Os últimos dias trouxeram sinais de um afastamento calculado do primeiro-ministro face ao seu ex-ministro e estrela do PS, Pedro Nuno Santos. Depois de mais polémicas reveladas nas primeiras audições do inquérito parlamentar ao caso Alexandra Reis, António Costa veio criticar o estilo do relacionamento cultivado no Ministério de Pedro Nuno com as empresas públicas, apontando até exemplos melhores: Duarte Cordeiro e Fernando Medina. No PS reconhece-se que os reparos são dirigidos a Pedro Nuno Santos e alguns socialistas estão apreensivos com a possibilidade de uma guerra entre os dois. Mais: que o caso TAP acabe por partir o próprio PS.
Entre socialistas, já ninguém duvida de que a relação entre ambos esfriou em definitivo. A questão que se coloca agora é sobre as motivações que estão na origem desta demarcação de Costa em relação a Pedro Nuno Santos. Nos últimos dias, a pressão sobre o Governo aumentou exponencialmente com os dados entretanto revelados na comissão de inquérito à TAP. Os detalhes da relação das Infraestruturas com a TAP, nomeadamente ao longo do processo de rescisão com a Alexandra Reis, a reunião entre Christine Ourmières-Widener, elementos do Governo e deputado do PS na véspera de ser ouvida no Parlamento e, por fim, o email do ex-secretário de Estado Hugo Mendes a pedir um favor a a CEO da TAP em nome do bom relacionamento que o Governo teria de manter com o Presidente da República, tudo isto agravou a tensão que já existia. E o primeiro-ministro sentiu a necessidade de vir a público, mesmo à porta do avião que o levaria para uma visita de dois dias à Coreia do Sul, para se afastar desta forma de relacionamento com as empresas públicas.
Na primeira vez que falou desde que as mais recentes polémicas estalaram, António Costa referiu que “não conhecia” o email de Hugo Mendes e deixou claro que, se tivesse conhecido, “teria obrigado o ministro [das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos] a demiti-lo, na hora”. Considerou ainda que “é gravíssimo do ponto de vista da relação institucional com o Presidente da República e inadmissível no relacionamento que o Governo deve manter com as empresas públicas”, garantindo que a atuação de Hugo Mendes não corresponde “de forma alguma” ao padrão de relacionamento do seu executivo com as empresas públicas.
“Não confundo a natureza pública com gestão política. O acionista define orientações estratégicas e avalia a gestão na apreciação das contas. Não pode interferir na gestão corrente da empresa”, acrescentou António Costa. Por oposição, o primeiro-ministro fez questão de elogiar a forma como outros ministros, no caso, Fernando Medina e Duarte Cordeiro, exercem as suas funções. “Aprecio o relacionamento estratégico que os ministros mantêm com o Metro, a Caixa Geral de Depósitos ou as Águas de Portugal, por exemplo”, completou António Costa.
Esta declaração do líder socialista presta-se a várias leituras no interior do partido. “Não quer matar o pedronunismo, mas o Pedro Nuno Santos“, acredita um socialista que lê nesta última declaração de Costa uma tentativa de o líder do PS “reconfigurar a vida interna do partido e tornar Duarte Cordeiro no líder desse grupo, protegendo também Medina”.”O primeiro-ministro está empenhado em liquidar politicamente Pedro Nuno e está prestes a consegui-lo”, acrescenta um outro socialista convencido que Costa o está a fazer para “salvar a pele” num caso que se tornou tóxico para o seu Governo e onde é difícil que o responsável máximo do Governo esteja isento de responsabilidades. “Está a pôr-se ao fresco“, resume um influente socialista sobre o caminho que António Costa está a seguir com estas declarações.
Ainda esta semana surgiram indicações de dentro do Governo sobre o estado de espírito de António Costa em relação a Pedro Nuno Santos depois do que veio a público no inquérito parlamentar. De acordo com o que fonte do Executivo disse ao Observador, o primeiro-ministro estará “furioso” com Pedro Nuno, sobretudo por este ter deixado o Governo “exposto à crítica generalizada”. As mesmas fontes recordaram o desconforto que o líder do Governo teve na altura em que Pedro Nuno Santos escolheu Hugo Mendes para a secretaria de Estado das Infraestruturas.
Este distanciamento, nota um dirigente socialista contactado pelo Observador, “não tem nada a ver com Hugo Mendes, mas com Pedro Nuno Santos e com as escolhas que ele fez”. “Esta comissão de inquérito está a provocar um desgaste significativo“, admite esta mesma fonte, que acredita que o que o primeiro-ministro está a fazer nesta altura é “distanciar-se em relação a Pedro Nuno e também à forma como este se relacionava com a TAP”. É uma intervenção vista como “politicamente significativa“, uma vez que tenta fazer prova de que “o Governo na sua formação atual não tem nada a ver com aquela prática”, acrescenta.
“Costa está obviamente a querer distanciar-se do que fizeram. Saber do disparate de Hugo Mendes não queimava necessariamente Pedro Nuno Santos, mas vincarem muito isto já é chato“, lamenta um pedronunista ao Observador, apontando para a intencionalidade das declarações de António Costa. Outro socialista do mesmo grupo acrescenta que “o Pedro não irá iniciar nenhuma guerrilha, mas claro que a ida dele à comissão parlamentar de inquérito será um momento importante”.
