Acabaram-se as entrelinhas: André Ventura está a preparar o Chega para eleições antecipadas. As jornadas parlamentares do partido, em Castelo Branco, marcam o pontapé de saída do novo ano político e o presidente do Chega faz questão de ir mais além, com juras de que o partido é diferente de PS e PSD, que não se deixa “espezinhar” ou “humilhar” e que está pronto para ir à luta — com um apelo interno fulcral: é preciso colocar de parte as discrepâncias e ir à luta porque pode ser preciso estar pronto a qualquer momento.

O tema do Orçamento do Estado — numas jornadas parlamentares cujo mote é “Desafios orçamentais para 2025” — está enterrado. O Chega colocou-se de fora das negociações, com a justificação de que o Governo escolheu o PS como parceiro preferencial, e Ventura não recua nem um milímetro.

“O Chega já deixou claro que não negoceia com partidos que estão a negociar com o PS as medidas do PS. Era preciso que o Governo voltasse tudo atrás e dissesse ‘Afinal, não queremos negociar medidas do PS e vamos aceitar negociar medidas à direita contra a corrupção, a imigração, pela descida de impostos'”, disse ainda à entrada das jornadas parlamentares.

No discurso de abertura foi bem mais claro e dedicou-se a olhar para o futuro, aquele que, reconheceu, pode não ser nada risonho para o Chega, nomeadamente após um Orçamento do Estado que considera o “grande momento do ano político” e o “definidor da capacidade do Chega em agir e reagir”. Ventura acredita que pode estar “ali na curva uma possibilidade de perder”, mas os riscos eleitorais não podem limitar o partido no cumprimento dos seus ideais, defendeu. “Não queremos perder deputados? Não, não queremos. Queremos ganhá-los. Queremos passar a barreira da maioria parlamentar? Queremos. Podemos perder? Podemos. E o partido tem que saber isso.”

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Ciente de que um partido que atinge a dimensão do Chega pode correr o risco de sofrer com quezílias internas caso seja prejudicado nas urnas, o líder do Chega foi antecipando os problemas, sublinhando que “este não é um momento interno”: “Vamos esquecer por um momento que temos ou dúvidas ou disputas, que temos diferenças ou divergências. Todos os grandes partidos as têm”, desvalorizou, numa tentativa de união para um momento que vê como praticamente inevitável.

De resto, fora das negociações do Orçamento do Estado por opção própria e ao corrente da possibilidade de o documento chumbar e até de umas eleições antecipadas, André Ventura conhece o peso que essa opção pode ter nas urnas e quis alertar os deputados presentes para a necessidade de “continuar a percorrer todas as feiras, todas as ruas, todos os mercados, cada sítio deste país, a contactar com aqueles que elegeram [o Chega], a explicar-lhes as razões” do partido para o fazer.

Pelo caminho, o líder do Chega acusou ainda Luís Montenegro de se dizer primeiro-ministro de um Governo com capacidade negocial e de “não meter um pé numa sala de negociações”, descrevendo a atitude como “a maior charada, a maior fraude e o maior artifício do nosso tempo”.

Sem o referir pelo nome, Ventura assegurou ainda que o Chega não é o PRD (Partido Renovador Democrático) patrocinado por Ramalho Eanes. “Do Governo à la Cavaco, pronto a negociar, que quer que o deixem governar, mas [tem uma] grande força do bloqueio que é o Chega não o deixa governar. A esses que vivem com saudades de 1985, digo sempre, 1985 não é 2024, e o que acontecerá em 2025, 30 anos ou 40 depois dessa fatídica data, pode ser muito diferente do que aconteceu.”

André Ventura continuou a alimentar a narrativa de que tudo fez para contribuir para a estabilidade, argumentando que o Chega foi para as “negociações orçamentais com a melhor boa vontade do mundo” e recordando que após as eleições de 10 de março fez périplos por órgãos de comunicação social e conferências de imprensa a mostrar-se disponível para construir uma maioria à direita. Tudo falhou e, apontou, o culpado é Luís Montenegro. A consequência será uma “crise política que o país não quer e que o Chega não desejava”. “Mas antes a crise política dos íntegros do que a solução política dos vendidos e daqueles que cedem a cada tempo”, rematou, em mais um dedo apontado ao Governo.

O Chega sentiu-se encostado à parede pelo Governo de Montenegro, “espezinhado, humilhado e ostracizado”, e procura agora um rumo longe do PSD. Aos olhos de Ventura, o Chega só servia para apoiar o Governo “vergando-se” e foi isso que levou ao murro na mesa durante a rentrée política. Isso e aquilo a que chamou uma “preferência quase patológica pelo PS, a preferência quase intrínseca para se colocarem na mesma cama do que o PS” — o que levaria o líder do partido a concluir: “Nós não podemos aceitar isso. E quem disser que podemos aceitar é porque não compreende o ADN de que foi feito este partido.”

Ventura prosseguiu para sublinhar que o Chega tem de continuar a explicar ao país que se colocou fora do Orçamento do Estado, contrariando as teses de que o partido está a “bloquear” o país, e fê-lo atribuindo culpas a Luís Montenegro: “Este partido que governa exatamente igual ao que governou o PS não pode ter a nossa confiança. Aqueles que querem governar como António Costa governou não podem ter o nosso beneplácito nem o nosso cartão verde. Fizemos duas moções de censura ao governo de António Costa, como é que podemos tolerar alguém que governa exatamente igual a António Costa? Não, Luís Montenegro, se governar exatamente igual a António Costa, a nossa palavra não ao governo PS será a mesma: não ao governo do PSD.”

E diretamente para o primeiro-ministro, sublinhando que “nunca mais na vida” o “apanha de surpresa”, Ventura atirou: “E daqui, para ti, Luís, que saibas que nós estamos mesmo prontos e que nem sempre aqueles que enganam e aqueles que traem ganham.” A referência ficou por explicar, mas a história de Ventura e Montenegro já se cruzou no PSD, numa altura em que o líder do Chega acusou o atual presidente social-democrata de traição, e volta agora a cruzar-se com um no Governo e outro na oposição. E, não esquecer, com um “não é não” entre ambos.