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Ninguém tem memória exata do que se passou há quatro anos. Estavam todos na Aula Magna, numa sala lotada com mais de 700 professores. Era dia de plenário nacional da Fenprof e André Pestana, hoje líder do STOP, participava. Mário Nogueira também. Quando se avivam as lembranças do que aconteceu ali, elas convergem no mesmo sentido. Pestana, então delegado sindical da Fenprof, apresentou uma moção ao plenário. “Quatro pessoas apoiaram-no”, conta um dos presentes; “Dez ou 12”, corrige outro. O número, mais alto ou mais baixo, não foi suficiente — longe disso. A moção foi rejeitada e, poucos dias depois, André Pestana rompia com a Fenprof, e nascia o STOP, o 23.º sindicato de professores.
“Era eu que estava a presidir à mesa”, conta José Alberto Marques, que se lembra bem do grupo de André Pestana, embora nunca tenham sido próximos mesmo sendo filiados no mesmo sindicato. “A linha de orientação que o grupo queria seguir nunca foi aprovada e decidiram todos sair”, conta o antigo presidente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL). Foram três delegados a bater com a porta naquele dia, todos antigos conhecidos da Ruptura/FER do Bloco de Esquerda. Além de Pestana, saiu Eduardo Henriques e Gil Garcia, que, anos antes, em 2011, se tornaram dissidentes do BE e fundaram o partido MAS — do qual Gil Garcia é hoje a figura principal.
O teor das moções apresentadas ao maior sindicato de professores do país, recorda José Alberto Marques, era semelhante àquele que o STOP agora apresenta e a ideia de greve por tempo indeterminado já existia. No final de 2022, o desejo de 2018 materializou-se: o STOP convocou uma greve por tempo indeterminado, que arrancou a 9 de dezembro, e que hoje junta pessoal docente e não docente. Isso valeu-lhe passar a ser visto como a nova cara da luta dos professores.
A 14 de janeiro, há um novo marco para o sindicato: uma manifestação que reuniu um número histórico de professores em Lisboa. Cerca de 100 mil pessoas estiveram no Terreiro do Paço, segundo as contas do sindicato (a polícia não confirma, uma vez que a lotação estimada da praça à beira do Tejo é de 50 mil pessoas). Neste sábado, 28 de janeiro, há nova prova de fogo para o STOP, que repete a marcha na capital. Desta vez, André Pestana apelou a todos os descontentes com a situação do país para que se juntassem aos professores, numa manifestação que será “em defesa da Educação e de toda a administração pública”.
Se correr bem, o estudante revolucionário de Coimbra — que já soprou vuvuzelas para torturar os ouvidos da ministra Isabel Alçada e criou o movimento que acampou à porta de casa de Nuno Crato — ganhará mais espaço no sindicalismo nacional, que tanto quer mudar. O STOP, garantiu por diversas vezes, já tem uma dinâmica diferente de todos os outros. Uma delas é que “não perpetua líderes” e os dirigentes têm mandatos finitos, proposta que Pestana se orgulha de ser sua.
O Observador tentou falar com o líder do STOP e com os seus dirigentes, mas estes nunca tiveram disponibilidade para falar com o jornal antes da manifestação de sábado.
No mundo sindical, também há quem faça apostas sobre o futuro de André Pestana: cabeça de lista do MAS à Câmara Municipal de Lisboa, onde “com 20 mil votos já consegue ser eleito”, diz um antigo colega do SPGL. Além disso, veem-no como o militante daquele partido capaz de ganhar espaço ao PCP e ao Bloco de Esquerda na Assembleia da República. “Além da extrema direita do André Ventura ficávamos com a extrema esquerda do André Pestana”, lamenta um dirigente sindical que tem acompanhado o STOP nas reuniões com o ministro da Educação, onde considera que as suas atitudes são sempre muito extremadas.
Há ainda quem, dos tempos da Ruptura/Fer, recorde o desejo da extrema esquerda de criar uma central sindical, vendo o protagonismo que ganha Pestana como um passo positivo nesse sentido.
