O resultado foi unânime: em Castelo de Paiva, o vencedor das eleições diretas do PSD, Luís Montenegro, obteve 100% dos votos contra zero de Jorge Moreira da Silva. Foram 105 votos no novo presidente do PSD, num caderno eleitoral que tinha 108. Se a lei tivesse sido cumprida, só três militantes não teriam votado. No entanto, o Observador contactou dezenas de militantes desta concelhia do distrito de Aveiro e confirmou que pelo menos sete não votaram — e muitos nem sequer estiveram no concelho do dia da votação. Isto significa que houve, no mínimo, quatro votos-fantasma colocados na urna com uma cruz em Luís Montenegro.
Uma militante do PSD/Castelo de Paiva explicou ao Observador que “estava com Covid” e que, por isso, não conseguiu deslocar-se à sede — logo, não votou. Um segundo militante confessou que teve “muita pena”, mas esteve a “trabalhar no Porto“. Um terceiro explicou ao Observador que só chegou a Castelo de Paiva já depois das oito da noite: “A minha esposa foi, eu não tive hipótese“. E um quarto militante, sem especificar se estava fora do concelho, deu uma justificação idêntica: “Não consegui ir, infelizmente. Estive a trabalhar“.
Destes quatro militantes — de quem o Observador confirmou o nome completo, número de militante e correspondência com o número de telemóvel entregue ao PSD — nenhum corresponde aos três que não foram registados no caderno eleitoral no dia da votação. O mesmo foi confirmado ao Observador por um dos membros da mesa que acompanhou o processo e que é apoiante do próprio Luís Montenegro. Isto significa que alguém votou por aquelas quatro pessoas, que os nomes foram descarregados da lista, que os votos-fantasma foram vertidos na ata, enviados para a sede e contabilizados para os números finais.
Regra geral, há um representante de cada lista nas várias mesas de voto do país, mas a candidatura de Jorge Moreira da Silva confirmou ao Observador que não conseguiu ter um delegado presente na concelhia em Castelo de Paiva. Ou seja: todas as pessoas que estavam na mesa eram apoiantes de Luís Montenegro.
O mandatário de Luís Montenegro na concelhia de Castelo de Paiva e presidente da câmara, José Rocha, admite ao Observador que achou “muito estranho Moreira da Silva não ter nenhum voto”, mas diz não se ter apercebido de nenhuma anomalia enquanto acompanhava os trabalhos. Sobre a elevada participação eleitoral, justifica-a com o facto de no mesmo dia ter havido também eleições para a comissão política e assembleia de secção, além de que o PSD/Castelo de Paiva, garante, tem um “histórico de alta participação”.
José Rocha admite que os militantes contactados pelo Observador possam estar “a mentir para fazer mal” e prejudicar o candidato vencedor e o partido. Mas, quando confrontado com as justificações específicas (como o facto de uma militante não ter ido por estar com Covid), voltou a dizer que não sabe como isso aconteceu.
O autarca culpa ainda a equipa de Jorge Moreira da Silva, dizendo que “revela falta de responsabilidade da outra candidatura”, já que, “caso tivesse indicado alguém, evitava este clima de suspeição”. José Rocha dá ainda como exemplo o facto de, nas diretas de novembro, a candidatura de Rui Rio ter enviado um delegado de Espinho para a mesa de Castelo de Paiva, algo que é permitido pelo regulamento das diretas.
Como em qualquer eleição interna de qualquer partido, a votação por outra pessoa é uma clara violação do regulamento das diretas, mesmo no caso em que seja consentido (nem isso se verificou neste caso). De acordo com o ponto 4 do artigo 3.º, “o exercício do direito de voto não é delegável, nem pode ser efetuado por correspondência”.
O presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD, Paulo Colaço, disse ao Observador que o órgão a que preside “não tem conhecimento desse caso” e que “a única queixa de irregularidades que chegou na noite eleitoral foi de uma secção da imigração”.
A jurisdição — que funciona como “tribunal do partido” e avalia as irregularidades do processo eleitoral — só pode agir após uma queixa de um militante ou de uma das candidaturas. Mesmo que a irregularidade seja pública, o Conselho de Jurisdição Nacional não pode agir.
