Foi secretário de Estado, duas vezes ministro da Saúde, de António Guterres e de José Sócrates, deputado e eurodeputado e ainda presidente do Conselho Estratégico e Social (CES). Atendendo ao momento que atravessa o Governo de Luís Montenegro, é inevitável falar sobre a Saúde, a crise no INEM e o futuro de Ana Paula Martins. Não arrisca um desfecho, mas sentencia: a ministra da Saúde revela uma “grande inexperiência”, a “equipa instabilizada pela desconfiança que se gerou” e Ana Paula Martins “não tem total liberdade de intervenção”.
Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, António Correia de Campos fala ainda sobre a liderança de Pedro Nuno Santos, a quem fez duras críticas no momento em que o secretário-geral socialista criticou as vozes dissonantes no PS que criticavam a estratégia orçamental. O antigo ministro não se espraia nas críticas, mas não deixa de fazer um reparo venenoso: “Pedro Nuno Santos está em aprendizagem. Aquele momento [em que mandou calar as críticas] foi um pequeno flop. Mas tem potencial”.
Horas antes de António José Seguro admitir estar a ponderar uma candidatura presidencial, Correia de Campos comentou também a sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa e não esconde que, entre Seguro e Mário Centeno, tem um claro preferido — o atual governador do Banco de Portugal: “Há uma diferença enormíssima entre qualquer deles. Há uma diferença enormíssima de desempenho político, de desempenho profissional, de capacidade e de preparação”.
No dia em que se assinalam os dez anos de detenção de José Sócrates, o antigo ministro de Saúde, que foi afastado do cargo pelo então primeiro-ministro, não diz se está ou não “desiludido” com Sócrates. Mas confrontado com o facto de o antigo líder do PS ter recorrido a empréstimos de um amigo para sustentar um certo estilo de vida, por exemplo, Correia de Campos desabafa: “É uma coisa que não é agradável de saber, com certeza”.
“INEM? Nunca teria deixado as coisas chegarem a este ponto”
A conjugação de duas greves provocou constrangimentos anormais no INEM que podem estar associadas a 11 mortes. Foi ministro da Saúde em dois governos. Se estivesse no lugar de Ana Paula Martins, teria colocado o seu lugar à disposição?
Não teria colocado o lugar à disposição por uma razão: nunca teria deixado as coisas chegarem ao ponto a que chegaram. A questão do anúncio dos pré-avisos de greve é suficientemente séria para qualquer ministro usar o máximo da capacidade preventiva e o máximo de diligências antes de que os factos possam vir a ocorrer sem controlo, portanto não creio que não seria pensável sequer que isso acontecesse. E por que é que aconteceu? Penso que é uma grande inexperiência. Na experiência da parte das equipes ministeriais há uma on-the-job training e é uma atividade que tem os seus custos.
O passado, infelizmente, até pelas fatalidades que ocorreram, não pode ser corrigido. Se ficar provado que uma ou mais mortes estão de facto relacionadas com esta greve, uma greve que poderia ter sido evitada, a ministra tem outra alternativa a não ser apresentar a sua demissão?
A ministra é uma estimável pessoa e tem, noutros aspetos, um comportamento bastante positivo. Mas nesta matéria ela própria assumiu a responsabilidade do que vier ser provado. É evidente que há um longo período até à prova. O problema aqui não é tanto a questão da prova, é o problema da instabilidade. É evidente que a equipa está instabilizada pela desconfiança que se gerou e é impossível que isso não resulte em baixa performance governativa. Temos uma instabilidade governativa que já vem de há meses. O primeiro fenómeno de instabilidade foi a criação das condições que levaram à demissão de Fernando Araújo. Ele tinha concebido todo um sistema, bom ou mau – tenho as minhas reservas – mas era um sistema novo que precisava de tempo para se impor e tinha o seu autor. Uma pessoa muito ativa, prestigiada no meio e fora do meio. Penso que o governo fez muito mal.
E está a pagar o preço?
Está a pagar o preço. Se tivesse mantido a anterior direção executiva, o Governo estava até muito mais defendido. Tinha um biombo, ou um escudo.
No seu livro de memórias explica que saiu de um governo por decisão de José Sócrates, com o argumento que a guerrilha política que lhe estava a ser movida estava a prejudicar todo o executivo. Acredita que a Ana Paula Martins está a prazo?