O “incendiário de serviço” em Coimbra que se “radicalizou” na Amazónia
No final dos anos 1990, André Pestana era conhecido como o “incendiário de serviço”, sempre pronto a falar na Rádio Universidade de Coimbra sobre o que pesava na vida dos estudantes. Não era o único e a alcunha aplicava-se também ao seu colega de curso Tiago Brandão Rodrigues, outro estudante que levantava a voz contra as políticas de educação. Chegaram a fazer parte da mesma lista para a associação académica, onde estava também Raquel Varela. A historiadora viria a criar um agregador de sindicatos, a Kasa, onde orbitavam muitos novos sindicatos (STOP incluído) que pediam um novo sindicalismo.
Anos mais tarde, durante a governação de António Costa, André e Tiago cruzam-se de novo no Ministério da Educação, um deles como titular da pasta. Nessa altura, o líder do STOP afirmou que, apesar de terem sido próximos na juventude, houve um afastamento entre os dois por o ministro Brandão Rodrigues ter “revelado falta de cultura democrática”.
Primeiro matriculado no curso de Bioquímica, depois no de Biologia, André Pestana defendeu a sua tese de mestrado sobre alterações climáticas com 30 anos. Para fazê-la, viajou até ao Brasil, para a Amazónia, onde se terá “radicalizado”, segundo quem o acompanhou nas lides sindicalistas.
“Aproximar, fixar, vincular.” Com que propostas vai o Governo negociar com os professores?
“Ele envolveu-se com grupos radicalíssimos de esquerda”, conta um antigo colega do SPGL, fora e dentro do país. A sua militância partidária começou no PCP, ainda jovem, para, anos mais tarde, trocar os comunistas pelo Bloco de Esquerda, onde integrava o movimento Ruptura/FER — uma fusão entre a Frente da Esquerda Revolucionária, trotskista, e um grupo radical do movimento estudantil. Gil Garcia era o líder, mas, em 2011, abandonou o Bloco por considerar que o partido estava “cada vez mais institucionalizado e parlamentarizado”. Nesse ano, a troika chegava a Portugal para só sair em 2014. Tal como aconteceu com Gil Garcia, o Bloco não seria a última paragem política de André Pestana
Rutura do o Bloco sob acusações de radicalismo
Coube à Mesa Nacional do Bloco reagir à saída de quase 200 militantes do partido: a decisão da Ruptura/FER foi considerada “irresponsável e um passo culminante de uma trajetória de sectarismo”. Acusou-a “de afirmar divergências de fundo sob qualquer pretexto”, dando como exemplos “intervenções tão extravagantes como o apelo à constituição de brigadas para apoiar os talibãs no Afeganistão, ou o apelo ao voto em branco nas eleições presidenciais”. E se o Bloco se fez para criar “uma esquerda socialista com influência de massas, com convergência e força”, o comunicado da Mesa Nacional acusava o novo partido de ser “apenas mais um grupo, entre outros, e com a mesma linha do MRPP.”
Imune a críticas, dois anos depois, em 2013, o Movimento Alternativa Socialista (MAS) consegue ser legalizado pelo Tribunal Constitucional, depois de uma primeira tentativa frustrada e vários imbróglios jurídicos. André Pestana está ao lado de Gil Garcia no dia em que são entregues as nove mil assinaturas que permitem ao MAS poder candidatar-se a eleições — o que lhes é negado por motivos jurídicos.
Pestana é o porta-voz do partido. Já na altura, os milhões que o Estado injetava na banca faziam parte do seu discurso. “Nós achamos que é uma pouca vergonha que centenas e milhares de milhões de euros tenham desaparecido para o BPN, para submarinos, para parcerias público-privadas e simultaneamente a população esteja cada vez mais com dificuldades”, dizia André Pestana a 15 de outubro de 2012.
