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O vídeo que circula nas redes sociais mostra a atriz brasileira Giovanna Ewbank a gritar: “Racista nojenta”. A mulher para quem grita está sentada, mas momentos antes tinha entrado num restaurante na Costa da Caparica e terá começado a insultar os filhos da atriz, casada com o também ator Bruno Gagliasso, e um grupo de angolanos que ali se encontrava. “Pretos imundos”, “voltem para África”, “voltem para o Brasil”, “Portugal não é lugar para vocês”, terão sido alguns dos insultos proferidos — mas desse momento não há registos em vídeo.
Rapidamente o caso ganhou dimensão no Brasil e o mesmo está a acontecer em Portugal. Os atores brasileiros, conhecidos pelas suas participações na novela “Malhação”, já apresentaram queixa à Guarda Nacional Republicana (GNR) e o caso vai agora ser investigado, tal como o Observador avançou — o Ministério Público também já confirmou a abertura de inquérito. Mas quem é a mulher de 57 anos suspeita? O que se sabe sobre ela e sobre o que aconteceu?
O que aconteceu no restaurante da Costa da Caparica?
O caso aconteceu no passado sábado, dia 30 de julho, no restaurante de praia Clássico Beach Club, na Costa da Caparica, onde estavam Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso — que estão a passar férias em Portugal: “É um restaurante onde gostamos muito de ir porque sempre encontramos muitas pessoas pretas ali e, para os nossos filhos, achamos isso importante“, explicou a atriz numa entrevista ao programa “Fantástico” da TV Globo.
A família estava nesse estabelecimento ao final da tarde, acompanhada de amigos e família, quando “uma mulher branca, que passava em frente ao restaurante”, terá proferido insultos racistas não só contra os filhos dos atores, mas também a “uma família de turistas angolanos que estavam no local — cerca de 15 pessoas negras”, informou a família num comunicado. A GNR também confirmou ao Observador que, “do relato das várias testemunhas, estariam mais pessoas de outras origens e que também teriam sido criados distúrbios com eles”.
A mulher não estava dentro do restaurante e aproximou-se dos filhos do casal, que estavam junto à areia. “Estavam na praia a brincar e de repente uma das crianças subiu e falou o que tinha acontecido e ficámos muito chateados”, relatou o ator. “Pretos imundos”, “voltem para África”, “voltem para o Brasil”, “Portugal não é lugar para vocês”, foram alguns dos insultos proferidos, segundo relatou a mãe das crianças na entrevista.
Apesar de o gerente do restaurante ter pedido para não entrar, a suspeita acabou por fazê-lo. “O gerente pediu para ela se ir embora, mas ela negou e começou a xingar alto“, relatou o ator. “Quando percebemos o que estava a acontecer, o Bruno saiu da mesa, foi até ao gerente e mandou chamar a polícia. Eu vi que a família de angolanos estava recuada e aí eu comecei a entender que era algo racial”, contou Ewbank.
O próprio restaurante também confirmou o sucedido e repudiou “as condutas criminosas e racistas praticadas por uma mulher branca contra os filhos de Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, além de turistas angolanos”. “Lamentamos que em 2022 tais condutas ainda sejam perpetradas e reforçamos o nosso compromisso em combater práticas racistas e discriminatórias”, lê-se na nota partilhada nas redes sociais do estabelecimento.
O que se vê no vídeo?
O momento após os insultos foi captado por pessoas que estavam no restaurante. No vídeo, é possível ver a atriz Giovanna Ewbank a enfrentar a mulher — a quem terá, inclusivamente, cuspido na cara. “Acho que ela nunca esperava que uma mulher branca fosse combatê-la como eu fiz“, disse a atriz em entrevista à TV Globo. Pode ainda ouvir-se Ewbank a chamar à mulher “racista nojenta” — o que o marido considerou ser “um grito de dor, mas também de indignação”.
A atriz brasileira referiu que a filha mais velha “ficou muito assustada”. “O Bless não percebeu muita coisa, porque ele estava brincando. Mas a Titi entendeu tudo“, contou, considerando que “é muito cruel pensar que Titi e Bless, que têm 9 e 7 anos, já têm que ser fortes” e que “já precisam ser preparados para combater o racismo, sendo que com 9 e 7 anos são duas crianças que teriam que estar vivendo sem pensar em absolutamente nada”. Esta foi, disse, “a primeira vez” que a sua filha a viu “combatendo o racismo de frente”. “A gente fala muito sobre isso com eles, mas ela nunca tinha me visto combatendo de frente como foi feito”, rematou.