Os dois militantes que (não) apareceram no Vimioso
O caso de Castelo de Paiva não é único ao nível de potenciais irregularidades que foram ocorrendo nas diretas do PSD. Na secção de Vimioso, distrito de Bragança, houve várias pessoas que tentaram votar sem cartão do cidadão, algo que a representante de Jorge Moreira da Silva na mesa recusou. Muitos dos nomes que eram dados por esses militantes que queriam votar sem apresentar cartão de cidadão eram, apurou o Observador, de emigrantes que se encontram em França a viver e que nem estariam no distrito de Bragança.
Nessa mesma secção do distrito de Bragança, houve uma anomalia que ficou registada em ata. A delegada de Jorge Moreira da Silva fez a sua própria contabilização da descarga de votos, apontando numa folha à parte quem ia votar. No fim, existiam dois votos a mais. Em causa estavam dois militantes que não tinham comparecido, mas que tinham sido descarregados na listagem.
O nome desses militantes foi colocado em ata. O Observador contactou um deles já depois do processo eleitoral — e o militante garantiu não ter ido votar. Esses dois votos acabaram por não ser contabilizados, mas para os travar foi essencial a ação da delegada da candidatura de Jorge Moreira da Silva.
Nesta secção, Luís Montenegro venceu com 93,90% dos votos, o que corresponde a 77 votos contra apenas 5 de Jorge Moreira da Silva. No total, foram considerados válidos 83 votos e não os 85 descarregados nas listagens, que incluíam os tais dois votos de militantes que não estiveram presentes.
Os 11 votos que demoraram a apurar
A única queixa feita da noite eleitoral está relacionada com a secção de Londres. Nos dois dias seguintes à eleição, no site oficial do PSD aparecia a informação de que estavam 26.976 votos apurados e 11 por apurar. Tratava-se da secção do Reino Unido, onde foi detetada uma anomalia.
O presidente da secção do Reino Unido terá aberto as urnas de voto entre as 9h e as 13h, tendo avisado os militantes de que a votação iria decorrer de manhã. Ora, logo no primeiro artigo do regulamento fica claro que a “eleição do presidente da CPN realiza-se no sábado, dia 28 de maio de 2022, entre as 14 e as 20 horas, e é convocada, em simultâneo”. Além disso, a sede nacional indicou que naquela secção votariam dois militantes em mobilidade, que acabaram por não ser considerados.
Um desses militantes em mobilidade ter-se-á deslocado ao local de votação mais perto das 20h00 e deu com a porta do local de votação fechado. Foi aí que o processo começou a dar problemas. Entretanto, os 11 votos foram contabilizados no site oficial do PSD: em 11, são 11 para Luís Montenegro, que ali também teve 100%. Horas depois, o resultado final, homologado, ditaria diferente: um universo de oito, com seis em Luís Montenegro e dois em Jorge Moreira da Silva.
Os vários casos registados não colocam em causa o resultado nem o vencedor, já que Luís Montenegro venceu Jorge Moreira da Silva por uma diferença de 11.942 votos. Ainda assim, continuam a registar-se falhas e queixas nos atos eleitorais internos.
Na primeira volta das diretas de 2020, foram registados casos de militantes que também votaram sem sair de casa, na altura numa secção (Freixo de Espada à Cinta) onde o vencedor, Rui Rio, teve 100% dos votos.
Nas eleições de 2018, também foram registados atos de caciquismo, com militantes a serem transportados na carrinha de uma associação de Esmoriz para Ovar, secção do então diretor de campanha de Rui Rio, Salvador Malheiro.
As práticas repetiram-se também em outro tipo de eleições no PSD, como aconteceu na concelhia do PSD/Aveiro também em 2020, quando os caciques angariaram votos num lar de idosos.
Ou, recuando mais ainda, as polémicas eleições da PSD/Lisboa no verão de 2017, durante as quais o Observador gravou o transporte de militantes em carrinhas para irem votar.