Falando sobre o MAS, de quem chegou a ser o número dois da lista para as eleições europeias de maio de 2014, Pestana explicava o objetivo do novo partido: “Ser uma nova força política também no Parlamento que diga de uma vez por todas que basta de privilégios dos políticos, de mordomias, de frotas luxuosas de carros, reformas vitalícias, os milhões de euros que os partidos parlamentares recebem todos os anos.” Nos quase 10 anos que passaram desde que essas palavras foram proferidas, o MAS nunca conseguiu aproximar-se minimamente de um resultado eleitoral que lhe permitisse apresentar propostas para mudar a realidade que desenhava nessa altura.
Mesmo contra o MAS, Pestana funda o STOP
“O André Pestana faz um bocado o que lhe apetece, para o bem ou para o mal”, conta um colega dos tempos da Ruptura/FER. “É uma pessoa com um grande grau de autonomia e não é telecomandado por uma disciplina partidária”, diz, reconhecendo que tem divergências políticas com Pestana, mas nada a apontar-lhe no lado pessoal.
Exemplo disso foi a forma como o STOP se estabeleceu, contra tudo e contra todos. “Desde o início que o André foi militante do MAS e já tinha trabalho no movimento dos professores”, recorda o colega. Enquanto membro do SPGL, dinamizou listas alternativas à direção e, apesar de estar dentro do sindicato, as suas iniciativas tinham algum grau de independência, recorda.
“Fez um percurso dentro do sindicalismo tradicional, mas fazendo coisas diferentes, com algum grau de autonomia. Essas iniciativas foram evoluindo na cabeça do André para a possibilidade de ter uma iniciativa por fora. Dentro do MAS havia algum ceticismo, naquele momento em que nasceu o STOP, sobre se se devia avançar para a criação de um sindicato autónomo. Mas ele avançou na mesma”, conta.
Entre os atuais nove dirigentes do STOP, quatro já pertenceram a listas eleitorais do MAS e um deles a listas do Bloco de Esquerda. Embora não faça parte da direção, Renata Cambra é um dos exemplos de militantes do Movimento Alternativa Socialista ligados ao sindicato. A professora foi cabeça de lista do MAS em Lisboa e é delegada sindical do STOP.
A decisão de Pestana de criar o STOP criou alguns anticorpos. “Não deixou de causar estranheza, num partido que funciona pelo centralismo democrático e que tem um alto grau de disciplina. Mas, na verdade, o André colocou toda a gente perante um facto praticamente consumado e, independentemente da opinião dos restantes, a coisa andou para a frente”, conta a mesma fonte.
A Carta de Princípios, subscrita por cerca de 230 profissionais a 20 janeiro de 2018, continua online. Daí à formalização do sindicato foi um passo, até porque a burocracia não é complexa. Difícil é o que vem a seguir: conseguir associados, mantê-los, ter advogados, sede, e ter capacidade de resposta aos pedidos dos sindicalizados.
O fim das greves “fofinhas”
O advogado António Garcia Pereira e o professor Santana Castilho (fez parte de um Governo de Pinto Balsemão) foram duas das figuras conhecidas que passaram na manifestação de Lisboa, no início de janeiro, e que têm sido vistos como muito próximos deste projeto sindical.
Apesar disso, Garcia Pereira, especialista em Direito do Trabalho e que durante muitas décadas foi militante do MRPP, conta que não esteve ligado ao surgimento do STOP. “Quando o sindicato apareceu, pediu-me conselhos jurídicos sobre várias questões, uma sobre a constituição dos fundos de greve. Participei numa reunião ou noutra para esclarecer dúvidas, mas não sou advogado do sindicato nem associado”, contou ao Observador.
Os fundos de greve estiveram debaixo de fogo, porque só podem ser criados por estruturas sindicais, mediante uma série de regras. As denúncias de que em algumas escolas os professores estariam a criar um fundo de maneio para pagar o dia de greve aos assistentes operacionais chegaram ao Ministério da Educação e o gabinete de João Costa decidiu investigá-las. Ao que o Observador apurou, à tutela chegaram panfletos, com esses apelos, onde surge o logótipo do STOP. André Pestana disse publicamente ter conhecimento de que há escolas que o fazem, mas negou qualquer intervenção do seu sindicato. Da mesma forma, em declarações ao Jornal de Notícias, procurou demarcar-se da associação do STOP a essa iniciativa, alegando que não pode controlar quem usa o símbolo do sindicato que dirige.
