“Penso que o maior contributo para a nossa ansiedade enquanto sociedade são as métricas do Instagram”. Em entrevista ao Observador, Sarah Frier, jornalista da Bloomberg e autora do livro “Sem Filtro — como o Instagram transformou os negócios, os influenciadores e a sociedade”, fala sem rodeios sobre o impacto da rede social na sociedade. Tudo depois de ter tido acesso confidencial ao que envolveu um dos grandes negócios de Silicon Valley dos últimos tempos: a compra do Instagram pelo Facebook. “Não sabíamos o que estava a acontecer na empresa”, revela.
O livro de Frier, que é jornalista de tecnologia na Bloomberg desde 2010, foi publicado nos EUA em abril de 2020 e a versão portuguesas chega às livrarias esta quarta-feira, editado pelo Clube do Autor. A obra foi distinguida por órgãos de comunicação social como a Fortune, o Financial Times, o The Times ou a Newsweek como um dos livros desse ano. Para Sarah, as distinções não deixam de ser importantes, mas esta investigação que contou com declarações confidenciais de “altos cargos do Instagram” é mais: é o retrato de uma empresa “cada vez mais influente culturalmente” que até mudou a forma como comemos.
Apesar de Mark Zuckerberg, o fundador e presidente executivo do Facebook — que Frier entrevistou em 2015 –, lhe ter dado uma nega quando lhe pediu uma citação para este livro, a jornalista continua a querer falar com o empreendedor. “Queria que fosse claro o que realmente é o Instagram e o que faz para o Facebook hoje em dia”, assume. Em entrevista, além de falar sobre como o Instagram pode ser mau, deixa também dicas sobre como se pode utilizar a rede social de forma saudável.
Há cada vez mais estudos que mostram que o Instagram deixa as pessoas infelizes. Depois de ter escrito este livro, que contou acesso a informação privilegiada, crê que há alguma forma de tornar o Instagram melhor ou isso é impossível?
Penso que o maior contributo para a nossa ansiedade enquanto sociedade são as métricas do Instagram. Todos já percebemos o que é ser um funcionário do Facebook sedento de crescimento. Com cada publicação, temos gostos, comentários, temos seguidores e temos uma oportunidade de nos compararmos aos outros e compararmo-nos à nós no passado. Dizer que um vídeo que fiz teve este tamanho de resposta, mas o que fiz com uma selfie teve mais. Se calhar devo fazer mais selfies.
Com cada coisa que contribuímos para o nosso Instagram aprendemos a ser curadores da nossa vida. Aprendemos a polir a nossa experiência para o consumo de outros. Esses números são mesmo aquilo que mexe connosco. Os números são como pontos, tornam isto num jogo. Temos de perceber, enquanto sociedade, que o números de gostos no Instagram não mede o quanto somos amados, não mede o quão felizes somos, não mede o quão bem sucedidos somos. Medem um produto desenhado para nos mantermos interessados e usá-lo mais.
Uma coisa que podiam fazer era livrarem-se das métricas. Isso tirava a gamificação, tornava-o menos interessante. Era capaz de ser mais saudável. Mas também podemos ter mais educação sobre a forma como a estrutura destes produtos funciona. Ao participarmos nestes sistemas estamos a usá-los devido a aborrecimento. Por falta de interesse. Estamos sentados nos sofás a deslizar o dedo no ecrã, passivamente, à espera que as coisas venham na nossa direção, porque é assim que são desenhadas. São desenhadas para preencher o vazio na nossa vida entre o que temos no trabalho e o que temos em casa.
Quando estamos nessa mentalidade de deslizar passivamente, não estamos a pensar porque é que estou aqui. Porque é que abri o Instagram? Tenho um propósito? Há alguém com quem queira mesmo comunicar e saber sobre a sua vida? Talvez as obras de um artista de quem não veja o trabalho há algum tempo. Uma marca que queira ver porque estou a mudar a minha cozinha. O que que que seja que se está a fazer nas redes sociais, se for com um propósito, é muito menos provável que se seja manipulado pelo design da plataforma.
Com tantos assuntos e empresas em Silicon Valey para se escrever, porque é que escolheu o Instagram?
O Instagram foi uma das grandes histórias que foi coberta com pouco relevo. O público viu a história do Instagram como uma história que acabou quando a empresa foi adquirida. Teve um sucesso enorme e foi vendida por mil milhões de dólares. Depois juntou-se ao Facebook e tudo parecia feliz. Parecia que eram independentes, que estavam a crescer, que eram populares. Contudo, isso só me fez fazer perguntas. Isso só significou que não sabíamos o que estava a acontecer na empresa.
