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A acusação do Ministério Público foi deduzida no dia 31 de maio de 2022
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A acusação do Ministério Público foi deduzida no dia 31 de maio de 2022

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A acusação do Ministério Público foi deduzida no dia 31 de maio de 2022

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pancadaria na PJ. Responsável máximo da unidade de Évora acusado pelo MP de agressões a inspetor: "Tu não sabes com quem estás a lidar!"

Paulo Ferrinho terá apertado pescoço de inspetor. Foi acusado de ofensas à integridade física, abuso de poder e denúncia caluniosa. MP também quer investigar vítima, por suspeitas de agredir detidos.

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Cerca das 10h da manhã. O inspetor-chefe da Polícia Judiciária (PJ) de Évora entra no gabinete de Jorge Lentilhas. Aponta o dedo indicador na direção do gabinete de Baltazar Rodrigues, inspetor responsável pela 2.ª brigada, e grita: “Jorge, já imediatamente para a sala.” A reação imediata do inspetor, que acabou por seguir a ordem dada, foi perguntar ao seu superior hierárquico se lhe ia bater. “Se calhar vou, se calhar vou”, respondeu Paulo Ferrinho.

Mal entram na “sala”, o inspetor-chefe da PJ de Évora fecha a porta atrás de si e lança as mãos ao pescoço de Jorge Lentilhas. “Não me voltas a insultar, tu não me voltas a insultar!”, vai gritando. Ao mesmo tempo, vai dando joelhadas no inspetor, na tentativa de lhe “acertar nos genitais”, o que acabou por conseguir “pelo menos uma vez”.

O inspetor Baltazar Rodrigues, que assistia à agressão dentro do seu gabinete, foi o primeiro a tentar separá-los, mas sem sucesso. Entretanto, a discussão já se ouvia noutros gabinetes e o inspetor Alexandre Reis correu para a sala para tentar parar as agressões: Paulo Ferrinho, Jorge Lentilhas e Baltazar Rodrigues acabam por cair no chão, os três em cima uns dos outros. Já com todos de pé, o inspetor-chefe da PJ de Évora ainda se dirigiu a Jorge Lentilhas para o avisar: “Tu não sabes com quem estás a lidar!”

Esta é, para o Ministério Público (MP), a reconstituição do que aconteceu na manhã de 11 de fevereiro de 2022. E é a versão que levou a que, esta terça-feira, Paulo Ferrinho, o responsável máximo da Unidade Local de Investigação Criminal de Évora, fosse acusado de um crime de ofensa à integridade física qualificada, quatro de coação agravada, na forma tentada, — aquele que tem a moldura penal mais grave, prevendo uma pena de prisão de até cinco anos —, um de abuso de poder e ainda outro de denúncia caluniosa. “Com este comportamento, Paulo Ferrinho causou em Jorge Lentilhas, para além de dores, sangramento do nariz, hematomas em diversas zonas do corpo, nomeadamente na região abdominal e escoriações na região da cervical, carecendo de assistência hospitalar”, lê-se na acusação a que o Observador teve acesso.

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"Com este comportamento, Paulo Ferrinho causou em Jorge Lentilhas, para além de dores, sangramento do nariz, hematomas em diversas zonas do corpo, nomeadamente na região abdominal e escoriações na região da cervical, carecendo de assistência hospitalar"
Acusação do Ministério Público

Embora Jorge Lentilhas seja uma vítima neste caso, passou agora a suspeito num outro. Após mais de três meses de investigação deste inquérito, o Ministério Público extraiu certidão para o investigar, num processo isolado.

“Volte, chefe, que está perdoado. Bem dizia que íamos ter saudades suas.” O que terá provocado as agressões

Cinco dias depois das alegadas agressões, Jorge Lentilhas apresentou uma queixa contra o seu chefe no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora. Foi submetido a uma perícia por um médico do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, que concluiu que as “escoriações” no pescoço, nomeadamente cortes provocados pelas unhas do agressor, aliadas ao facto de o inspetor ter tido um enfarte do miocárdio no ano anterior, configuravam “uma situação de risco, tendo em conta o contexto laboral, requerendo por isso a adoção de medidas tendentes a assegurar a sua proteção”.