Fundos de greve nas escolas investigados pelo Ministério da Educação
Quem esteve nas reuniões com Garcia Pereira conta que um dos propósitos era perceber como se podia fazer uma greve prolongada, minimizando as perdas salariais, sempre dentro da legalidade. Fazer greve ao primeiro tempo e não ao resto do dia era uma das possibilidades. Outro sindicato, o SIPE, acabaria por adotar essa forma de protesto neste mês de janeiro.
“Não era essa a intenção da direção”, conta Júlia Azevedo, presidente do Sindicato Independente de Professores e Educadores, mas foram os associados que insistiram nessa forma de luta. “Recebemos muitas indicações nesse sentido, de que devia haver um protesto antes de se começar a negociar com o Ministério da Educação e nós fizemos o que os associados nos pediram.”
Essa vontade de fazer diferente, e de procurar lutas fora da caixa, tem encontrado eco no STOP. “Fui seguindo o seu percurso”, conta Garcia Pereira. “O que me pareceu desde o início é que se tratava de um sindicato onde um número crescente de pessoas estavam fartas e desiludidas com a forma de luta dos sindicatos tradicionais”, num momento em que os professores têm sido “muito maltratados” pelos sucessivos governos.
“As pessoas estavam fartas de greves fofinhas, de greves à sexta-feira, de vigílias, de ir entregar a moção, o abaixo-assinado, ou pôr umas velinhas à porta da residência oficial do primeiro-ministro. Quando surge um sindicato combativo e que não está disposto a alinhar… Para mim, não foi particular surpresa que passasse a ter um crescente apoio entre os docentes”, acrescenta o advogado, que já foi candidato à Presidência da República.
Para que uma greve prolongada seja possível — uma vez que cada dia em que um professor falta é-lhe descontado no ordenado —, o STOP tem aconselhado os professores a organizarem-se. “Para que esta greve possa ter o maior impacto possível sem esgotar os nossos salários, apelamos a todos os profissionais da Educação (pessoal docente e não docente) que se organizem nas centenas de comissões de greve de norte a sul do país”, lê-se numa publicação recorrente do sindicato no Facebook.
Outra publicação que surgiu vezes sem conta foi a explicação de como um professor pode fazer a dessindicalização de outras estruturas sindicais. Também o apelo à integração no STOP é constante: “Se com apenas 30 sócios conseguimos dinamizar a histórica greve às avaliações em 2018 e se, agora, com apenas 1.300 sócios conseguimos dinamizar esta greve/luta inédita, imaginem o que poderemos fazer com mais sócios/logística.”
Vuvuzelas, acampamentos e invasões de escolas
Durante o tempo que passou no SPGL, André Pestana nunca esteve parado. Em 2010 fundou um movimento que começou nas redes sociais: o 3Rs — Renovar, Refundar e Rejuvenescer. Em setembro daquele ano, no início do ano letivo, Pestana levou cerca de 30 professores para a porta do Ministério da Educação, ainda na 5 de outubro, munidos de vuvuzelas para “torturar” os ouvidos da ministra Isabel Alçada (PS). Assim fizeram, e durante longos minutos não pararam de tocar os instrumentos de sopro.
Naquele ano letivo, o número de professores contratados disparava: em apenas quatro anos subiam de 2.696 para 17.297. Aos jornalistas, André Pestana, que falava como coordenador do movimento, mostrava a vontade de criar uma nova estrutura sindical de professores contratados, já que “os dirigentes sindicais assinam acordos sem consultar as bases”. A crítica ao sindicalismo tradicional já fazia parte do seu discurso.
O movimento continuou nos anos seguintes e ainda se manifestou contra Nuno Crato, que sucedeu Alçada no cargo. Nessa altura, André Pestana tinha uma nova organização, o Movimento Boicote & Cerco, que teve um papel fundamental na luta contra a PACC, a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades dos professores que o ministro do PSD tentou pôr em prática.