A polícia foi chamada?
Sim. No comunicado emitido pela família, é explicado que Bruno Gagliasso acabou por chamar a polícia. E, no vídeo que circula nas redes sociais, é possível ver a mulher a ser levada por dois militares da GNR. Segundo confirmou o Observador junto de fonte desta força policial militarizada, a mulher, que se encontrava alcoolizada, foi levada para o posto da GNR, onde foi identificada e ouvida. Depois, acabou por ser libertada por ordem da Procuradora da República.
Foi apresentada queixa contra a mulher?
Sim. Logo no comunicado da família era referida a intenção do casal de apresentar “formalmente queixa contra a racista”. Entretanto, esta segunda-feira, o Observador confirmou junto de fonte da GNR que os pais das crianças apresentaram uma queixa por discriminação racial contra a mulher — cuja moldura penal varia entre seis meses a oito anos de prisão.
O crime pelo qual há uma queixa apresentada é de discriminação racial. No entanto, no momento da detenção, a mulher ofendeu os militares da GNR, acabando também por ser detida pelo crime de injúria, agravado pelo facto de se tratarem de agentes de autoridade — neste caso, a mulher arrisca uma pena de prisão até quatro meses e meio ou pena de multa até 180 dias.
Com um inquérito aberto, a GNR irá ouvir testemunhas que estiveram no local e que possam ajudar a esclarecer o que aconteceu. “Foram identificadas algumas testemunhas que agora serão ouvidas. No âmbito dessa queixa, serão feitas as diligências de inquérito”, informa também a GNR. Uma dessas diligências pode também passar por recolher as imagens de videovigilância que o próprio restaurante já se mostrou disponível a fornecer.
O que se sabe sobre a suspeita?
Tem 57 anos, segundo confirmou fonte da GNR ao Observador. E, segundo está a ser noticiado no Brasil, será a mesma pessoa que já teria insultado uma brasileira. De acordo com o jornal “Metrópoles”, em março deste ano, a mulher terá entrado num bar e começado uma discussão com um grupo de pessoas naturais do Brasil que ali se encontrava, tentando mesmo atirar uma cadeira contra elas. No entanto, o Observador não conseguiu confirmar que se trata efetivamente da mesma mulher.
“Estava no bar em que um amigo trabalha e ela começou a se exaltar dentro bar. Quando ela saiu, eu estava lá fora com uns amigos brasileiros e ela já começou a gritar falando: ‘Brasileiros, vão para o Brasil’. Depois de um tempo de discussão, ela tentou jogar uma cadeira em mim, que não acertou, e continuou xingando e falando para nós brasileiros irmos pro Brasil”, contou Eduarda Rabello, brasileira a viver em Portugal, que estava nesse grupo. O jornal “Metrópoles” divulgou vídeos, onde se vê uma mulher no centro de Lisboa a dizer: “Brasileiros, vão para o Brasil”.
A mulher alegadamente alvo de insultos adiantou que chamou a polícia e que, à semelhança do que aconteceu na praia da Costa da Caparica, a suspeita começara a provocar os polícias: “Depois de um tempo chamei a polícia, eles chegaram e nem assim ela se controlou”. Além de ter afirmado que não os ia levar a sério porque “tinham cara de taxistas”, a mulher de 57 anos terá gritado: “Leva-me para a esquadra. Lá é a minha casa”.
No entanto, Eduarda Rabello não apresentou queixa, porque, segundo ela, os polícias disseram-lhe que o caso não iria dar em nada e seria uma perda de tempo. Mas agora, diz-se disposta a ajudar Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso na investigação ao episódio do último fim de semana.
O que disse o Presidente da República sobre o caso?