Mas o que terá motivado o inspetor-chefe a alegadamente agredir um funcionário seu? De acordo com a acusação do Ministério Público, cerca de meia-hora antes deste episódio de violência, Paulo Ferrinho estava no seu gabinete “quando ouviu Jorge Lentilhas” a falar com Paulo Carvalho, anterior responsável da Unidade Local de Investigação Criminal de Évora — encontrava-se ali “para entregar as classificações dos inspetores” do ano de 2020 — e a dizer: “Volte, chefe, que está perdoado. O senhor é um profeta, bem dizia que íamos ter saudades suas.”

Segundo explicaram algumas testemunhas ao Ministério Público, em causa está o facto de, duas semanas depois de Paulo Ferrinho assumir a direção da PJ de Évora, ter dividido esta unidade em duas brigadas: a primeira investiga crimes contra pessoas e a segunda contra o património. “O que fez sem consultar os inspetores, tendo Jorge Lentilhas e outros manifestado surpresa com a escolha dos profissionais para cada brigada”, especialmente porque não terá havido “critérios objetivos” para esta seleção, segundo se lê num auto de inquirição consultado pelo Observador. Outra testemunha falou mesmo num “clima de terror” e de “complô contra Jorge Lentilhas movido por Paulo Ferrinho e pelas pessoas da sua confiança”, em que os restantes inspetores “se vêem confrontados a ter de escolher um lado”.

O diretor nacional da PJ, Luís Neves, mandou instaurar dois processos disciplinares (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Certo é que o chefe atual da PJ de Évora ficou “indignado” com o que ouviu do seu subordinado e dirigiu-se ao gabinete do responsável pela 2.ª brigada, Baltazar Rodrigues, para se queixar. “Considerou um ataque pessoal”, lê-se na acusação. Um dos inspetores que partilha o gabinete com Jorge Lentilhas disse ao Ministério Público que Paulo Ferrinho estava “fora de si” e que falou “num tom de voz completamente alterado”.

“Vocês não se metam comigo que eu f***** um a um”. A reunião com todos os inspetores da PJ de Évora e as ameaças

Nessa mesma manhã de 11 de fevereiro, quando Jorge Lentilhas já se encontrava no hospital a ser examinado, o chefe da PJ de Évora “convocou uma reunião com todos os inspetores”, exceto três: Jorge Lentilhas, que estava ausente, Mafalda Calheiros, a mulher do alegado agredido, e Isalina Mendes, do gabinete de polícia científica. Além de apresentar a sua versão do que tinha acontecido — tinham sido uns “empurrões mútuos”, segundo explicou —, começou por pedir aos inspetores que “transmitissem a Jorge Lentilhas que, caso este não reportasse a situação ocorrida, trataria de o colocar, juntamente com a mulher, noutro departamento da PJ à sua escolha”. Mas também avisava que, caso o inspetor fizesse queixa das alegadas agressões, “corria o risco de ser exonerado de funções”.

Segundo algumas testemunhas ouvidas, Paulo Ferrinho lembrou que “já tinha pertencido ao Conselho Superior de Polícia Judiciária e instruído muitos processos disciplinares, alguns dos quais conduziram à expulsão de polícias e que se Jorge Lentilhas apresentasse queixa era isso que lhe iria acontecer”. Entretanto, ao que o Observador apurou, a 1 de junho — exatamente um dia depois de Paulo Ferrinho ser acusado —, o diretor nacional da PJ, Luís Neves, publicou um despacho com os resultados  das eleições para o Conselho Superior de Polícia Judiciária: e o responsável máximo da PJ de Évora foi nomeado como membro suplente daquele órgão consultivo da Direção Nacional.