Entre outras iniciativas, membros do movimento chegaram a invadir uma escola no Porto e acamparam à porta da casa do ministro, protesto criticado pela Fenprof. Em outubro de 2014, Mário Nogueira afirmava que os sindicatos se demarcavam daquele tipo de protesto. “A vida das pessoas é a vida das pessoas”, justificou. “Além disso, quando pensamos em pessoas que perseguiam as outras à porta das suas casas, lembramo-nos de tempos que não gostamos de recordar.”
A resposta de Francisco Rodrigues, um dos membros do movimento, foi de que Nuno Crato estava “a dar cabo da vida particular e da casa de muitos” professores.
Os ataques pessoais e o perfil reivindicativo
Num debate de urgência no Parlamento, pedido pelo Chega, o ministro João Costa foi, em janeiro, explicar o que está a ser negociado com os professores. Numa das intervenções do deputado André Ventura, a palavra STOP foi repetida por diversas vezes, o que levou Pestana a ser apelidado de fascista nas redes sociais. Houve quem visse nas palavras de Ventura uma ligação entre o partido e o sindicato.
O STOP reagiu, criticou o aproveitamento do partido da direita radical, e, em comunicado, André Pestana disse que todos os partidos eram bem-vindos à luta dos professores, exceto o Chega: “Não aceitamos partidos racistas e xenófobos.”
“As tentativas de descredibilização do sindicado e do professor André Pestana são miseráveis. Surgem sempre que alguém abala interesses estabelecidos, que não é facilmente enquadrável, que escapa ao controlo das organizações tradicionais. Já não me espanta, estou farta de ver isso acontecer”, defendeu Garcia Pereira.
Também o ministro João Costa — que por duas vezes chamou “mentiroso” a Pestana — foi ameaçado pelo líder do STOP com um processo judicial que, até agora, não avançou.
“O André Pestana é um poço de energia. Leva a sua dedicação às causas em que se empenha até ao limite. É uma força da Natureza. Andou de norte a sul do país, sempre com entusiasmo, com grande força na defesa daquilo que entende que é justo”, acrescenta Garcia Pereira.
André Leal, que conheceu Pestana na adolescência, foi um dos que o defendeu dos ataques recentes. “Eu, que o conheço há quase 30 anos, dos quais 15 militei com ele nas mesmas organizações, pus-me a pensar…”, escreve no blog Semear o Futuro, formado por militantes que se afastaram do MAS.
Leal lembra que foi Pestana quem o levou para o Ruptura. “Esta organização, em Coimbra, dedicava-se maioritariamente à luta estudantil, numa altura em que o governo de Cavaco Silva e, posteriormente, o governo de António Guterres nos queriam impor as propinas, a nova lei de bases da Educação e, mais tarde, o processo de Bolonha”, recorda.
O antigo companheiro partidário de Pestana conta como eram concretizadas as ações de contestação. “O modus operandi era simples: radicalizar as Assembleias Magnas da academia de Coimbra, quando estas ainda enchiam o Teatro Académico Gil Vicente, com propostas como greves por tempo indeterminado com piquetes à porta das faculdades e manifestações em Lisboa junto ao Ministério da Educação. Seriam estas táticas fascistas? Não me parece.”
Garcia Pereira diz que uma das características que lhe chamaram mais a atenção é o facto de André Pestana se preocupar não só com os interesses dos professores, mas também com os dos outros profissionais de educação e das próprias crianças. “Há palavras de ordem que penso que vão ficar para o futuro: ‘Quando estamos a lutar também estamos a ensinar.’ É uma síntese muito boa. Uma preocupação que salta os muros da habitual visão corporativa destas coisas.”
O antigo colega de Pestana no Ruptura/FER descreve-o como uma pessoa extremamente dedicada à causa, muito voluntarista, talvez até demasiado. “Enquanto sindicalista é capaz de farejar insatisfação e a capacidade de perceber o momento certo, como fez agora. E tem uma criatividade para conseguir transformar isso em ação concreta, e não repetir os moldes tradicionais de que as pessoas estão cansadas.”
