Portugal até já esteve na primeira metade da tabela, mas os anos que levaram à adesão ao euro e o que se seguiu a partir daí quase empurraram Portugal para o fim. Os portugueses não são dos mais poupados, mas melhoraram durante os anos de crise. Estados Unidos? Alemanha? França? Reino Unido? Não, estas economias não são as que mais poupam, são mesmo os países com petróleo como o Qatar e o Kuwait.
Basta deixar o correr o gráfico abaixo para perceber a evolução. Em 1980, segundo as contas do Fundo Monetário Internacional, Portugal estava na primeira metade dos países que mais poupavam em todo o mundo, com uma taxa de poupança bruta de 31,1% (rendimento disponível bruto menos despesas de consumo final, depois de ter em conta os fundos de pensões).
Poupança desceu significativamente nos anos que antecederam a entrada no euro até à crise
Nessa altura, era o Kuwait que mais poupava, com uma poupança nacional bruta superior a 70%, algo que durou até ao dia em que o Iraque invadiu e anexou o país e, como consequência, os Estados Unidos iniciaram a que viria a ser conhecida como a primeira Guerra do Golfo. Durante este período, o Kuwait passou de país com maior poupança anual, para o pior, com um valor negativo que chegou a 236%, em 1991.
Portugal passou de uma taxa de poupança nacional bruta de 31% na década de 1980, para menos de 10% em 2009 e 2010, os anos que antecederam ao pedido de resgate, mas tem vindo a recuperar desde que pediu ajuda externa. Em 2011, a taxa subiu para 11,27%, em 2012 passou para 14,41% e em 2013 para 15,28%. A expetativa, segundo o FMI, é que suba para 16,34% já este ano e que continue a melhorar de forma gradual até finalmente ultrapassar os 20% em 2019.
Em 2019 os níveis de poupança da economia portuguesa devem ultrapassar os 20%
O Petróleo não é tudo. Mas ajuda muito
Qatar, Kuwait, Argélia, China, Irão, Singapura, Arábia Saudita, Guiné Equatorial, Mongólia, Omã. São estes os dez países com maior taxa de poupança bruta no mundo, de acordo com as contas do Fundo Monetário Internacional. O Qatar e o Kuwait, por exemplo, têm alternado no primeiro lugar da tabela em grande parte dos últimos 34 anos, com exceção do período da primeira Guerra do Golfo. Mas rapidamente o Kuwait voltou aos lugares cimeiros, tudo devido ao petróleo.
Só o Qatar (56,02%), o Kuwait (54,76%) e a Argélia (53,24%) terminarão 2014 com taxas de poupança superiores a 50%, todos países com grandes recursos de petróleo. Cerca de 97% das exportações da Argélia, menos conhecido dos três nestas andanças, são de petróleo e gás.
Os Estados Unidos, que têm a maior economia do mundo, não estarão, no final de 2014, muito longe dos resultados de Portugal, com uma taxa de poupança de 17,28%. Já a Alemanha, país tradicionalmente conotado como dos mais poupados, está na primeira metade da tabela com uma taxa de poupança de 23,9%, mas ainda longe dos lugares cimeiros.
Petróleo no sapatinho
A Noruega é, atualmente, o país europeu com maior taxa de poupança: chegará no final do ano aos 37,47%. Grande parte das receitas do país vêm do petróleo e a Noruega tem o maior fundo soberano do mundo. Mas isto não foi sempre assim.
O ano de 1969 foi cheio de emoções para o mundo. Os norte-americanos Neil Armstong e Buzz Aldrin tornavam-se os primeiros homens a andar na Lua, Richard Nixon tornou-se presidente dos Estados Unidos, Muammar Khadafi começava aos 27 anos o seu reinado na Líbia ao depor o Rei Idris, é realizada a primeira fertilização in vitro num óvulo de um ser em Cambridge e morreu Dwight Eisenhower, o general americano que coordenou a invasão norte-americana na Europa durante a fase final da Segunda Guerra Mundial e que viria a ser presidente dos Estados Unidos.