"[Paulo Ferrinho terá pedido que] transmitissem a Jorge Lentilhas que, caso este não reportasse a situação ocorrida, trataria de o colocar, juntamente com a mulher, noutro departamento da PJ à sua escolha"
Acusação do Ministério Público

Ainda na reunião com os inspetores de Évora, Paulo Ferrinho informou-os de que tinha “intenção de enviar um email” a “todos os funcionários” daquela unidade, para que colocassem “por escrito todos os comportamentos desadequados perpetrados por Jorge Lentilhas“. Mas nem todos os presentes concordaram: cinco inspetores mostraram “resistência a esta ideia”. Consideraram-na “desleal”, segundo o Ministério Público. Confrontado com esta resistência, o inspetor-chefe terá feito algumas ameaças. “Vocês não se metam comigo que eu f***** um a um”, terá dito. E ainda: “Quem não está comigo está contra mim e quem não estiver bem pode sair.”

Como prometido, três dias depois, enviou um email a todos os inspetores e funcionários da ULIC de Évora. Nele, dava um prazo de um dia para que “reportassem” comportamentos de Jorge Lentilhas “que considerassem ofensivos, impróprios, inadequados, desrespeitosos para com pessoas exteriores à PJ ou que colocassem em crise regras de segurança”, lê-se na acusação. No dia seguinte, ainda não tinha recebido nenhum email dos mesmo cinco inspetores que tinham mostrado resistência ao pedido e, face à ausência de resposta, “afirmou que iria ser aberto procedimento disciplinar contra aqueles que não respondessem ao email“, lê-se ainda na acusação.

As ameaças não terão ficado por aqui. No dia 2 de março, Paulo Ferrinho terá confrontado quatro dos cinco inspetores em questão — que, naquele dia, estavam convocados para prestar declarações no âmbito de um processo disciplinar entretanto instaurado no decurso das agressões. Além de, segundo o MP, os avisar de que “sabia que se encontravam com Jorge Lentilhas” fora do local de trabalho, e de ter deixado no ar a ideia de que “quem se sentisse desconfortável devia colocar o papel para sair”, advertiu: “Tinham de ter cuidado com o que dissessem em sede de processo disciplinar porque estavam no início da carreira, ainda tinham contas a prestar, que quem não estava consigo, estava contra si e quando tivesse acesso às declarações prestadas por todos iria ver quem tinha caráter e era leal, afirmando que não podia trabalhar com pessoas que não lhe fossem leais.”

O inspetor acusado terá de responder por sete crimes no total (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Ao quinto inspetor, que não se encontrava no gabinete dos restantes quarto, Paulo Ferrinho terá feito o mesmo, mas por chamada telefónica: “Voltou a insistir que acederia às declarações prestadas, quer em sede disciplinar quer em sede criminal e que poderia ser difícil coabitarem todos no mesmo espaço“, indica a acusação.

Direção Nacional instaurou processo disciplinar contra inspetor agredido. Só três dias depois abriu outro contra Paulo Ferrinho

Paulo Ferrinho começou por colocar o lugar à disposição. Num email enviado ao DIAP de Évora, poucos dias depois de aberto o inquérito, o diretor nacional da PJ contou que não aceitou o pedido de demissão porque o alegado episódio de violência estava a ser investigado também internamente. “Foram instaurados dois processos disciplinares internos, [um] contra Paulo Ferrinho e outro contra Jorge Lentilhas”, lê-se na resposta de Luís Neves, que consta no processo consultado pelo Observador. O primeiro foi instaurado contra Jorge Lentilhas — o alegado agredido — no dia imediato a seguir às agressões e o segundo, contra Paulo Ferrinho — o alegado agressor —, só foi aberto no dia 15 de fevereiro.

