O líder do grupo parlamentar do CDS não comenta as negociações que o Governo vai mantendo com o Chega, a Iniciativa Liberal e o PS. Paulo Núncio prefere desvalorizar o “fait divers” das reuniões discretas ou públicas mas atira com a memória da geringonça para dizer que nem tudo deve ser publicitado.
Em entrevista ao Observador, no programa “Sofá do Parlamento”, o líder de uma das bancadas que suporta o Governo diz que as matérias relacionadas com impostos são “muito importantes e caras ao CDS”, mas não coloca linhas vermelhas esperando cedências de “ambas as partes”.
Já quanto a questões que podem causar divergências com o PSD, Paulo Núncio garante que se o Governo avançar com a regulamentação da eutanásia, a estabilidade do executivo “não está posta em causa” mas aguarda pela “terceira declaração de inconstitucionalidade” dos juízes do Palácio Ratton. Sobre Olivença, remete para os tratados.
[Ouça aqui o Sofá do Parlamento]
Paulo Núncio: “É possível que Ventura mude outra vez de posição”
“As posições do Chega mudam com grande rapidez”
O CDS está confortável com estes encontros discretos que o primeiro-ministro teve com André Ventura e Rui Rocha?
Com certeza. Sempre entendemos que as negociações para viabilizar o Orçamento têm que ser reservadas e com descrição. Aliás, não somos só nós a pensar assim. A líder parlamentar do PS ainda neste domingo dizia que é normal que as negociações para o Orçamento sejam discretas e reservadas. Não só dizia que era normal, como entendia que era positivo que assim fosse. Estamos a falar de um Orçamento que é um documento técnico e por isso tem que ser negociado de uma forma discreta, reservada e não numa espécie de conferência de imprensa sempre aberta. Aliás, isso também aconteceu no tempo da geringonça. Quando o PS negociava orçamentos com os partidos da extrema-esquerda que o apoiavam, muitas das reuniões eram à porta fechada para discutir aspetos técnicos e decisões políticas e por isso penso que é um fait divers. O Governo está a fazer o seu papel, que é abrir as negociações a todos os partidos que queiram efetivamente contribuir para a viabilização do Orçamento do Estado. Agora, espera-se que os partidos da oposição tenham responsabilidade política e maturidade democrática.
E faz sentido reunir com o Chega quando a André Ventura já disse que o voto contra seria irrevogável?
Faz sentido reunir com todos os partidos que estejam dispostos a falar com o Governo. O que é importante é ter presente que os portugueses querem que este Governo continue a governar, tão bem como tem governado até agora, e os portugueses querem que este Orçamento seja aprovado por uma questão de estabilidade política e financeira. O que os portugueses não querem de todo é que o país tenha uma nova crise política artificial e que tenha eleições antecipadas e os partidos que apoiam o Governo também não querem.
Acha que o irrevogável de André Aventura ainda pode mudar?
Habituámo-nos a perceber que a posição do Chega, e em particular a do líder, é algo que não tem grande firmeza e que muitas vezes as posições mudam com grande rapidez. É possível que mude outra vez, mas o ponto não é esse. O ponto é que este Governo não está efetivamente interessado em eleições antecipadas e em crises políticas. Se o Governo quisesse eleições não teria dito que está disponível para negociar a redução do IRC e o IRS Jovem e não teria dito que está disponível para incluir no orçamento para 2025 os 500 milhões de euros de propostas que foram aprovadas pela oposição.
O CDS ficaria mais confortável se o Governo aprovasse o orçamento do Estado com o PS ou com o Chega?
O Governo manifestou desde o início, e esse é o ponto importante a realçar que, tendo em conta o xadrez parlamentar, está disponível para negociar com todas as forças políticas e é isso que está a fazer. E bem. Recebeu os líderes da Iniciativa Liberal e do Chega e vai receber o líder do PS na sexta-feira, por isso a discussão está a ser feita com todos. Agora é importante que os partidos da oposição mostrem responsabilidade. O PSD e o CDS quando estiveram na oposição manifestaram inúmeras vezes responsabilidade e sentido de Estado viabilizando inúmeros orçamentos apresentados por governos minoritários do PS, porque na altura foi entendido, e bem, que o interesse nacional estava acima dos partidários. É isso que as oposições têm neste momento que demonstrar: responsabilidade e sentido de Estado.
“Os portugueses não querem eleições”
São conhecidas as linhas vermelhas do PS, o IRC e o IRS Jovem. Até onde é que o Governo deve ir na cedência a Pedro Nuno Santos nestes dois pontos?
É ao Governo que compete apresentar o Orçamento, não é à oposição. Por isso, o Governo tem a obrigação de apresentar um orçamento que reflita os compromissos que assumiu com os portugueses e que foram votados maioritariamente e a redução do IRC e o IRS Jovem constam do programa de Governo, que foi aliás sufragado pelo Parlamento. O Governo já manifestou disponibilidade para negociar estas medidas, fez uma primeira proposta e agora as oposições apresentam propostas de alteração. Depois, através de uma negociação, de uma cedência de ambas as partes, procura-se chegar a um consenso. Foi sempre assim no passado, espero que desta vez também possa ser assim.
E até onde é que pode ir a cedência? Em julho, disse-nos que no caso do IRC tinha que ser transversal e que não abdicava disso. No caso do IRS Jovem, o que é que pode ser trabalhado? É para menos escalões, por exemplo?
Comecei por lhe dizer que a negociação deve ser discreta e reservada. E por isso, como deve calcular, eu não vou neste momento pronunciar-me sobre negociações que neste momento estão em curso
Podia ter também uma linha vermelha
Ao Governo compete apresentar a proposta e manifestar abertura, que aliás já foi manifestada, no sentido de negociar estas medidas que são importantes e que estão incluídas no programa de Governo. Às oposições compete, com boa fé e com espírito construtivo, apresentar propostas no sentido de se conseguir chegar a um consenso. Espero que esse consenso seja possível.
