A história da Padaria Ribeiro, uma das mais antiga do Porto, começou a escrever-se em 1878 na Praça do Pão — hoje conhecida por Praça Guilherme Gomes Fernandes — onde várias barracas de madeira vendiam pão todos os fins de semana. “O nome [Ribeiro] surge do apelido dos fundadores, um casal natural de Valongo, cidade com uma grande tradição de biscoiteira”, explica ao Observador Afonso Vieira, um dos dez sócios atuais do negócio.
Teresa Ribeiro Lima, viúva do fundador, ficou ao leme do projeto, cuja oferta se resumia à venda de pão e alguns biscoitos. Em 1940, o contabilista da padaria ficou encarregue de lhe dar continuidade e comprou o edifício na porta ao lado para aumentar a produção. “O senhor faleceu nos anos 70 e um dos filhos herdou a responsabilidade, foi aí que a casa começou a entrar numa situação complicada, com dívidas ao fisco e à segurança social. Houve um desgoverno grande e a padaria não se modernizou numa altura em que abriram muitos negócios semelhantes. A gestão estagnou e definhou, a sobrevivência estava realmente em causa”, recorda Afonso Vieira.
Uma sociedade constituída por dez pessoas, com experiência ligada à indústria alimentar, viu potencial na casa já conhecida no Porto e arredores e decidiu comprar a Ribeiro em 1987, mantendo as receitas originais e os fornecedores nacionais. “A primeira coisa que fizemos foi estancar a hemorragia dos custos descontrolados e os funcionários que foram contratados exageradamente. Depois aproveitámos o boom económico a seguir ao 25 de abril, com os fundos europeus a economia cresceu bastante e, graças a isso, conseguimos modernizar as instalações, melhorar a imagem, retificar o atendimento e acrescentar produtos.”
Os novos donos mantiveram os biscoitos clássicos, como os pirilampos, os fidalgos, os cacos ou os caramujos, introduziram pastelaria salgada, como o lanche misto, as empadas de vitela, a bola de carne, os croquetes ou os rissóis, e descontinuaram alguns produtos que pelos seus ingredientes não garantiam a qualidade durante todo o ano, como é o caso dos biscoitos de limão ou dos beijinhos, com açúcar no topo. As mudanças foram bem recebidas e o projeto prosperou. “Foi uma aposta ganha, se tivéssemos vendido a casa nessa altura seria um ótimo negócio”, garante Afonso Vieira, um dos atuais responsáveis.
Ao número 21 da Praça Guilherme Gomes Fernandes chegavam pessoas de Braga, Amarante ou Lisboa. “Temos famílias clientes que vão na terceira geração, licenciados que estudaram no Porto, vinham sempre almoçar aqui e agora quando voltam fazem questão de passar. A memória das pessoas é um ativo muito difícil de contabilizar, mas temos noção que vale muito.”
Entre os nomes mais famosos, como músicos, escritores ou autarcas, em 1999 foi a vez do ator John Malkovich descobrir a padaria e se tornar um cliente fiel durante pelo menos uma semana. “Ele estava no Porto e filmar cenas para um filme e num dia de chuva bateu à porta das nossas traseiras. Lembro-me que estava a tirar as medidas para umas obras que iríamos fazer e ainda lhe dei uma seca de 15 minutos”, recorda Afonso Vieira, que foi rapidamente contactado pela produção do filme para acertar os detalhes da cena que ali iria ser gravada.
“El Clandestinidade” estreou em 2002 e foi a primeira experiência em realização do ator, um filme cuja ação se centra nas convulsões políticas de um país da América do Sul, tem a particularidade de incluir algumas cenas rodadas em Portugal e de no elenco constarem nomes como Luís Miguel Cintra, Alexandra Lencastre ou Javier Bardem. “Ainda trocaram uma porta para o cenário e num sábado vieram cá filmar, a parte da frente da loja estava a funcionar normalmente e várias funcionárias fizeram de figurantes. A ideia era gravar alguém a comprar pão, mas como ele gostava tanto das nossas tartes de amêndoa, na cena o pão foi substituído pelas tartes”, recorda Afonso Vieira, revelando que no fim do trabalho, o ator ainda lanchou e tocou uma serenata a um casal.
