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E se o Presidente da República pudesse ser eleito aos 18 anos? Ou ser obrigado a nomear um primeiro-ministro escolhido pelo Parlamento? Se pudesse dissolver a Assembleia da República a poucos dias de deixar Belém? Ou nomear o governador do Banco de Portugal e ainda definir a política externa nacional? E se não pudesse pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade de diplomas (aceitam-se apostas: de quem foi a ideia?)? Ou ainda se pudesse escolher juízes do Tribunal Constitucional? E se não pudesse nunca demitir um governo suportado por uma maioria absoluta? Bom, provavelmente não era um Presidente, pelo menos desta República.

Nos últimos 33 anos (desde a primeira revisão constitucional, em 82), sucederam-se as tentativas de alterar o Texto Fundamental, e apesar de já ter havido um Presidente da República (Sampaio) e um pai da Constituição (Jorge Miranda) a queixarem-se do “frenesim constitucional”, a verdade é que foram muitas mais as propostas, medidas e ideias que ficaram pelo caminho. Se tivessem sido aprovadas, o mais alto cargo político, o de chefe de Estado, seria muito diferente daquele que agora conhecemos.

Passos tentou evitar suspense da crise de 2015… 20 anos antes

A moção de censura construtiva não existe em Portugal? Não. Mas já aconteceu? Sim (pelo menos informalmente). E bem recentemente, com António Costa a impor a si mesmo uma condição para fazer cair o governo PSD/CDS: só aprovaria a censura, com uma alternativa de governo para apresentar.

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Ainda no estilo pergunta-resposta celebrizado pelos Gato Fedorento na caricatura de Marcelo Rebelo de Sousa, vai mais uma sequência: e a moção de censura construtiva podia existir hoje em Portugal? Podia. Então não houve ninguém a propô-la? Houve. Mas não foi nenhum dos principais partidos ou protagonistas políticos a propor? Foi. Se foi.

A proposta já surgiu por sete vezes, três delas pela mão do PS (a mais recente foi em 2010), uma pela ASDI (bancada onde se sentava o pai da Constituição Jorge Miranda), logo em 1982, e duas vezes pela JSD de… Pedro Passos Coelho.

António Filipe é deputado do PCP há duas décadas, já participou em várias revisões e recorda que mal se deu pela proposta que o jovem Pedro assinava à cabeça entre os projectos de revisão da JSD alinhados tanto em 1994 como em 1997. A verdade é que nessa altura, se Passos Coelho tivesse conseguido fazer vingar esta sua alteração à Constituição, teria sido ele mesmo a colocar a faca e o queijo na mão de Costa 2015, com 20 anos de antecipação.

A consequência prática, e aproveitando o exemplo recente, é que depois de aprovada a censura ao governo Passos/Portas na Assembleia da República já não existiria qualquer suspense sobre o que faria o Presidente da República a seguir. Indigitaria António Costa ou não? Indigitaria (ou indicaria, na fórmula preferida por Cavaco Silva), obrigatoriamente, porque a Lei Fundamental o determinaria.

As propostas neste sentido surgidas nos mais de 30 anos de revisões constitucionais não são exatamente iguais (PS e ASDI exigiam um primeiro-ministro alternativo mas também um programa de governo), mas no final das contas o que ficaria para a história da Constituição seria a “retirada de poder de decisão ao Presidente da República na nomeação do primeiro-ministro”, resume o deputado comunista António Filipe. E isto porque, no caso de demissão do Governo por censura, o Presidente teria sempre de escolher o nome alternativo do primeiro-ministro indicado pela Assembleia da República e não tentar qualquer outra fórmula. “Um disparate completo”, dispara o social-democrata Matos Correia que sublinha que esta figura “só faz sentido” em sistemas parlamentares puros.

Jorge Lacão sustenta que “a configuração do Governo tem de ser resultado do desenho parlamentar” e a proposta de uma moção de censura construtiva visava reforçar isto mesmo, explica o deputado que ainda atira que “na recente crise política tentou fazer-se uma leitura da Constituição como se a revisão de 1982 não tivesse existido”. O PS, diz o deputado e agora vice-presidente da Assembleia da República, “sempre considerou que o Presidente era uma figura de equilíbrio institucional, mas não de liderança política”. O bloqueio a esta alteração, garante o deputado, veio da direita que “sempre acreditou que o PS estaria condicionado entre a pressão da direita e a da esquerda. Agora que perceberam que só pode garantir a estabilidade com maioria absoluta, talvez possa olhar para a moção de censura construtiva com outros olhos”.