O Instagram estava a ser cada vez mais influente culturalmente. É uma daquelas empresas em que basta andar na rua para se ver o impacto que tem. Não se vê isso noutros produtos de tecnologia que usamos. Podemos ver o impacto na maneira como as pessoas comem, como fazem compras, na forma como vão de férias ou como tiram fotografias. Foi tudo transformado pelo Instagram. [A rede social define] Quem é que se torna famoso e que negócios é que se tornam bem sucedidos. Achei que valia a pena explicar isso. Tentar aprender a ligação que foi feita entre as decisões feitas nestas empresas e as nossas vidas quotidianas. O que priorizamos, o que valorizamos, quem nos queremos tornar na sociedade.
No seu livro diz que a maior partes das fontes tiveram de falar confidencialmente. Porque é que o Facebook promove este tipo de secretismo?
Acho que o Facebook está preocupado com a perceção que o público tem do Facebook. Eles não querem que as pessoas partilhem aquilo em que estão a trabalhar. Há uma cultura de secretismo no geral na empresas de tecnologia por causa de todo o historial para lançar produtos para surpreender e cativar as pessoas. Mesmo sendo o Facebook uma empresa de software, eles não gostam que essas coisas saiam cá para fora antes de estarem prontas.
Acho que, recentemente, como tem existido tanta tensão interna e críticas de empregados sobre a gestão e o debate que há mais essa preocupação. O Facebook sempre teve orgulho em ser uma empresa transparente, mas isso mudou recentemente com a empresa a tornar-se mais poderosa e com os funcionários que trabalham ali começarem a questionar as decisões da liderança.
Já referiu que há uma cultura no Facebook de “destruir a competição”. Então não é só uma forma de secretismo apenas por causa de negócios. Há maus motivos?
Creio que, quando se ouve o objetivo final do Facebook — “conectar o mundo a uma rede” –, se intui que não é tanto sobre ajudar as pessoas a ganharem empatia pela humanidade. É mais sobre construir um negócio maior. Ter a certeza que o maior número de pessoas possíveis estão a usar, a depender e a construir um hábito em torno destes produtos. Quanto mais construimos um hábito de usar o Facebook, o Instagram e o WhatsApp, e tudo o que têm integrado nos seus produtos, cada vez mais levamos o Facebook para as nossas vidas. Depois, isso define aquilo que compramos e podem fazer anúncios. É todo um ecossistema que depende de crescimento.
Entrevistou Mark Zuckerberg em 2015. Já falou com ele depois disso?
Algumas vezes. Especialmente depois das crises do Facebook. Seja a Cambridge Analytica, seja a interferência em eleições nos EUA. Zuckerberg tem feito conferências de imprensa como um político. Sou uma participante frequente desses momentos. Acho que fizemos uma história em 2017 em que o cumprimentei.
Mas depois de o livro ter sido escrito, falou com ele?
A não ser em situações de grupo [não falei].
Isto porque diz no seu livro que só conseguiu uma citação de Mark Zuckerberg.
Pedi-lhe se podia falar comigo para uma citação para a contracapa do livro, mas não quis.
Se pudesse falar com Mark Zuckerberg agora — depois de já ter publicado o livro — e só pudesse fazer a uma pergunta, o que é que lhe perguntava sobre a forma como o Facebook gere o Instagram?
Queria que fosse claro sobre o que realmente é o Instagram e o que faz para o Facebook hoje em dia. O Facebook não divulgou as receitas do Instagram. Não revela quantas pessoas é que usam o Instagram desde 2018. Estou morta por saber as respostas a essas perguntas neste mundo em que estamos a avaliar o poder do Facebook e o efeito das aquisições do WhatsApp e do Instagram nisso e se é um poder monopolista. E o tamanho do Instagram no Facebook. Nunca divulgam isso.
Se tivesse tempo com o Zuckeberg, teria imensas questões, mas isto seria uma prioridade. Deve ser uma prioridade para jornalistas perceber o quão grande e importante é o Instagram. Sabendo isso, pode avaliar-se o Facebook.
Considera que Mark Zuckerberg é “um vilão” — refere que algumas pessoas o vêem assim –, ou é apenas uma pessoa que está a tentar gerir uma empresa que, simplesmente, se tornou demasiado grande para saber tudo o que esta faz?
Acho que é humano. Acho que é uma pessoa muito determinada e as suas prioridades são mais alinhadas com aquilo que os acionistas querem do que com aquilo que quer ou aquilo que seria melhor para as pessoas. Quem somos nós para dizer o que é melhor para as pessoas? Quem é ele para dizer o que é melhor para as pessoas? Acho que é muito difícil chegar a esse ponto em que se tem esse tipo de poder.
Acho que é difícil de definir um vilão, mas, quando se olha para Zuckerberg, vê-se que é uma das pessoas mais poderosas do mundo. É dono desta rede ou gere esta rede que tem mais de 3,4 mil milhões de pessoas a usarem-na e é o único decisor. Tem a maioria do poder de voto. É a última palavra em tudo. Para uma pessoa ter tanto poder sob o pensamento humano do mundo, a maioria da população conectada na internet, acho que nunca aconteceu na História. E penso que isso é algo que merece escrutínio. Mas se penso, pessoalmente, que é um vilão? Não.
