Foi um ataque total ao Governo. A forma como os sucessivos executivos de António Costa têm tratado os professores esteve na berlinda, com a oposição a criticar as atuais negociações com os sindicatos, considerando-as insuficientes para resolver os problemas do setor. No debate de urgência no Parlamento, pedido pelo Chega para falar de greves e professores, o ministro da Educação garantiu que se mantém em “diálogo construtivo” com os docentes, enumerando as propostas que foram enviadas na véspera aos sindicatos.

“Aproximar, fixar, vincular.” Com que propostas vai o Governo negociar com os professores?

João Costa não levou novidades ao Parlamento — até porque foram todas reveladas na quarta-feira —, reafirmando as promessas que tem feito desde que assumiu a pasta: quer acabar com aquilo a que chama “professores de casa às costas” e para isso, defendeu, irão contribuir as propostas levadas à terceira ronda de negociações, que arrancou no dia 18 e continua no dia 20.

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A redução dos Quadros de Zona Pedagógica de 10 para 63, o fim das ultrapassagens nas carreiras, as mudanças de regras para acesso ao 5.º e 7.º escalão, ou a criação de índices remuneratórios para professores contratados foram alguns dos exemplos que apontou.

Do lado da oposição, duas imagens estiveram sempre presentes no debate que durou cerca de uma hora, dos quais seis minutos foram para João Costa falar: a recuperação do tempo em que as carreiras estiveram congeladas, por um lado, e Fernando Medina, ministro das Finanças, por outro. A reivindicação antiga dos professores — que chegou a ser apoiada pelo Parlamento, mas travada pela ameaça de demissão do primeiro-ministro — motivou vários apelos ao ministro da Educação para que recuperasse esse tempo.

Na terça-feira, foi o Presidente da República quem sugeriu que Medina deveria estar envolvido nas negociações com os professores. “Quando há responsabilidade financeira, não é o ministro da Educação que é convocado para a solução, é importante que o ministro das Finanças e o Governo como um todo sejam envolvidos”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o braço de ferro entre professores e Ministério da Educação.

Quando acaba a luta entre professores e Governo?

André Ventura. “Sabe que é Fernando Medina que manda em tudo”

O debate começou com a intervenção de André Ventura, líder do partido que pediu o debate de urgência. O deputado do Chega começou por falar das carreiras congeladas. “Quem congelou pela primeira vez a carreira dos professores foi o PS”, disse, lembrando que José Sócrates era então o primeiro-ministro.

Repor esse tempo “é uma questão de dignidade” que custaria “entre 800 e 900 milhões de euros aos cofres do Estado”, “verba elevada”, mas que não se compara com o dinheiro que o Ministério da Saúde “deita à rua”.

Antes de terminar, ficaram as críticas ao titular da pasta de Educação. “O senhor não está a negociar, está a fingir que negoceia”, disse o deputado do Chega, acusando o ministro da Educação de impor linhas vermelhas antes sequer de começar as negociações com os professores. João Costa “sabe que é Fernando Medina que manda em tudo”, acrescentou Ventura. “O senhor não é ministro da Educação, é o servente do ministro das Finanças.”

Numa segunda intervenção, André Ventura fez um balanço dos professores que abandonaram a profissão nos últimos anos. “Trinta mil professores foram saindo, imigrando, por causa deste governo”, disse, referindo que em 2015 havia 180 mil docentes no país, agora reduzidos a 150 mil.

O também deputado do Chega Gabriel Mithá Ribeiro — cuja intervenção foi a última do debate de urgência — lembrou que em 2008 e em 2023 o país assistiu às duas maiores manifestações de sempre dos professores. Isto significa, segundo o deputado, que os professores “não foram ouvidos pelos sucessivos governos”. Além disso, os problemas que persistem nas escolas provam que há “um Governo socialista que alimenta este caos e tem um desprezo profundo pelos professores e pelo alunos”.

Ministro da Educação: “Continuamos em diálogo construtivo” com os professores

“Fui ler o programa do Chega com interesse”, começou por dizer João Costa na sua intervenção de cerca de seis minutos, e frisando que foi este o partido que pediu o debate de urgência. “Sobre carreiras de professores encontrei nada, rigorosamente nada.”

João Costa considerou que aquele “é um programa que volta a afirmar a vontade de fazer da escola pública apenas uma oferta, com o explícito propósito de desviar dinheiros públicos das escolas  públicas para as escolas privadas, como já se fez no passado”, situação alterada pelo Governo do Partido Socialista.

“Ao contrário do Chega, os governos do Partido Socialista não viraram as costas à escola pública”, acrescentou o ministro. Para o PS, essa é uma das principais conquistas do Portugal democrático, no seu papel de abertura a todos, “não selecionando alunos à entrada, garantindo proteção e educação aos mais vulneráveis”.

Para o titular da pasta da Educação, durante o atual processo negocial, o Governo está a resolver problemas antigos dos professores, “em boa fé negocial, integrando sugestões e propostas já recebidas, ouvindo a voz dos professores, num movimento de aproximação” a várias reivindicações. Esta vontade de diálogo, garante o ministro, nunca foi interrompida, considerando ser tempo de recuperar a serenidade e de continuar a negociar.

O ministro da Educação, que acusou os partidos da oposição de cavalgarem a “onda de descontentamento” da comunidade educativa, terminou a sua intervenção garantindo que o Governo vai continuar “em diálogo construtivo, sereno e comprometido com a resolução de problemas”.

PSD. “Tememos estar perante um conjunto de nadas”

Do resto da oposição, quer à esquerda quer à direita, João Costa só ouviu críticas. Sónia Ramos, do PSD, mostrou-se cética face às propostas anunciadas: “Tememos estar perante um conjunto de nadas” e, por isso, a política de Educação do Governo “merece um chumbo”.

A deputada social-democrata frisou ainda que este “não é um país nem para professores nem para alunos”

Já o PCP defendeu que “é preciso resolver problemas estruturais” na Educação, com Paula Santos a acusar o Governo de não querer resolvê-los. Assim, “a degradação da escola pública” irá continuar. “Não se vislumbram medidas no sentido de valorizar a profissão e a carreira” de professor, terminou a deputada, pedindo ao Governo medidas concretas para fazê-lo.

O congelamento das carreiras foi um dos temas abordados por Inês Sousa Real, do PAN, que pediu, como outros parlamentares, soluções para o problema. Já da parte de Rui Tavares, do Livre, ficou um apelo ao Governo para que promova os “Estados Gerais da Educação”, envolvendo toda a comunidade educativa, de forma a poder resolver os problemas que surgem.

A deputada Carla Castro, da Iniciativa Liberal, apontou a “falta de coragem do Governo” para resolver os problemas na Educação e deixou uma pergunta no ar: “Se estivesse tudo bem, acha que os professores estariam a protestar ao frio?” Carla Castro disse ainda estar chocada “com a inércia e o pouco que está a ser feito” para resolver os problemas das escolas.

Já o Bloco de Esquerda, que centrou a sua intervenção ma recuperação do tempo em que a carreira esteve congelada, apelou ao ministro da Educação que recupere esse tempo. “Se o ministro das Finanças disser que não vale a pena gastar nem mais um tostão para salvar a escola pública, pense bem de que lado quer ficar”, concluiu Joana Mortágua.