Presidente aos 18 e por mais tempo

A JSD de Pedro Passos Coelho esteve ainda noutra tentativa de inovação que acabou por não vingar. Nos dois projectos de revisão constitucional que fez entrar na Assembleia da República, os jotinhas defenderam que a idade mínima para uma candidatura presidencial fossem os 18 anos, em vez dos 35 (que, por sinal, o próprio líder da JSD, na altura, ainda não tinha). Pedro Roseta, também do PSD, apresentou em 1994 um projecto que propunha que a idade dos cidadãos elegíveis reduzisse, mas em apenas cinco anos.

Quinze anos mais tarde, em 2010, Passos Coelho havia de voltar à carga com um projeto de revisão constitucional muito polémico, quando chegou à liderança do PSD. Dessa vez, entre outras propostas, tentaria fixar em seis anos (mais um do que actualmente) o mandato do Presidente da República, que passaria a ser único.

Da bancada do PSD nasceria, há dois anos, um outro projecto que também queria alterar o artigo da Constituição que define o mandato presidencial (cinco anos). Os deputados sociais-democratas eleitos pela Madeira (que não falham com um novo projecto a cada revisão constitucional) propuseram, em 2014, o “mandato único” do chefe de Estado, mas já com a duração de dez anos. “Isto permitiria evitar que o primeiro mandato fosse uma espécie de campanha para o segundo”, justifica o ex-deputado do PSD eleito pela Madeira Guilherme Silva. Se tivesse visto a luz do dia, esta alteração ia garantir, logo à partida, o tempo em funções que todos os Presidentes eleitos em democracia acabaram por cumprir. O eleito no próximo dia 24 ficaria dez anos.

Costa quer, Cavaco quer e o Parlamento já tentou oito vezes. Mas nada

Tema bem quente nos dias que correm é o da regulação bancária. Aqui, os partidos tentaram por oito vezes inscrever na Constituição que o Presidente passaria a ter uma palavra a dizer na nomeação do governador do Banco de Portugal. Nunca conseguiram, porque nem todos o defendiam. Os principais proponentes têm sido essencialmente dois: o PS, que tentou atribuir este poder ao chefe de Estado por três vezes, e o CDS, outras três. Além deles, também o PCP o quis, em 1997, e o independente Raúl Castro defendeu isto mesmo em 1994. O grande bloqueador foi o PSD, que nunca apoiou qualquer alteração neste sentido.

O socialista Jorge Lacão explica a insistência do PS com a tentativa de “criar uma posição simétrica” entre os órgãos que são nomeados pelo governo, permitindo também que Presidente, Executivo e governador “tivessem uma posição integrada”.

Em 2015, ano da recondução do actual governador, Carlos Costa, e também um ano eleitoral, o assunto voltou a acender o rastilho político entre as duas maiores forças partidárias, com o líder socialista, hoje primeiro-ministro, a defender mesmo uma “revisão constitucional cirúrgica” para dar ao chefe de Estado a última palavra sobre a nomeação do governador. António Costa propunha que a nomeação fosse feita “por decreto do Presidente da República, sob proposta do governo e após audição do indigitado no parlamento”.

Não sendo muito frequente, aconteceu no último mês de outubro: António Costa ouviu Cavaco Silva concordar consigo em toda a linha. Numa intervenção na abertura do ano judicial, o chefe de Estado que está de saída defendeu o reforço dos poderes presidenciais, nomeadamente no processo de nomeação do governador do regulador do sector financeiro. Cavaco também considera que deve ser o Presidente a nomear “sob proposta do governo e, eventualmente após audição parlamentar”.

Entre uma declaração e outra, em maio, o governo PSD/CDS reconduziu Carlos Costa no cargo. Antes disso fez apenas uma alteração à lei orgânica do Banco de Portugal, para ir ao encontro da parte menor desta alteração já amplamente defendida, e passou a obrigar o nome proposto pelo governo a uma audiência parlamentar prévia. A Constituição voltou a ficar na mesma.

