Siga aqui o nosso liveblog sobre a guerra na Ucrânia
O presidente da Associação de Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, revelou ao Observador que existe um canal de YouTube de um “propagandista pró-Putin” que divulga casos (não confirmados por fontes oficiais) de antigos refugiados de guerra ucranianos que viram os seus filhos serem-lhes retirados pelas autoridades europeias, incluindo as portuguesas, antes do seu regresso a território ucraniano.
Um desses testemunhos, recolhidos pelo jornalista ucraniano Zhan Novoseltsev foi o de Alina Komisarenko — o mesmo que o embaixador russo das Nações Unidas (ONU), Vasily Nebenzya, revelou num vídeo apresentado numa reunião informal do Conselho de Segurança da ONU, esta quarta-feira, e que levou o Governo português a reagir com um “repúdio firme” ao relato apresentado.
“Sou Alina Komisarenko, da cidade de Zaporíjia. As minhas crianças foram retiradas pelo sistema juvenil em Portugal”, afirma a mulher no vídeo apresentado perante o Conselho de Segurança da ONU. Apesar de considerar que a Rússia divulgou o caso em público para efeitos propagandísticos a favor do Kremlin, Pavlo Sadokha garante que o testemunho relata uma situação “real”. “Conhecendo o caso, sei que a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) tinha de agir para proteger as crianças. Mas não é nenhuma discriminação nem de nacionalidade, nem de origem”, contou ao Observador.
https://www.youtube.com/watch?v=B1ijc5EHhhY&ab_channel=%D0%96%D0%B0%D0%BD%D0%9D%D0%BE%D0%B2%D0%BE%D1%81%D0%B5%D0%BB%D1%8C%D1%86%D0%B5%D0%B2
De acordo Pavlo Sadokha, o caso de Alina Komisarenko é “complicado”. Sem dar grandes detalhes sobre o que levou à retirada das crianças, o presidente da associação refere que a mulher está num “estado emocional muito difícil”. “Não percebe línguas, [a retirada] teve a ver com problemas de tradução dos direitos de Alina”, apontou. Ainda assim, o responsável assegura que a mulher está agora “a ser acompanhada” pela embaixada da Ucrânia em Portugal e também pela associação: “Estamos a tentar a ajudá-la.”
“Não passa de propaganda russa”, declarou Pavlo Sadokha, que considera que a Rússia está a usar estes casos para “tentar manipular emocionalmente” os antigos refugiados ucranianos. Admitindo que existe uma ligação entre a divulgação dos vídeos e o mandado de detenção emitido pelo Tribunal Penal Internacioanl com os nomes de Vladimir Putin e da comissária para os direitos da criança da Rússia, Maria Lvova-Belova, o presidente da associação sublinha que a transmissão do vídeo por Vasily Nebenzya, juntamente com a existência de outros conteúdos semelhantes difundidos por youtubers pro-russos, faz parte de um esforço do Kremlin para transmitir a imagem de que nos países da União Europeia “as crianças ucranianas estão desprotegidas”.
“Eles [os russos] também fazem isso para defender a sua política da retirada de crianças ucranianas para a Rússia e para criar uma atmosfera de medo para os refugiados da Ucrânia”, acrescenta Sadokha.
Relativamente a Portugal, Pavlo Sadokha elogia a intervenção das autoridades desde o início da guerra, principalmente no que diz respeito às crianças — “que foram as mais protegidas”. “Acho que em Portugal há alguns problemas com refugiados ucranianos, por exemplo com a habitação e também problemas com a renovação dos certificados de proteção temporária, mas as crianças sempre foram protegidas por Portugal.”
As acusações na ONU e o comunicado de 49 países
A reunião informal do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas desta terça-feira, numa altura em que a Rússia assume a presidência do órgão, foi aproveitada pelo embaixador russo para dar a conhecer vários casos da retirada de crianças na Europa. Vasily Nebenzya apontou que as autoridades ucranianas não estão “preocupadas” com a “desucranização” dos menores que “estão em países europeus”, realçando igualmente a “hipocrisia” dos países da União Europeia, que criticam a Rússia pela retirada de crianças ucranianas e depois fazem alegadamente o mesmo.
Para tentar fundamentar a sua posição, Vasily Nebenzya mostrou um vídeo com os testemunhos de várias mães, cujos filhos terão sido “roubados” pelas autoridades alemães, espanholas e portuguesas. Pavlo Sadokha conhece alguns destes casos, já que as associações ucranianas na Europa tiveram uma “reunião” há cerca de uma semana, depois de tomarem conhecimento de que, desde “há dois meses, a propaganda russa começou a fazer muitos vídeos” sobre o assunto.
Face a estas acusações, em declarações ao Observador, fonte oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) “repudiou firmemente” as acusações. O Observador questionou o MNE, o Ministério da Administração Interna, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e o gabinete do primeiro-ministro para obter mais detalhes sobre o processo de Alina Komisarenko, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo além da posição expressa pelo gabinete de João Gomes Cravinho.
O Governo português não foi, contudo, o único a condenar as declarações de Vasily Nebenzya e, num sentido mais amplo, a própria reunião do Conselho de Segurança, que contou com a presença (à distância) da comissária dos Direitos da Criança na Rússia, Maria Lvova-Belova, em relação a quem o Tribunal Penal Internacional emitiu um mandado de captura, exatamente pela retirada de crianças ucranianas das respetivas famílias, nos territórios ocupados pelos militares russos em solo ucraniano.
Num comunicado, 49 países, incluindo Portugal, deixaram duras críticas à Rússia, que acusaram de ter “abusado dos podres e privilégios do seu estatuto de membro permanente do Conselho de Segurança para espalhar desinformação sobre a deportação forçada e ilegal de milhares de crianças ucranianas”.
“Não há divulgação de desinformação pela Federação Russa que possa negar a verdade”, declararam os países, que acusaram a Rússia da deportação forçada de 19.500 crianças ucranianas. “Isso incluiu a separação deliberada de crianças dos seus pais e o rapto de crianças de orfanatos antes de os colocar para adoção na Rússia.”
Statement on behalf of: ???????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????????? pic.twitter.com/kcicaAwx5s
— Canada Mission UN (@CanadaUN) April 5, 2023
A presença de Maria Lvova-Belova na reunião informal do Conselho de Segurança desta quarta-feira (à distância) também motivou o desagrado de quatro membros do Conselho de Segurança — Estados Unidos, Reino Unido, Malta e Albânia —, cujos representantes abandonaram a reunião como forma de protesto. “Opomo-nos a esta oradora […], uma mulher acusada de um crime de guerra, que está envolvida na deportação e rapto de crianças das suas casas”, declarou à imprensa a embaixadora norte-americana nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield.
Mais de 59 mil pedidos de proteção temporários a ucranianos
Desde o início da guerra, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras atribuiu 59.078 proteções temporárias a cidadãos ucranianos e a estrangeiros que residiam na Ucrânia.
Os dados mais recentes do SEF, da passada segunda-feira, dão conta de que 15 menores chegaram a Portugal não acompanhados, com outra pessoa que não os pais ou representante legal comprovado, “mas em perigo atual ou iminente para a vida ou grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança ou jovem”.
Portugal concedeu mais de 59.000 proteções temporárias desde o início da guerra na Ucrânia
Há também os casos da barrigas de aluguer de mães ucranianas. Quando a guerra começou na Ucrânia, um dos poucos países em que o processo de gestação de substituição está regulado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros assegurou a existência de “15 casos de casais portugueses” nessa situação, tendo-lhes sido prestado apoio para que trouxessem os filhos para Portugal.