Tudo depende. Se tivéssemos apenas uma observação racional sobre esta questão, provavelmente há cinco ou há oito dias a polémica tinha esmorecido. Ficávamos à espera de que os peritos pudessem pronunciar-se. É evidente que o assunto se tornou muito preocupante porque as pessoas atribuem ao INEM uma importância muito grande e sentem-se frágeis.
Ana Paula Martins terá condições para lidar com um setor muito contestatário?
Ana Paula Martins é uma pessoa preparada, com alguma experiência do setor, mas não tem experiência de governação do setor. Conhece os personagens, conhece o meio, conhece o valor das pessoas, leu muito, estudou muito, tem estudos de epidemiologia no estrangeiro, é uma pessoa bem preparada. Falta porventura experiência política. A dar crédito àquilo que ocorre nas redes sociais, parece que a ministra da Saúde não tem total liberdade de intervenção.
Em que sentido?
Está muito condicionada por pessoas que estão ao lado dela ou acima dela, entre ela e o primeiro-ministro, formal ou informalmente. Não tenho a menor fundamentação factual para comprovar esta afirmação, mas é o que consta nos meios sociais, que há pessoas com interesses muito próximos da Saúde, interesses materiais, interesses corporativos, e que se movimentam muito bem.
O setor privado?
Nem tanto o setor privado prestador. Talvez profissionais que têm alguma margem de manobra… Enfim, não posso avançar mais do que aquilo que tenho lido nas redes sociais.
Conta também no seu livro que chegou a ter a ajuda de alguns especialistas de comunicação quando era ministro. O Observador deu conta de que Ana Paula Martins está a receber alguns conselhos dos especialistas de comunicação. Pela sua experiência, isto vai resultar?
Não sei se vai resultar. O que sei é que é importante que haja esse tipo de formação e de preparação. Os ministros em Portugal ou têm carreira política prévia, e normalmente têm fragilidades técnicas, ou os que têm uma grande competência técnica podem ter défices de preparação política. Isto é um caso clássico de um país que não tem uma longa tradição democracia.
“Pedro Nuno Santos teve tergiversações e dificuldades em recuar”
Disse que Pedro Nuno Santos era, tal como o Luís Montenegro, um político “muito jovem” que ainda “comete erros grosseiros”. Como é que avalia a liderança de Pedro Nunes Santos até agora?
Acho que ele está em aprendizagem. Quando se aprende não se acerta sempre, não é? É possível que ele esteja a acertar e, em certos casos, a não acertar. Por exemplo, quando criticou vozes internas dissonantes, num partido com a tradição de pluralismo que tem o PS, foi um pequeno flop. Mas tem potencial.
Pedro Nuno Santos fez demasiados ziguezagues no que toca à posição do PS sobre o Orçamento? Devia ter feito como José Luís Carneiro, que apoiou na corrida ao PS, que dizia que se devia ter assumido mais cedo que se viabilizava o Orçamento do Estado?
Não acho que tenha havido ziguezagues. Quando muito houve uma primeira declaração que foi perentória demais e da qual teve alguma dificuldade em recuar. Houve tergiversações, houve uma dificuldade de tentar rever, corrigir ou amaciar uma primeira declaração impulsiva e no calor das refregas eleitorais.
Pedro Nuno Santos tem essa fama de ser impulsivo. Tem comprovado essa fama ou nem por isso?
Não sou psicólogo, não faço a menor ideia. Não privo com Pedro Nuno Santos. Estive com ele meia dúzia de vezes e não mais do que algumas dezenas de minutos no total. Portanto, não sou capaz de formular uma opinião nessa matéria.
Acompanhou a liderança de António José Seguro, depois esteve com António de Assur, quando este se lançou e ganhou o partido. Acha que vai acontecer o mesmo a Pedro Nuno Santos? Corre esse risco?
Qualquer líder na oposição corre mais riscos do que se estiver no poder. Porque no poder tem os instrumentos do poder para contentar os descontentes. Na oposição tem muito poucos instrumentos para contentar os descontentes. É muito natural que os riscos aumentem.
A história não se pode repetir?
Não sei. É impossível prever, só mesmo as pitonisas é que na antiguidade se atreviam a prever o que vinha a acontecer.
“Há uma diferença enormíssima entre Seguro e Centeno”
Mário Centeno seria um bom candidato para as presidenciais? Ou preferia alguém como António José Seguro?