A dinâmica do sindicato
É uma das características pelas quais o STOP se quer diferenciar de sindicatos tradicionais, e Garcia Pereira acredita que consegue fazê-lo. “Há uma grande preocupação na auscultação das opiniões das pessoas. Aquela lógica das organizações sindicais em que tudo é imposto de cima para baixo, e em que as bases são apenas chamadas para vir emprestar o seu número a esta ou aquela ação, está afastada da atividade dele”, diz o advogado, que acredita que André Pestana quer sempre que as decisões sejam tomadas através da auscultação dos professores.
A greve convocada por tempo indeterminado começou assim. Num dos mais lidos blogs de Educação, foi feita uma sondagem aos professores sobre o que pretendiam fazer. O recado surgia logo no ínicio: “Face a outras sondagens semelhantes em que a participação foi apenas de cerca de 1.500 pessoas e posteriormente o impacto/adesão dessa greve não foi significativa, o STOP só terá como referência o resultado desta sondagem se houver pelo menos 4.000 participantes (para tentar ser mais representativo).”
Responderam 8.526 professores, o dobro do pretendido, e cerca de 20% (1.720) escolheram a greve por tempo indeterminado. A segunda opção mais votada foi a da greve às avaliações no 1.º período e no fim do 1.º semestre (1.699 votos).
O STOP deixou um segundo aviso: se, ao fim dos primeiros dias de luta, se constatar que não está haver adesão significativa, “convocaremos um novo plenário para avaliarmos a continuidade dessa luta.”
O último plenário de associados também aconteceu online, a 16 de novembro, fórmula que tem sido usada com frequência. Até à data, o sindicato que tem 1.300 associados, número “dinâmico” e que estará a crescer, segundo Pestana, continua sem ter uma sede própria. A morada que surge no site do sindicato coincide com a do Misturado, um espaço de coworking, de atividades artísticas e culturais.
Uma das mais recentes convocações do STOP, em dezembro de 2022, foi para uma reunião ao vivo: um encontro nacional de comissões de greve, em Coimbra, para preparar os protestos de janeiro. Cada escola deveria enviar um ou dois representantes ou colegas “em que os outros reconhecem a energia para representar a vossa escola (temos formas de luta ainda mais inovadoras/fortes para apresentar e sem esgotar os nossos salários)”, lia-se na nota publicada no site.
“É a pessoa que conheci que tem melhor capacidade de estar, mobilizar, reconhecer o timing certo”, sublinha o antigo militante da Ruptura /FER. No entanto, frisa que, para quem está do lado da luta dos professores, a grande questão é se os sindicatos vão permanecer numa lógica concorrencial ou numa lógica colaborativa.
“Creio que o André, o MAS em geral, tem essa lógica de ‘poucos, mas bons. Nós contra o mundo’. Acho que o André encarna um pouco isso, dá para ver nos discursos. Isso tem um papel galvanizador, mas que em última instância pode ter resultados maus. Não acho que faça isso com qualquer má intenção, faz isso porque acredita. É uma pessoa muito honesta”, acrescenta a mesma fonte.
A leitura que faz é que houve dois momentos distintos. No início, a greve era torpedeada pela Fenprof, enquanto o STOP pedia unidade. Agora, a Fenprof mudou de comportamento e Pestana também. “O STOP já tem duas grandes manifestações. Se calhar entrou numa lógica de ‘somos tão grandes e poderosos que não precisamos dos outros’”, argumenta.
Isso é visível no Facebook, onde os apelos de unidade mudaram de tom, dirigindo-se aos anónimos e não a outras organizações. Os pedidos são para reforçar um novo tipo de sindicalismo, que, além de não sectário, mobilize todos os profissionais da educação. “O STOP é o sindicato que defende e pratica ativamente essa unidade. É essa unidade que nos torna mais fortes e com possibilidade de conquistar o que merecemos.”
A resposta aos apelos de André Pestana será dada este sábado. Resta esperar pelos números.