Crê que o Instagram mudou a forma como as empresas gerem os seus negócios e marketing para sempre?
Acho que mudou para sempre e digo porquê. Agora, as barreiras para a entrada para qualquer negócio são visuais, são sobre influência. As pessoas podem tornar-se em negócios. Os negócios podem tornar-se personalidades. Estamos a derrapar para este mundo onde cada pessoa tem a sua versão do que é popular na internet. E podem desenvolver isso como curadores.
Se calhar gosto muito de aguarelas e você gosta muito de motas. Diferentes pessoas vendem-me coisas, outras vendem-lhe a si. É tudo feito pelas redes sociais. A ideia de um mercado massivo, em que todos gostam das mesmas coisas, ou onde toda a gente tem as mesmas celebridades na cabeça, ou onde toda a gente vive na mesma realidade, isso nunca mais vai acontecer. Por isso, todo o nosso mundo está a transformar-se neste espaço mais influente, neste espaço de interesse de media que é liderado pelo Instagram e pelas redes sociais.
Se não tivéssemos o Instagram, o mundo seria melhor?
Depende de como é que se usa. Já falei um pouco sobre isso. Temos mesmo de perceber que é uma força muito poderosa. Temos de perceber como esse poder muda a nossa opinião, como condiciona a forma como gastamos dinheiro, como afeta a forma como interagimos com amigos e família ou como nos apresentamos. Penso que é muito positivo perceber isso.
Lembro-me quando estava em Lisboa, fui a um bar chamado Red Frog e falei com a pessoa no bar, que disse que tinha feito muitos amigos no Instagram em todo o mundo, que também fazem cocktails muito interessantes. Sabia de um bar em que estive em São Paulo ou de um bar em que estive em São Francisco. Disse que no Instagram partilham ideias, partilham receitas. Esse é um bom exemplo.
Depois, há o outro lado. Falei há uns tempos com outra pessoa, um adolescente de Los Angeles, que disse que quando os amigos vão à praia que perdem 45 minutos a secar o cabelo para que esteja perfeito. E, quando lá chegam, a atividade que fazem é tirar fotografias fantásticas mas que não vão à água porque não querem molhar o cabelo. É o oposto.
Em suma, o Instagram é bom para o mundo? Depende de como se usa.
Qual é que foi o maior erro que o Facebook fez com o Instagram?
Acho que o maior erro do Facebook, no geral — talvez também com o Instagram –, é que crê que mais atenção é algo melhor. Quando olham para os números e veem que mais pessoas estão a usar um produto, ou que mais pessoas estão a partilhar publicações, ou que estão a comentar mais, interpretam como: “Isso deve ser uma coisa que dá mais valor à sua vida, isso deve ser o que os torna felizes”.
Como sabemos, a informação mais viral não é necessariamente a melhor. A pessoa mais seguida no Instagram não é necessariamente o exemplo mais saudável de alguém que contribui para a sociedade. Creio que há uma falácia lógica na maneira como o Facebook concebeu os produtos: mais significa mais satisfação. Números maiores significa utilizadores mais felizes. Penso que isso não é verdade pela forma como estes produtos são utilizados.
Agora, temos um Instagram que tem mais de mil milhões de utilizadores e não acompanham o lado negro da sua plataforma. Esta empresa tem estado tão focada em crescer que não pensou no que fazer assim que consegue ter estas pessoas todas. Não perguntou o que fazer quando se tem tanta gente. Parece que a resposta do Facebook é levá-las a passar mais tempo no Instagram.
O TikTok já é o próximo Instagram?
Acho que é diferente. O TikTok tem uma cultura muito diferente em seu redor. Sempre que uma nova plataforma de rede social aparece há uma oportunidade para diferentes pessoas ficarem famosas. Por isso, pessoas diferentes podem chegar ao topo. Isso aconteceu de forma muito rápida no TikTok. O TikTok é menos um lugar para partilhar momentos do dia a dia e mais um sítio para se ser um criador de vídeos. Seja em comédia, cozinha ou a dançar. É muito mais para criar esse conteúdo. Enquanto que o Instagram é mais um diário muito bem tratado e curado da vida.
O Zuckerberg já copiou o Tiktok com os conteúdos Reel no Instagram. No passado, consideraram comprar o Musical.ly, que foi o precendente do Tiktok. Foi a ideia do Kevin Sistrom [um dos fundadores do Instagram] para que fizessem isso. Acabaram por não o fazer porque estavam preocupados com a verificação de idade. Os EUA têm leis muito fortes sobre crianças nas redes sociais e o Musical.ly era usado por muita gente abaixo dos 13 anos. Além disso, era detido por uma empresa chinesa. Não sabiam se conseguiriam comprar uma empresa detida pela China.