O PSD que Marcelo herdou de Nogueira queria limitar a dissolução

A chamada bomba atómica presidencial também surge a debate de tempos a tempos. O Presidente pode dissolver a Assembleia da República sem condicionantes de maior (além do temporal, que fez correr tinta nos últimos meses), mas só pode demitir o governo para assegurar o regular funcionamento das instituições (poder que nunca foi usado).

José Matos Correia não teria evitado o bloqueio do Presidente da República de utilizar o poder de dissolução do Parlamento nesta última crise política, mas não se pode dizer que não tenha antecipado, em 2010, um problema que poucos anos depois havia de deixar país político a fazer contas. Nessa altura, o deputado do PSD quis, sem sucesso, alterar a Constituição (esta revisão caiu com a dissolução do parlamento) para que o Presidente da República não estivesse totalmente bloqueado no poder de dissolver o Parlamento nos últimos seis meses do mandato.

Avançou sozinho com o projecto que tinha um artigo único: a Assembleia da República não podia ser dissolvida nos primeiros seis meses em funções, nem no último semestre do mandato do Presidente, “excepto em caso de grave crise institucional, quando tal se torne necessário para assegurar a estabilidade ou o regular funcionamento das instituições democráticas”.

A norma aumentaria os poderes do chefe de Estado, mas a verdade é que não teria alterado o panorama pós-legislativas, até porque nesta crise as duas condicionantes à dissolução sobrepunham-se: se o Presidente estava impedido de dissolver por estar em fim de mandato, estava sempre impossibilitado de usar esta bomba atómica nos primeiros seis meses do Parlamento.

“Não faz sentido existir um sistema sem válvula de escape caso um Presidente se depare com uma situação complexa”, argumenta o deputado Matos Correia ao Observador para justificar a alteração que, frisa, “mantinha a regra geral do Presidente não dissolver em fim do mandato, a não ser que se verificassem circunstâncias excecionais”.

Em 1982, num projecto de revisão avançado pelo social-democrata Pedro Roseta, o democrata-cristão Oliveira Dias e o monárquico Borges de Carvalho, chegou a haver a intenção de alargar ainda mais os impedimentos para a dissolução, proibindo o Presidente de dissolver o Parlamento não nos atuais seis, mas nos doze meses posteriores às legislativas. Aplicada aos dias de hoje, isto faria com que o atual Parlamento só pudesse ser dissolvido nas vésperas do Orçamento do Estado para o próximo ano. Também no ano da primeira revisão, a ASDI de Jorge Miranda propôs que o Presidente pudesse solicitar um voto de confiança, por sessão legislativa, à Assembleia da República. Se o governo não cumprisse, seria demitido. Um terror para qualquer governo de maioria relativa.

As regras para o uso das duas bombas atómicas foram alteradas logo na primeira revisão constitucional (facilitando a dissolução e dificultando a demissão) e, desde então, mantiveram-se intocáveis, mas não por falta de tentativa. Em 1994, o CDS tentou “delimitar” o poder de dissolução do Parlamento. No projeto assinado por Adriano Moreira, Narana Coissoró ou Nogueira de Brito, os democratas-cristãos defendiam que o chefe de Estado pudesse dissolver o Parlamento, por solicitação do próprio, perante a impossibilidade de “gerar uma solução governativa estável, ou ainda, em caso de força maior, quando se verifique a impossibilidade do regular funcionamento das instituições”. Estava aqui a chave de Cavaco Silva para ultrapassar uma solução parlamentar em que não confia? Nem por isso. Por duas razões: 1. O chefe de Estado só poderia detonar a bomba a pedido do próprio Parlamento; 2. Mantinham-se os bloqueios temporais de não dissolver no fim do seu mandato, nem nos primeiros seis meses de um novo parlamento.

Poucos anos mais tarde, em 1997, a ala laboral do PSD também tentou deitar a mão a esta competência presidencial e propôs que o chefe de Estado fosse impedido de demitir um governo suportado por uma maioria absoluta. Nesse mesmo ano, o PSD então liderado por Marcelo Rebelo de Sousa teve no Parlamento um projeto de revisão constitucional – que entrara já na reta final da liderança anterior, de Fernando Nogueira – onde tentava limitar o poder de dissolução do Parlamento. O projeto, que saía no fim do cavaquismo e depois de anos tensos na relação institucional Belém/São Bento, visava que a Assembleia da Republica só pudesse ser dissolvida em caso de demissão de um governo derrubado por via de moções de censura, rejeição do programa do governo ou por vontade do próprio primeiro-ministro.