Exatamente no dia a seguir ao episódio de violência, o inspetor-chefe da PJ de Évora enviou um email ao diretor nacional Adjunto da PJ, Veríssimo Milhazes, e ao Diretor da Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo, Pedro Fonseca, a apresentar uma “participação disciplinar contra Jorge Lentilhas” e a pedir “medidas cautelares urgentes” contra ele.

Nesse email, começava por negar ter agredido Jorge Lentilhas. Aliás, na sua versão, foi ele “quem avançou na sua direção, de forma hostil e violenta, sendo necessário segurá-lo para que não fosse agredido”. Acrescentava ainda que o inspetor o empurrou diversas vezes, sempre segurando-o pelo casaco, até lhe provocar o desequilíbrio”, fazendo com que caísse “sobre a mão esquerda”. O que, afirmou, lhe provocou “um hematoma e uma fratura num dedo”.

"[Foi Jorge Lentilhas] quem avançou na sua direção, de forma hostil e violenta, sendo necessário segurá-lo para que não fosse agredido"
Email de Paulo Ferrinho à direção nacional da PJ

Depois, Paulo Ferrinho listou uma série de alegados comportamentos do inspetor: “Insulta os colegas no local de trabalho” e “manipula-os porque não aceita a divisão estrutural em duas brigadas”; “recusa-se a cumprir ordens superiores”, “consome álcool em excesso e adormece no local de trabalho, chegando a ressonar”; “manipula a arma de serviço no local de trabalho, municiando e retirando munições com colegas de sala, violando grosseiramente as regras de segurança” e “agride detidos de forma gratuita e despropositada”.

Apesar de o Ministério Público suspeitar de que a versão de Paulo Ferrinho não é verdadeira — o próprio médico legista que examinou a vítima alertou para a “situação de risco” e pediu que fossem tomadas medidas para “assegurar a sua proteção” —, o diretor nacional adjunto da PJ Veríssimo Milhazes remeteu o email ao diretor nacional, Luís Neves, afirmando que concordava com a proposta de processo disciplinar contra Jorge Lentilhas e pedindo a sua “suspensão imediata”. A resposta de Luís Neves chegou dois dias depois: determinou a instauração do processo disciplinar e a suspensão preventiva de funções da alegada vítima, “até decisão em contrário”.

Vítima num processo, suspeito noutro. Por que razão o MP quer investigar o inspetor agredido?

Embora cinco inspetores tenham resistido à ideia de enviar um email com comportamentos desadequados de Jorge Lentilhas, e entre aqueles que não tinham queixas a fazer ou que preferiram fazê-lo “em sede própria”, a verdade é que alguns elementos da PJ de Évora reponderam ao email com episódios concretos.

Uma inspetora referiu que “Jorge Lentilhas se expressava, e de forma sistemática, em alta voz” e que esse “comportamento intensificava-se após o período de almoço”. Na resposta, garantia que já tinha visto o inspetor “aparentemente embriagado”. Uma outra disse que, depois de um almoço, o inspetor chegou “visivelmente alterado devido a um aparente consumo excessivo de álcool” e, “enquanto permaneceu no interior das instalações, circulou diversas vezes com a arma na mão e mais do que uma vez, quando se sentou na sua secretária, manuseou a arma, colocando e retirando o carregador que estava municiado”.

De acordo com algumas testemunhas ouvidas, também inspetores, Jorge Lentilhas terá agredido pessoas que estavam detidas na PJ de Évora. Num dos casos, em que elementos da PJ de Évora estavam a deter um suspeito de roubo, o inspetor terá “desferido diversos murros” no corpo do detido, que se “encontrava algemado, numa postura submissa e inofensiva, pedindo reiteradamente desculpa”.

Vítima neste processo, o inspetor alegadamente agredido vai agora ser investigado por suspeitas de crimes de falsidade de testemunha, denúncia caluniosa, favorecimento pessoal, denegação de justiça e ofensa à integridade física.

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