Em 2001, o Porto foi a Capital Europeia da Cultura e à boleia da iniciativa o centro da cidade ficou repleto de obras a céu aberto. “Sofremos bastante com isso, teve um impacto muito negativo”, lembra Afonso Vieira, acrescentando que já nessa altura o desejo de expandir a Padaria Ribeiro para outras zonas era antigo. Assim, em 2002 é inaugurado um espaço na Foz, quatro anos depois em Matosinhos e logo a seguir um franchising na Maia. A produção para as quatro moradas mantinha-se na Baixa, mas o espaço começou a ser pequeno para tanto trabalho e em 2006 a confeção passou para uma fábrica em Ermesinde, onde está instalada até hoje.
A arte de fazer doces e salgados à mão e um vírus que abanou a faturação
Divida por várias salas, esta unidade fabril funciona 24 horas, em cada turno trabalham 18 pessoas e, da massa ao embalamento, tudo é feito dentro destas portas. À entrada, na garagem, estão várias carrinhas frigoríficas estacionadas prontas para levar a mercadoria para as quatro lojas, sendo que no dia anterior cada uma faz uma lista dos produtos que faltam.
O barulho das máquinas que misturam alguns ingredientes confunde-se com a música portuguesa que vem do rádio ligado. Em cima das mesas de inox há rolos de cozinha e tabuleiros XXL, farinha e pincéis com manteiga ou ovo. Se de um lado, uns enrolam os croissants a toda a velocidade e dão forma aos húngaros, do outro, recheiam-se empadas de vitela distribuídas em papel vegetal e espalham-se bases de bolacha de aveia para as tartes de maracujá. Ao fundo da sala, há quem tire do frigorífico o que precisa ou mexa vários tachos no fogão ao mesmo tempo, seja com chocolate derretido, misturas de legumes ou camarão para as empadas.
Luís Pereira é um dos poucos homens a trabalhar no espaço, tem 22 anos e é natural de Aveiro. Pasteleiro de profissão, esteve 15 anos em Lisboa até que respondeu a um anúncio da padaria que “já conhecida pelo nome”. Numa taça verde, mistura à mão os ingredientes do bolo gengibre e tira do armazém, com todo o cuidado, o tabuleiro dos pães que estão a levedar. O desafio maior, diz, é que “o produto se mantenha exatamente igual nas quatro moradas da marca”.
Os biscoitos seguem viagem para as lojas já embalados, as empadas vão ultra congeladas e os croissants são transportados em massa. Chegados ao destino, os biscoitos vão diretamente para a montra, as empadas são finalizadas no forno e os croissants ficam a levedar durante quatro horas. E o que sobra na padaria ao fim de cada dia? “Oferecemos às paróquias do Marquês e de Cristo Rei que ajudam pessoas necessitadas”, explica o responsável, Afonso Vieira.
Lurdes Queirós é chefe de produção e veste o avental da Ribeiro há 28 anos. “Comecei por lavar tabuleiros, passei para os biscoitos e depois para a confeção de picados para os recheios”, conta ao Observador, garantindo que ainda se lembra do tempo em que os rissóis eram feitos à mão, sem o auxílio de uma máquina. “São muitos quilos nestes braços”, afirma, referindo-se à força que precisa para amassar certos ingredientes mais teimosos.
Apesar de nunca ter fechado as portas desde que o novo coronavírus chegou a Portugal, a Padaria Ribeiro foi obrigada a dispensar 30 dos seus 119 trabalhadores, sendo que 35% do pessoal está, neste momento, em regime de layoff. “A pandemia deu-nos uma pancada de menos 28% em relação a 2019, tirou-nos um milhão e 300 mil euros”, refere Afonso, adiantando que a loja da Baixa foi a que “mais sofreu” pela procura turística que tinha. “Na Baixa, os nossos clientes reduziram para metade, o turismo não é determinante para o sucesso do negócio, não dependemos tanto dele como a restauração e a hotelaria dependem, mas é sempre um tombo.”
Em pleno confinamento, a venda de pão até teve um “ligeiro crescimento”, assim como os produtos mais baratos, e, apesar da Ribeiro disponibilizar entregas em casa, há quem prefira ir mesmo à padaria e esperar pelas fornadas mais quentes. “Temos a noção que, apesar das dificuldades que vivemos e encontramos, somos uns privilegiados, não nos podemos queixar muito, ainda estamos abertos, os clientes ainda vêm buscar o que precisam”, sublinha o responsável. Afonso Vieira garante que neste segundo confinamento as restrições são maiores e não vender cafés e bebidas faz alguma diferença no final do mês. “É uma gama de produtos que tem uma margem comercial grande, tira-nos mais de 20% da faturação.”