Diria que é uma carta branca do Grupo Parlamentar do CDS para o Governo negociar até onde for necessário?
O Governo é do PSD e do CDS. É o nosso Governo que está a negociar com os partidos da oposição. O CDS esteve envolvido na elaboração do programa eleitoral e de Governo. Essas medidas são também do CDS
E há medidas mais emblemáticas do que outras. Ou seja, tem-se falado muito que é que o PS ou o Chega podem querer para o orçamento. Qual é que é a marca que o CDS quer deixar neste documento?
O programa eleitoral da AD tem um forte contributo do CDS. O programa do Governo é um programa que tem um forte contributo do CDS em diversas áreas, designadamente na área fiscal, que diria que são questões muito importantes e que são muito caras ao CDS.
Não parece que estamos num impasse em que ninguém recua e ninguém avança. Qual é a solução mágica para desempatar esta situação em que estamos atualmente? É a reunião de sexta-feira?
É relativamente normal isto acontecer. Estamos a aproximar-nos de um momento fundamental em que o Orçamento vai ser apresentado. É normal que os partidos políticos, habituados à negociação, manifestem de uma forma mais ou menos ruidosa um conjunto de pretensões. O que é verdadeiramente importante são as negociações que já começaram e faço votos para que cheguem a bom porto porque, como lhe dizia, estou absolutamente convencido, e todas as sondagens o demonstram, que os portugueses não querem eleições.
Faz sentido, numa situação limite, pôr em causa a aprovação do Orçamento do Estado por causa destes dois pontos específicos, o IRC e o IRS jovem? É que Pedro Nuno Santos já disse que não quer mudar metade do orçamento.
Não vou interferir, não vou fazer comentários. São negociações que estão neste momento a decorrer. Para bem das negociações, entendo que devem ser discretas e reservadas, como estão a ser, e faço votos para que cheguem a bom porto.
Pedro Nuno Santos está a exagerar nesta questão da publicitação das reuniões? Isto dá algum sinal sobre o caminho que o PS quer?
Penso que não. É um fait divers que tem pouca relevância. Em todos os processos de negociação orçamental houve reuniões mais públicas, outras mais discretas. No tempo da geringonça, muitas das reuniões que existiram entre os partidos de esquerda foram à porta fechada e não veio mal nenhum ao mundo por causa disso. O importante é o resultado final, e por isso, com reuniões mais discretas ou mais públicas, o importante é que avancem com espírito construtivo, com boa fé de todas as partes, e que os portugueses tenham um orçamento que permita executar o PRR até 2026 e que permita aumentar os médicos, os professores, os enfermeiros, os polícias, os militares, que permita aumentar pensões e reduzir impostos.
Luís Montenegro já rejeitou governar em duodécimos. Marcelo Rebelo de Sousa já apontou para uma crise política e económica caso o orçamento chumbe. Em caso de rejeição, o CDS também entende que devem existir eleições antecipadas?
Não vou entrar em cenários porque estamos completamente comprometidos com a negociação do Orçamento do Estado. O que o primeiro-ministro disse parece-me ser algo bastante consensual. Os duodécimos não são uma solução porque o Governo tem um programa para cumprir e em duodécimos não é possível. Não é possível cumprir e executar integralmente o PRR, cumprir na plenitude os aumentos que já estão previstos e acordados para polícias, para professores, para militares, para enfermeiros e para outras classes profissionais e não é possível reduzir os impostos. E por isso os duodécimos não são uma solução para que o país cresça. Mas, como digo, o CDS está comprometido e focado na negociação do Orçamento do Estado e estamos convencidos que se houver boa fé negocial o orçamento pode vir a ser aprovado.
“Eutanásia? Espero que o TC se pronuncie pela terceira vez pela inconstitucionalidade”
O Governo limitou-se a dizer que espera uma decisão do Tribunal Constitucional sobre a eutanásia. Se o Constitucional considerar que a medida cumpre a lei e o Governo decidir avançar para a regulamentação, há aqui motivos para CDS e PSD virarem as costas?
Essas matérias estão excluídas do acordo de coligação entre o PSD e o CDS. O Governo fez bem em esperar pela decisão do Tribunal Constitucional. Neste momento existem dois recursos: um apresentado por um grupo de deputados do PSD, outro pela Procuradora da Justiça, que é uma antiga juíza e vice-presidente do Tribunal Constitucional, que suscitam sérias inconstitucionalidades relativamente à lei da eutanásia e do suicídio assistido, e por isso esta é uma lei que já chumbou duas vezes no Tribunal Constitucional e o CDS entende que o texto atual continua a conter um conjunto de sérias inconstitucionalidades. O que esperamos é que o Tribunal Constitucional se venha a pronunciar pela terceira vez pela inconstitucionalidade da lei.
Mas é um assunto que não põe em causa a estabilidade do Governo?
De maneira nenhuma. O CDS tem as suas posições, a sua história, o seu lugar, os seus princípios, os seus valores, e bater-se-á por eles até ao fim.
Nuno Melo falou na questão de Olivença e poucas horas depois o ministro dos Negócios Estrangeiros veio dizer que era uma não questão. Isto é uma menorização da posição do CDS?
De forma alguma. Olivença consta de um tratado internacional e é algo que foi assumido pelo Estado português.
E não é uma matéria que o CDS vai levantar, por exemplo, aqui no Parlamento, procurando uma tomada de posição
Isto é uma questão que existe num tratado internacional que foi assinado pelo Estado português e não há mais nada a dizer. Todas as respostas estão nas disposições previstas no tratado.