Os contornos do caso já levaram o Presidente da República a reagir, condenando o episódio. Em comunicado, afirmou que “qualquer comportamento racista ou xenófobo é condenável e intolerável, e deve ser devidamente punido, seja qual for a vítima“. Marcelo Rebelo de Sousa entende que “não vale a pena negar que há, infelizmente, setores racistas e xenófobos entre nós”, porém, defende que “não se pode, nem deve, generalizar, pois o comportamento da sociedade portuguesa é, em regra, respeitador dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana”. “O mesmo se dirá, especificamente, quanto às comunidades dos países irmãos de língua portuguesa, que têm vindo a aumentar a sua presença entre nós e são motivo de gratidão e de orgulho para Portugal”, lê-se.
O Presidente da República lembrou ainda que “a sociedade portuguesa é constituída por pessoas das mais variadas origens, que aqui chegaram há poucos ou há muitos anos, alguns há séculos, aqui vivem, trabalham, constituem as suas famílias”. E aponta que “não há ‘portugueses puros’”. “Somos todos descendentes de culturas, civilizações e origens muito diversas. Somos todos transmigrantes, todos temos familiares e amigos que vivem ou viveram fora do quadro geográfico físico de um país; tal como tantos que aqui encontram uma melhor vida. E todos somos Portugal”, rematou.
Mais tarde, em declarações aos jornalistas numa visita a Idanha-a-Nova, o Presidente da República afastou novamente a ideia de que “em Portugal há alergia a brasileiros”, embora reforce também que estes episódios “devem ser exemplarmente considerados e, se for caso disso, punidos”. “É injusto generalizar que o comum dos portugueses é racista ou xenófobo ou tem alergia à comunidade brasileira”, insistiu ainda, rematando: “Não há sangue puro.”
Marcelo garante que “não há alergia à comunidade brasileira” em Portugal
Já em entrevista ao jornal “O Globo”, Marcelo Rebelo de Sousa reforçou que este episódio é “inadmissível” e defendeu que “a polícia fez o que devia fazer”. Considerando que o “racismo é um fenómeno que existe na sociedade portuguesa”, disse também que “não é possível generalizar”. “Não pode ser generalizado, dizer que todos os portugueses são racistas ou que há uma campanha contra os brasileiros. Ao contrário, não explicava a vinda de uma imensa comunidade brasileira. Ninguém é sadomasoquista. Se achassem que não se sentiam bem em Portugal, não vinham”, disse.
Como é que o Brasil está a reagir ao caso?
Lula da Silva, antigo presidente do Brasil e atual candidato às eleições presidenciais, demonstrou a sua “solidariedade” aos atores brasileiros, à sua família, mas “também aos turistas angolanos”. “Nenhuma mãe ou pai merece ver seus filhos sendo vítimas de xingamentos racistas”, escreveu, apelando: “Vamos construir um mundo sem racismo”.
Nenhuma mãe ou pai merece ver seus filhos sendo vítimas de xingamentos racistas. Minha solidariedade a @gioewbank, @brunogagliasso, sua família e também aos turistas angolanos que sofreram ataques racistas ontem. Vamos construir um mundo sem racismo.
— Lula (@LulaOficial) July 31, 2022
No Brasil, são várias as figuras públicas que reagiram ao caso. Nos comentários a uma publicação com o vídeo que mostra o momento em que Ewbank confronta a suspeita, a apresentadora brasileira Xuxa defendeu a atriz, dizendo-lhe que foi “muito educada e forte”. “Arrebentaria com os dentes dela, podem dizer que eu ia perder a razão, que não deveria, mas nada, nada justifica essa senhora fazer isso”, escreveu.
Também o YouTuber brasileiro Felipe Neto veio mostrar solidariedade com Ewbank, elogiando a forma como reagiu. “Racista se trata na porrada ou na humilhação pública. Não há outro caminho”, escreveu numa publicação no Twitter, onde acrescentou: “Parabéns, Gioh. Serei sempre seu fã”.
https://twitter.com/felipeneto/status/1553519048972967938
Já os jornais brasileiros têm dado muito destaque a este caso, mas também a outros. Por exemplo, já depois do episódio com os atores, o jornal brasileiro “O Globo” publicou uma reportagem sobre racismo nas salas de aula em Portugal, onde se entrevista uma professora brasileira que descreve situações de preconceito entre alunos, pais e até outros docentes.
[Atualizado às 16h19 de dia 3 de agosto com a informação de que o Ministério Público já confirmou a abertura de inquérito]