Luís Laginha de Sousa não votou na decisão de avançar com o processo de contraordenação contra a TAP, por indiciada violação das regras de mercado, porque tem títulos de dívida da transportadora. Mas o presidente da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) tem outros investimentos na sua carteira. É o caso, por exemplo, de ações da EDP e REN. Mas só na TAP houve a necessidade de pedir escusa, garantiu a CMVM ao Observador.

A indicação de que estava impedido de votar em decisões sobre a TAP foi dada pelo gestor na comissão parlamentar de inquérito (CPI) sobre a TAP.

“Por ser titular de obrigações da TAP, que subscrevi na oferta pública, antes do início do mandato como presidente da CMVM, a lei não me permite que participe nas decisões do conselho de administração que produzam efeitos na TAP, embora esteja totalmente solidário com essas decisões e a par dessas decisões e em condições de prestar os esclarecimentos que possam solicitar”.

De acordo com informação noticiada pelo Observador, o impedimento em relação à TAP termina em junho deste ano, data de reembolso desses títulos. A partir dessa altura Laginha de Sousa deixa de ter limitações nas decisões sobre a transportadora, que está em fase de defesa no processo de contraordenação sobre a qualidade e tempestividade de informação ao mercado, no que respeita ao comunicado que anuncia a renúncia de Alexandra Reis. No comunicado inicial fala-se em renúncia da própria, sem qualquer referência à indemnização que se soube mais tarde tinha recebido, de quase meio milhão de euros.

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Quando, a 14 de abril, a CMVM foi questionada sobre as aplicações de Luís Laginha de Sousa, a supervisora não revelou, justificando que estes investimentos não eram fechados. Mas como no caso da TAP houve um impedimento na votação de uma decisão da CMVM, o Observador analisou a declaração de rendimentos que foi entregue ao Tribunal Constitucional para verificar em que outras emitentes (empresas com títulos emitidos no mercado de capitais) podia o responsável da CMVM ter as mesmas limitações.

Laginha de Sousa, na declaração entregue na sequência do início do mandato na CMVM, informa que tem além da TAP mais obrigações e também tem ações de algumas cotadas.

Presidente da CMVM só pediu escusa até agora na TAP

O atual presidente da CMVM, que entrou em funções a 1 de dezembro de 2022, declarou junto do Tribunal Constitucional que tinha obrigações da TAP, mas também da SIC, do Sport Lisboa e Benfica e da Mota-Engil. A emissão da TAP tem data de vencimento junho de 2023, ano em que serão também reembolsadas (a 17 de julho) as obrigações do Benfica (2020-2023).

Terá de esperar por 2025 para o reembolso das obrigações da SIC que foram subscritas em 2021; e por 2026 para uma emissão da Mota-Engil de 2021. No conjunto de todas estas emissões, Laginha de Sousa tem investidos cerca de 25 mil euros, sendo de cerca de 12 mil em obrigações da TAP.

Presidente da CMVM deixa de ter impedimento na TAP em junho. Laginha de Sousa informou administração de investimento de 12 mil euros

Mas Laginha de Sousa não detém apenas obrigações de emitentes. Detém ações de duas cotadas relevantes no mercado de capitais português. Segundo a declaração, EDP e REN são as duas empresas da bolsa nacional que estão na carteira de investimentos de Laginha de Sousa. São dois pesos pesados do PSI. Já este ano a EDP realizou um aumento de capital.

Ainda assim, segundo garantiu ao Observador fonte oficial da CMVM, “até ao momento, apenas se verificou a necessidade de pedir escusa no caso de decisão tomada no processo contraordenacional da TAP”. 

Mas a mesma fonte volta a reafirmar que ainda que possa não votar tal não significa que não acompanhe as decisões.  “Havendo uma situação que fundamente um pedido de escusa, aquele que pede a escusa não fica impedido de acompanhar os assuntos relativamente ao emitente em causa; no entanto, a invocação da escusa significa que não poderá participar em decisões que tenham efeitos nesse emitente”, salienta ao Observador, contextualizando que “o regime das garantias da imparcialidade tem vocação de aplicação em todas as situações em que possa aparentar estar em causa essa imparcialidade, nomeadamente pela circunstância de se identificar algum eventual interesse associado a uma entidade”.

As comunicações sobre investimentos foram feitas

De acordo com os estatutos da CMVM, os membros do conselho de administração não podem “realizar, diretamente ou por interposta pessoa, operações sobre instrumentos financeiros, salvo tratando-se de fundos públicos, de fundos de poupança-reforma ou do exercício de direitos inerentes a instrumentos ou produtos financeiros previamente adquiridos“.

Os estatutos determinam que os instrumentos devem ser vendidos antes de início de funções ou terão de ser declarados. E caso, depois disso, pretenda aliená-los tem de pedir ao Ministério das Finanças. “Os membros do Conselho de Administração que à data da sua nomeação sejam titulares de  instrumentos financeiros devem aliená-los antes do início de funções ou declarar, por escrito, a sua existência ao conselho de administração, só os podendo alienar com autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças“, lê-se nos estatutos. Mas, segundo garantiu ao Observador fonte oficial da CMVM, “não teve lugar qualquer operação relativamente aos títulos referidos na declaração, desde a nomeação para o cargo de presidente da CMVM”. Ou seja, mantém os investimentos que tinha antes de assumir funções no polícia dos mercados.

No caso da TAP Laginha de Sousa disse logo que os títulos tinham sido comprados na oferta pública, pelo que antes da sua entrada na CMVM, o que deverá ter acontecido com as restantes obrigações em carteira. Laginha de Sousa assumiu ao Observador que as informações a quem de direito foram prestadas. E isso mesmo também consta na declaração ao Tribunal Constitucional.

Presidente da CMVM deixa de ter impedimento na TAP em junho. Laginha de Sousa informou administração de investimento de 12 mil euros

De acordo com essa declaração, consultada pelo Observador, Laginha de Sousa escreve mesmo que, “relativamente aos valores mobiliários (ações e obrigações) indicados, informo que atuei de acordo com o previsto no Código de Conduta e Ética da CMVM. Nesse contexto informei o conselho de administração da CMVM dos valores mobiliários por mim detidos e da minha intenção de não proceder a qualquer operação com os valores mobiliários em causa até deixar de estar sujeito a impedimento. Dessa disposição decorre que, no caso das obrigações, estas serão detidas até à maturidade e respetiva liquidação por parte das respetivas emitentes”.

E é por garantir a sua manutenção até à maturidade que se estabelece o fim do impedimento de Laginha de Sousa nas votações em relação à TAP. É que a 23 de junho termina a emissão da transportadora, com o respetivo reembolso da dívida. E a partir daí Laginha de Sousa deixa de ter impedimentos. Se a contraordenação da empresa só tiver desfecho depois disso então o presidente da CMVM já poderá participar na sua decisão.

A mesma fonte acrescenta que “a comunicação da detenção de instrumentos financeiros nos termos legalmente exigidos tem como objetivo assegurar a transparência e mitigar potenciais conflitos de interesse ao nível da tomada de decisões de instituições como a CMVM”. E questionado sobre o facto de deter ações de duas grandes empresas do PSI, a mesma fonte salienta que “a existência de situações justificativas de escusa para intervir em determinada decisão para salvaguarda de total imparcialidade não coloca em causa o bom funcionamento da instituição, em particular num órgão com cinco membros em efetividade de funções, nem limita a atenção e o cuidado que são colocados em todas as decisões”.