No sentido contrário às limitações, a Intervenção Democrática (um parceiro de coligação do PCP), em 1987, quis alargar a possibilidade de uso da bomba atómica, retirando a condição de estar em causa o “regular funcionamento das instituições” ao poder do Presidente demitir o governo. E ainda pretendia um mecanismo que, ao ter sido aprovado, colocaria uma nova questão na agenda das presidenciais de hoje: “O início do mandato do presidente implica a demissão do governo, se não mantida a sua nomeação”.

Ou seja, o próximo Presidente da República teria, já à cabeça, de confirmar a nomeação feita pelo seu antecessor, caso contrário o governo cairia – imagine-se, nesse caso, a pressão de PSD e CDS sobre Marcelo Rebelo de Sousa para que derrubasse o Executivo de Costa.

Em 2010, Pedro Passos Coelho tentou estabelecer uma outra relação direta e fez entrar no Parlamento um projecto de revisão constitucional onde defendia que a demissão do governo implicasse a queda do Parlamento. Nesse mesmo ano, o PS defendeu que o presidente da Assembleia da República fosse ouvido pelo Presidente durante o processo de decisão sobre a dissolução.

A segunda premonição do jovem Pedro

Em 1994, quando avançou no Parlamento com o seu projeto de revisão constitucional, o então líder da JSD Pedro Passos Coelho dava sinal dos traumas sociais-democratas com a relação atribulada entre o seu último governo (de Cavaco Silva) e Belém (onde estava Mário Soares) e tentava limitar a ação presidencial perante novos diplomas. No seu projeto, Passos escreveu que “importa clarificar a relação entre o Presidente da República e o Tribunal Constitucional, contribuindo para afastar as suspeitas que recaem sobre o mecanismo da fiscalização preventiva da constitucionalidade, aliás, herdado do período revolucionário”. E o jovem Passos não fazia a coisa por menos e avançava, de forma direta, com a proposta de “eliminação do mecanismo da fiscalização preventiva da constitucionalidade”. Para o líder da JSD, o Tribunal Constitucional era responsável por “atrair, no exercício e por causa do exercício das funções, suspeitas, que cumpre afastar”.

Uma posição de confronto algo premonitória, já que os anos em que esteve no governo ficaram marcados pela intervenção do Tribunal Constitucional – que por nove vezes travou diplomas do executivo. A maior e maioritária turbulência foi sempre causada por pedidos de fiscalização sucessiva e não pelos preventivos vindos de Belém, ainda que tenha acontecido, em 2013, perante o regime de requalificação dos funcionários públicos. Mas o Pedro de 1994 não conseguiu convencer os restantes deputados e acabou por não ter como evitar os problemas que viriam 20 anos depois, já como chefe do Executivo.

O Tribunal Constitucional foi criado na revisão de 1982 e, logo nesse ano, a Ação Social Democrata Independente (ASDI) tentava dar ao Presidente o poder de nomear juízes conselheiros. Jorge Miranda, Sousa Franco, Magalhães Mota e Vilhena de Carvalho foram os primeiros parlamentares a sentirem esta necessidade, defendendo que o chefe de Estado nomeasse cinco juízes, na mesma altura em que os deputados do PSD, CDS e PPM, Pedro Roseta, Oliveira Dias e Borges de Carvalho pretendiam que o Presidente nomeasse dois juízes. Cinco anos depois, Raúl Castro e Corregedor da Fonseca, da Intervenção Democrática, voltaram à carga e propuseram que o Presidente escolhesse três conselheiros. Mais recentemente, em 2010, o CDS quis que fossem dois os escolhidos pelo Presidente, num projecto de revisão constitucional que tinha entre um dos principais objectivos a “atribuição de maiores poderes ao Presidente da República na organização superior da Justiça, em particular, através da nomeação do presidente do novo Conselho Superior do Poder Judicial, bem como de um poder de nomeação de membros do Conselho Superior do Ministério Público”. Pelo que as exigências do CDS iam além da nomeação de juízes conselheiros do TC, já que também queriam que o Presidente nomeasse o presidente do Conselho Superior do Poder Judicial e vogais do Conselho Superior de Magistratura. “Desgovernamentalizar” o poder judicial era a palavra de ordem dos democratas-cristãos que não conseguiram que as propostas saíssem do papel. Em 2014, com o PSD no governo, o CDS não avançou com projeto de revisão constitucional, mas o seu deputado pela Madeira Rui Barreto avançou com uma iniciativa para que o Presidente designasse cinco juízes. A Constituição nunca foi mexida neste sentido, com dez juízes do TC indicados pelo Parlamento e três pelo Tribunal. É o coletivo que escolhe o presidente.

