
“São vários os testemunhos fiáveis e convincentes, não havendo razões, ao menos nesta fase processual, para colocar em causa a sua credibilidade e que descrevem na íntegra os acontecimentos”, escreveu a juíza de instrução no resumo da decisão instrutória.
Entre as testemunhas ouvidas encontram-se sócios e funcionários do FC Porto, jornalistas, vigilantes da empresa de segurança, agentes da PSP e funcionárias de uma empresa prestadora de serviços ao clube.
Nos seus depoimentos contaram o que aconteceu no acesso ao parque de estacionamento P1, no local onde se fazia a credenciação — onde, alegadamente o grupo liderado por Madureira, também conhecido como ‘Macaco’ — procurava garantir pela força e intimidação apenas o acesso de elementos dos Super Dragões ao interior do Dragão Arena. O objetivo era deixar os opositores do lado de fora do pavilhão.
Plano de condicionamento concebido pelo casal Madureira e por Saúl no WhatsApp
De acordo com a magistrada, a prova testemunhal revelou-se ainda “coincidente com a vasta prova digital reunida e extraída dos aparelhos telefónicos dos arguidos e que espelha a intensa troca de inúmeras mensagens e conversações entre estes e outros adeptos ou associados dos Super Dragões — enviadas e recebidas, antes, durante e após a realização” da AG extraordinária.
A conceção do plano de Fernando Madureira, Sandra Madureira e Fernando Saul foi materializada através de dois grupos de WhatsApp de que faziam parte os arguidos. A prova digital ficou exposta numa análise de dados informáticos com 404 páginas.
Foi pelo WhatsApp que o casal Madureira deu indicações aos outros membros para que cada elemento da claque levasse pelo menos quatro pessoas para a AG, a fim de lotar rapidamente o espaço, deixando de fora os apoiantes de Villas-Boas que queriam impedir a alteração de estatutos. Fernando Madureira, que a juíza decidiu manter em prisão preventiva, ameaçou também os outros elementos, declarando que quem não colaborasse iria ficar fora do estádio e sofreria as consequências, segundo a acusação.
Além das testemunhas e das mensagens, o acervo probatório dos autos da Operação Pretoriano incluiu também a valorização pelo tribunal de prova pericial, com exames conduzidos pelo Instituto Nacional de Medicina Legal aos danos corporais de três adeptos agredidos na noite da AG portista, e prova de reconhecimento dos locais dos incidentes.
No entender do tribunal, “os autos patenteiam assim um sólido acervo probatório indiciário que, conjugado entre si, sem esforço, permite atingir a solidez probatória necessária, sendo que a forte prova indiciária é perfeitamente reveladora do que sucedeu antes, durante e após a assembleia geral extraordinária do FC Porto, e permite perceber a intervenção e o grau de participação de cada um dos arguidos na eclosão dos acontecimentos”.
A “liderança assumida” do casal Madureira – que não conseguiu convencer juíza de instrução
Na leitura do resumo da decisão instrutória, a magistrada assinalou a forma “organizada” como os 12 arguidos atuaram “em contexto grupal”, seguindo a “liderança assumida pelos arguidos Fernando e Sandra Madureira“.
Ao analisar as declarações dos arguidos na fase de instrução, a juíza Filipa Azevedo assegurou que as mesmas “não lograram esmorecer os indícios recolhidos em fase de inquérito, sendo certo que as respetivas versões colidem totalmente com a versão do Ministério Público, bem como com toda a prova documental, pericial e testemunhal junta aos autos”.
E nem o interrogatório de Fernando e Sandra Madureira de Fernando Saúl conseguiram mudar a convicção do tribunal face à prova reunida e à relação estabelecida e analisada sobre os factos apurados pela investigação do MP. “Não foi, pois, produzida qualquer prova que pudesse abalar a acusação”, enfatizou a juíza de instrução criminal.
Perante este cenário, a magistrada entendeu que há uma probabilidade razoável de condenação de Madureira e dos restantes arguidos, estando justificada a submissão de todos a julgamento.
“Se a prova indiciária recolhida no inquérito for repetida no julgamento, com o sentido e alcance que teve naquela primeira fase, não restam dúvidas quanto à mais provável condenação dos arguidos pelos crimes por que vêm acusados”, indicou a juíza de instrução.
Filipa Azevedo descartou também nulidades invocadas pela defesa do casal Madureira, como uma suposta omissão de diligências de produção de prova na instrução, nomeadamente a inquirição e reinquirição de testemunhas.
Estatutos e agressões, conflitos de interesse e eleições
Os factos na origem da Operação Pretoriano tiveram lugar na AG Extraordinária de 13 de novembro do ano passado, que acabou por decorrer no Dragão Arena, devido à afluência massiva de mais de dois mil sócios do FC Porto para a discussão de uma proposta de alteração dos estatutos que já estava a dividir a massa associativa num contexto pré-eleitoral.
Entre as diversas mudanças propostas pela direção de Pinto da Costa estava a obrigatoriedade de um mínimo de dois anos como sócio sénior, o que condicionaria o voto de associados mais recentes, conotados então na sua maioria como apoiantes de André Villas-Boas.
A intenção seria, alegadamente, limitar as chances de Villas-Boas nas eleições de abril para a presidência, mas o antigo treinador viria mesmo a ganhar — com cerca de 80% dos votos — a disputa contra o histórico presidente portista que liderou o clube durante cerca de 42 anos.
Além dessa alteração, a proposta viabilizava ainda situações de conflitos de interesse em negócios entre membros dos órgãos sociais do clube e o próprio FC Porto (desde que isso fosse do “manifesto interesse do clube”) e o apoio financeiro do FC Porto às casas do clube e às claques.
Estas propostas não chegaram a ser aprovadas, a AG extraordinária foi suspensa e tudo mudaria no FC Porto nessa noite de 13 de novembro de 2023.