Entre os pedronunistas há até divergências sobre o silêncio prolongado do ex-ministro nesta fase. Um dos seus apoiantes considera que Pedro Nuno Santos já devia ter falado sobre o que lhe tem sido apontado, sob pena de continuar a ser queimado na fogueira da opinião pública sem esboçar qualquer reação. Ainda assim, nesta altura, a intenção de Pedro Nuno Santos mantém-se intocável: só quer aparecer quando chegar o momento de ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito à TAP (a audição ainda não está marcada).
“Essa guerra não pode acontecer”
A expectativa entre os apoiantes do ex-ministro das Infraestruturas é que o momento em que Pedro Nuno vier defender-se possa servir para limpar a sua imagem pública. E que o espaço de comentário televisivo e o regresso ao Parlamento em setembro possam fazer o resto, restabelecendo o élan do socialista que todos apontam ao pós-costimo. Mas as investidas que, nesta altura, vêm do Governo com Pedro Nuno como destinatário preocupam. “É melhor não obrigá-lo a vir a terreiro…”, avisa um socialista. E um deputado do partido acrescenta um aviso a este raciocínio: “Zangam-se as comadres…“.
“Se abrirmos uma guerra em que o país fica ao lado de tricas internas em relação ao futuro e ao passado, Pedro Nuno Santos pode morrer, mas Costa não fica melhor. E o PS nem sei…”, comenta-se no partido. E isto porque “Pedro Nuno tem um exército que mais ninguém tem no PS, está espalhado pelo Governo e não tem nenhum respeito por António Costa”, atira a mesma fonte. “Enquanto houver poder ninguém se divide“, acredita um socialista. “Enquanto o líder do PS for um primeiro-ministro em maioria este tema nem é tema”, avança também um dirigente socialista, relativizando uma eventual guerra Costa/Pedro Nuno que possa abrir fraturas no futuro próximo.
Neste ponto, se alguns defendem que António Costa não deve promover ativamente essa cisão, outros também vão notando que esse ambiente de guerra interna não seria favorável para quem quer, um dia, poder vir a concorrer à liderança socialista. “Costa não é louco de entrar numa guerra com Pedro Nuno Santos, nem vice-versa”, aponta um deputado. “Sacrificou o cordeiro mais pequeno, Hugo Mendes. Se quiser sacrificar Pedro Nuno, sacrifica. Mas essa guerra não pode acontecer”, alerta o mesmo socialista.
Quanto a Pedro Nuno, um dirigente do PS considera que “não tem um caminho para a liderança do PS a atacar o seu próprio Governo”. No PS de Costa existe a esperança de uma sucessão pacífica, como Observador escreveu em fevereiro passado. E no topo do partido há quem acredite que as ambições de Pedro Nuno Santos foram altamente afetadas pelo caso Alexandra Reis — insistir num confronto com o líder em funções, tornaria as contas ainda mais difíceis. No entanto, ao que apurou o Observador, o ex-ministro mantém as suas ambições para o futuro.
Costa “furioso” com Pedro Nuno “desaparecido em combate” durante semana quente de inquérito à TAP
PS quer alimentar narrativa (cada vez mais difícil) dos lucros da TAP
Com a noção clara de que a relação entre Costa e Pedro Nuno está mais distante do que nunca, os pedronunistas agarram-se aos poucos bons sinais que encontram. Desde logo, aproveitando para lembrar que outro destacado dirigente do PS, Carlos César, apareceu esta semana, no meio do atropelo de declarações de responsáveis socialistas, a criticar a conduta “estúpida” de Hugo Mendes, mas a deixar um elogio a Pedro Nuno. Segundo Carlos César, presidente do PS, é “grotesca” a “omissão” que se faz dos “lucros” antecipados da TAP, um objetivo “a que não é estranha” a gestão da companhia aérea, nem a sua tutela, “exercida por Pedro Nuno Santos”.
A declaração de César, a tentar pôr água na fervura, é mais próxima da narrativa que o PS esperava (e espera, embora agora com muito mais dificuldades) impor na comissão de inquérito: lembrar os bons resultados da TAP no último ano (conseguidos, ironicamente, com a CEO que o Governo decidiu despedir) e, pelo caminho, atirar os males da companhia para o processo de privatização conduzido pelo executivo de Pedro Passos Coelho.
Ainda assim, os socialistas admitem que o plano tem até agora saído furado e que o que “tem pesado mais no debate público” as polémicas que só ajudam a oposição – e deixam o PS em muito maus lençóis. “É fundamental que não fique a ideia de que na TAP só há coisas negativas, é preciso lembrar resultados”, frisa um dirigente do PS. “Se a TAP conseguiu bons resultados, se antecipou em três anos os lucros, qual é, factualmente, a acusação que se pode fazer a Pedro Nuno Santos? Isso é mérito da governação”, desabafa a mesma fonte.
A esperança é que, com uma CPI que ainda será longa, exista oportunidade de “explorar” e “fazer prevalecer” a ideia de que o plano de reestruturação foi importante e que os resultados da empresa melhoraram significativamente. O PS suspira por semanas melhores – isto é, semanas em que as audições da comissão exponham menos o Governo – para tocar nos pontos que quer, como o “muito que há por explicar sobre o processo de privatização na 25.ª hora”, caminho que os socialistas ainda querem “percorrer”.
PS de Costa sonha com sucessão pacífica. Mas atento a Pedro Nuno
[Já saiu: pode ouvir aqui o quinto episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. E ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio, aqui o terceiro episódio e aqui o quarto episódio. É a história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África.]