Parlamento regionais mais protegidos do que a Assembleia da República

No que toca as regiões autónomas, a preocupação de preservar a autonomia fez com que, por diversas vezes, os deputados insulares, independentemente da bancada, concertassem posições para avançar com propostas neste sentido. O PSD-Madeira não falha a abertura dos períodos de revisão e apresenta sempre um projecto, quase sempre no sentido de “aproximar regimes”, como diz Guilherme Silva.

Mas nem só da bancada do PSD veio uma proposta deste género. Em 1994, o socialista Luís Amado, na altura, deputado pela Madeira propôs que a dissolução das assembleias legislativas regionais só era possível se em causa estivessem “atos graves contrários à Constituição”. Uma forte limitação ao poder de dissolução dos parlamentos das regiões autónomas que os deputados do PSD eleitos pela Madeira tinham tentado em 1987, com outra fórmula. “A dissolução só seria possível “em caso de crise política grave e quando estiver em causa o regular funcionamento das instituições”. Uma limitação que o chefe de Estado não tem em relação à Assembleia da República, mas só para situações de demissão do governo.

Guilherme Silva esteve em todos os projectos de revisão do PSD-Madeira e justifica as mudanças tentadas aos poderes presidenciais com a defesa das autonomia e o “aproximar regimes”. Entretanto, propostas como esta foram sendo deixadas para trás e o antigo deputado admite que “a verdade é que estes anos de democracia revelaram que não houve nenhum abuso em relação às assembleias legislativas regionais, pelo que esses projetos foram abandonados”.

Mais uma vida política para Cavaco Silva

Depois de dez anos a liderar o governo e outros dez na Presidência da República, não restam cargos para Cavaco Silva na política portuguesa. Não restam porque o projeto de revisão do PSD e CDS em 2004 não avançou. Os dois partidos estavam juntos no governo liderado por Durão Barroso quando defenderam a criação de uma segunda câmara, o Senado, para “representação das comunidades territoriais da República”. Seria composto no máximo por 50 senadores, onde tinham acesso direto os ex-Presidentes da República. Cavaco Silva teria, dessa forma, mais uma vida política, bem como Jorge Sampaio, Mário Soares e Ramalho Eanes. O Senado teria iniciativa legislativa, teria de se pronunciar obrigatoriamente sobre propostas de alteração à Constituição ou sobre tratados e acordos internacionais, por exemplo. Não era sequer uma proposta consensual dentro da própria bancada do PSD e acabou por cair.

A tentativa de somar poderes ao Presidente, neste caso em funções, em matérias de política externa foi uma constante e começou logo em 1982, com a ASDI a determinar que o Presidente fosse “o mais alto representante do Estado na ordem externa”. O PCP havia de insistir nesta tecla nos projectos de revisão que foi apresentando, repetiu em 1994 e em 1997. “Não insistimos porque já não se coloca a questão”, reconhece ao Observador o comunista António Filipe. O mesmo não aconteceu face a outra exigência constitucional do PCP (e também dos Verdes) que nos últimos anos, nomeadamente depois da guerra do Iraque (2003), se tem debatido por dar ao chefe de Estado a competência de “autorizar o envolvimento das Forças Armadas em missões fora do território nacional”.

“Prevê-se que o Presidente seja o comandante supremo das Forças Armadas, mas depois permitem-se missões em cenários de guerra sem ser necessária a sua concordância. Não comanda nada! O poder parece meramente simbólico”, remata o deputado. O poder pode não estar escrito, mas em 2003, quando Portugal interveio na guerra do Iraque, o Presidente Jorge Sampaio tinha várias reservas sobre a intervenção militar e opunha-se mesmo à participação das Forças Armadas numa missão de ataque no Iraque. Acabou por estabelecer-se um compromisso entre Presidente e governo e a missão portuguesa não incluiu as Forças Armadas.