No caso da Noruega, as emoções chegariam no sapatinho e mudariam por completo a vida dos seus cinco milhões de habitantes: na véspera de natal, uma empresa norte-americana descobriu um grande campo de petróleo no Mar do Norte, território da Noruega.
As boas novas foram usadas, ao contrário do que se pensa hoje, da pior maneira. O Estado começou a gastar dinheiro com base em receitas que não tinha ainda, evitando mudanças muito necessárias na economia e, em particular, a reestruturação de muitas empresas públicas que eram deficitárias.
A economia foi contaminada com o que é conhecido em economia como a ‘doença holandesa’. A ‘doença holandesa’ refere-se a uma queda na indústria da Holanda depois da descoberta de um grande campo de gás natural em 1959. A descoberta e os gastos que se seguiram provocaram uma forte inflação, ou seja, a moeda valorizou-se muito, o que tornou os produtos exportados como pouco competitivos em termos de preços (ficavam muito caros, logo vendiam muito menos) e levaram o país a fugir da indústria. Isso tornou a economia pouco competitiva até entrar em quebra.
Na Noruega, esta foi a primeira fase. O país começou a vender muito petróleo e gás natural, começou a ter grandes problemas de competitividade, inflação muito alta e forte crescimento dos salários. Com base na expetativa de receitas futuras, o governo norueguês endividou-se de forma muito pronunciada e esteve muito perto de ter de pedir um programa de estabilização ao FMI no final da década de 80.
Nessa altura, por sorte ou golpe do destino, chegou a revolução no Irão. Em 1979, o Xá Pahlavi, apoiado pelos norte-americanos, foi deposto e o Ayatollah Khomeini assumiu o poder, no que ficou conhecido como a revolução islâmica. A revolução criou um grande reboliço da região e o resultado foi o preço do petróleo a quadruplicar.
Assim, os problemas da Noruega pareciam ter desaparecido e entrou-se numa década de crescimento do consumo e de crescimento do crédito. Mas, em 1986, os preços voltaram a cair e a economia colapsou. À crise nas contas públicas e na taxa de câmbio, somou-se uma crise na banca e o Estado a cortar despesa porque não tinha receitas.
Os responsáveis noruegueses pensaram então que, se tivessem uma terceira oportunidade, fariam diferente. E à terceira foi mesmo de vez.
Desta vez é (mesmo) diferente
Foi então que os responsáveis do Governo norueguês, tendo uma terceira oportunidade, decidiram ser mais cuidadosos e gerir de forma profissional as receitas provenientes do petróleo e do gás natural e para isso criaram um fundo soberano, ou seja, um fundo de investimento para gerir os investimentos do Governo.
O fundo foi criado em 1990, mas não havia dinheiro para lá colocar. Só em 1996 foram conseguidas poupanças para colocar neste fundo, os primeiros 200 milhões de dólares. Hoje em dia, quase 18 anos depois, os fundos soberanos têm cerca de 850 mil milhões de dólares, para uma população de cinco milhões de pessoas, o maior fundo soberano do mundo, superior, mesmo, ao da China ou dos países que há muitos mais anos têm vindo a sobreviver à custa das receitas da venda de petróleo, casos do Qatar e do Kuwait.
E tudo isto foi conseguido com uma política de investimento muito criteriosa: não investem em alguns tipos de armas (como as armas nucleares e químicas), produtos nocivos para a saúde como o tabaco, empresas com violações dos direitos dos trabalhadores, como a empresa norte-americana Walmart, ou empresas de construção com empreendimentos na Faixa de Gaza ou na Cisjordânia.
Por outro lado, grande parte do investimento é feito em energias renováveis e na promoção da eficiência energética. Entre os países com maiores fundos soberanos, a Noruega é o único com uma democracia liberal.