Há uma diferença enormíssima entre qualquer deles. Há uma diferença enormíssima de desempenho político, de desempenho profissional, de capacidade e de preparação. Centeno é um homem doutorado por Harvard. Este simples facto faz calar uma roda de ministros das Finanças.
Isso faz dele melhor candidato para as presidenciais?
Não estou a dizer que faça melhor candidato. Mas este simples facto é uma coisa tão importante, é um cartão de visita impressionante. Além disso, foi um excelente ministro das Finanças, foi um excelente presidente do Eurogrupo e provavelmente será um excelente governador.
Mas dentro dos nomes que se falam no PS para essas eleições, seria o melhor?
Não sei se seria o melhor, mas é um dos bons nomes que o PS tem. O PS há-de ter certamente muitos outros nomes e até pode haver surpresas, quem sabe.
E acredita que venceria as eleições?
Por que não? O país vai já no segundo Presidente, ao fim de 20 anos, oriundo das forças da direita. Todos conhecemos os balanços que os eleitores fazem. Se houver um candidato que não só não seja repelente, mas que seja atraente, e que seja um candidato de esquerda, tem todas as condições para vencer.
E Centeno encaixa nesse perfil. Não é repelente e é atraente?
É um dos que podem encaixar nesse cenário. Mas há outros com certeza.
Gravamos esta entrevista no dia em que se completam 10 anos desde a detenção de José Sócrates. Chegou a dizer que lhe custava muito aceitar as acusações sobre o antigo primeiro-ministro. Que reflexão faz 10 anos volvidos?
Faço a reflexão mais importante, sobre o sistema. Está há 10 anos sem julgamento. É o mais importante para todos, para ele, para os portugueses, para aqueles que confiaram nele que porventura se tenham sentidos desiludidos. E sobretudo para a justiça nacional. Não é possível. Temos de acelerar os prazos da Justiça.
Sente-se desiludido com José Sócrates?
É uma pergunta que não posso responder. Não conheço ainda a sentença. A gente nem sabe sequer de que é que ele vai ser acusado.
Mas há aspetos que vão para lá do plano judicial, nomeadamente o facto de José Sócrates recorrer a empréstimos de um amigo para sustentar um certo estilo de vida, isso não lhe merece nenhum comentário?
É uma coisa que não é agradável de saber, com certeza.
“Gouveia e Melo. Era provável que pendesse para Mendes?”
Vamos entrar no segundo segmento de nosso programa, o Carne ou Peixe, em que o convidado só pode escolher uma de duas opções.Quem levaria aos Solar dos Presuntos em Lisboa para um almoço prolongado: Adalberto Campos Fernandes ou Marta Temido?
Se pudesse levava aos dois, porque tive alguma responsabilidade na passagem desses dois amigos pelo Conselho de Ministros. Mas teria talvez mais prazer em levar a Marta, que é uma pessoa mais próxima da minha amizade.
Imagine que está numa segunda volta das presidenciais prestes a votar e só pode colocar a cruz num quadradinho: seria à frente do nome de Luís Marcos Mendes ou de Gouveia e Melo?
É uma pergunta difícil porque conheço ambos, tenho apreço por ambos. Mas em nome do princípio da civilidade, uma vez que a opinião pública atribui a governos e presidências militares resquícios de regimes militares, e já não temos um regime militar há muitas décadas, era provável que pendesse para Luís Marques Mendes. Mas sempre com dúvidas, porque estimo o almirante, e acho que é um cidadão também com bom mérito.
A quem é que preferia oferecer uma caixa de viriatos, doces de Viseu, ainda quentinhos: Pedro Passos Coelho ou Cavaco Silva?
Qualquer deles é merecedor de um doce. Tenho muito respeito por quem dá a cara na política. E qualquer um deles deu a cara na política, estando eu longe de os considerar com simpatia. Os próprios também certamente não me consideram com simpatia. Mas o só facto de serem pessoas que deram a cara na política, que se sacrificaram, acho que faz qualquer um merecer um viriato. Talvez partisse um ao meio.
E se tivesse que debater durante duas horas o futuro da saúde, preferia fazê-lo com Paulo Macedo ou Ana Paula Martins?
Paulo Macedo é uma pessoa por quem tenho especial estima e consideração. Foi uma pessoa que sucedeu ao meu governo e podia ter destruído tudo aquilo que eu fiz, e não destruiu.