Uma tarde a jogar para o empate acabou com um número redondo. Rui Rio, que se tinha comprometido a trazer um calendário para preparar a saída, trouxe vários cenários possíveis, incluindo a conclusão do mandato de dois anos. Os proto-candidatos (aqueles que apareceram) não desfizeram o tabu. Os que queriam eleições o quanto antes acabaram por se comprometer com um calendário indefinido, mas com a vitória de terem comprometido politicamente Rio com uma baliza temporal.

Depois de seis horas de reunião, o Conselho Nacional do PSD, órgão máximo entre congressos, só conseguiu aprovar uma deliberação para ‘obrigar’ a direção alargada do partido a apresentar um calendário eleitoral interno dentro dos tais 20 dias. Calendário esse que terá de ser discutido e aprovado em novo Conselho Nacional, que será marcado algures no tempo e no país. E, tudo espremido, todo o processo depende da boa vontade de Rui Rio: enquanto não estiver demissionário e não der início ao processo de sucessão, nada o obriga a fazê-lo.

Politicamente, a questão é diferente: na verdade, as várias estruturas distritais do partido — muitas delas afetas a Luís Montenegro — que se fizeram representar no Conselho Nacional deram o empurrão importante e obrigaram Rui Rio a sair da reunião, pelo menos, com uma baliza temporal e com uma missão clara: deve convocar um nova reunião já com um calendário fixo.

Foi a vitória possível e a conclusão de uma estratégia que assentou na ideia de não afrontar diretamente o líder social-democrata, para lhe permitir sair com a dignidade possível, de forma ‘soft’ e sem mais guerras internas. O sinal foi dado, sem guerras fratricidas, e com o consenso possível entre sensibilidades internas diferentes. As eleições devem acontecer até 30 de junho, data indicativa.

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Este é, pelo menos, o copo meio cheio. Se as eleições diretas acontecerem de facto em junho, o partido só terá a sua situação resolvida sensivelmente em julho — tal como sugeriu para si próprio Rui Rio. Ora, tal como escreveu o Observador a 10 de fevereiro, Luís Montenegro queria ver tudo resolvido pelo menos até à primeira quinzena de maio.

Aliás, essa vontade foi expressa por Pedro Alves, antigo diretor de campanha interna de Montenegro, neste Conselho Nacional, que defendeu que o partido deveria ir a votos a 30 de abril. Acabou por não ser esse o caminho. O calendário será o que Rio propor, mas a ordem de saída é inequívoca.

[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]

PSD mostrou uma vontade, mas Rio pode ter outra

“Bati o record nacional de tempo como líder de oposição”

Na intervenção que fez no Conselho Nacional, Rui Rio assumiu que o resultado nas legislativas “foi negativo”, mas resistiu em assumir responsabilidades diretas pelo sucedido. A começar, o ainda líder social-democrata voltou a lamentar o facto de o partido nunca ter recuperado o voto do eleitorado mais velho, que fugiu em 2015 depois do período de intervenção da troika.

Depois, apontou Rui Rio, contribuiu o crescente aumento da população dependente de subsídios e pensões e ordenado mínimo, um tipo de eleitorado que resiste sempre a grandes transformações. Além disso, o social-democrata queixou-se ainda de ter sido vítima do apelo ao voto útil feito à esquerda, que acabou por beneficiar os socialistas e esvaziar Bloco e PCP. Ainda assim, Rio deixou uma certeza: não teria feito nada de diferente.

Durante o discurso, Rio não resistiu em provocar os candidatos a sucessores, dizendo estranhar “a ânsia” que muitos têm para quererem ocupar o seu lugar, argumentando com o “enorme espírito de sacrifício” que o cargo implica. E ainda puxou dos galões: “Bati o record nacional de tempo como líder de oposição. Não há ninguém que tenha resistido quatro anos na liderança da oposição.”

Apesar de ter dito desde o início que não via razões para continuar no cargo, Rio não deixou sugerir que quer sair pelo próprio pé e no ritmo que definiu. “Se não for nesse espaço de tempo até ao verão e tiver de ser mais rápido, estarão aqui a debater qualquer coisa como 30 ou 40 dias mais todos os tumultos e degradação da nossa imagem na praça pública”. O partido deve fazer-lhe a vontade.

Pinto Luz vencido; Ribau Esteves colado a Rio

Com Luís Montenegro fora de jogo (não tem assento no Conselho Nacional) e com Paulo Rangel ausente (deveria ter seguido para a Ucrânia, mas a viagem acabou por não se realizar), Ribau Esteves, presidente da Câmara de Aveiro, e Miguel Pinto Luz, vice de Cascais, acabaram por ser os co-protoganistas da tarde: Ribau porque está a ponderar avançar; Pinto Luz porque já avançou uma vez e agora vai mantendo tudo em aberto. Nenhum dos dois desfez o tabu.

O primeiro apareceu em Barcelos a dizer que continuava “inclinado para aprofundar” a “ponderação”. “Precisamos de saber o calendário”, desculpou-se. Lá dentro, à frente dos conselheiros, e numa intervenção descrita como muito elogiosa para com Rui Rio, aproveitou o palco para marcar o seu espaço político e manifestar a vontade de estar no debate interno sobre o futuro do partido e para reformar a social-democracia ao centro — em linha, de resto, com o que sempre defendeu Rui Rio.

Já Miguel Pinto Luz acabou por sair de Barcelos com uma derrota política. O vice-presidente da Câmara de Cascais defendeu a existência de um congresso de reflexão antes que o partido entre numa discussão estéril sobre nomes e candidatos a candidatos — uma posição idêntica à de Cristóvão Norte — mas a posição acabou chumbada por larga maioria.

Em declarações aos jornalistas, o número dois de Carlos Carreiras justificou a sua posição. “O PSD tem uma crise de projeto. Temos de repensar o que somos. Temos de ter um congresso não eletivo que faça uma revisão estatutária. Temos de nos adaptar ao mundo de hoje.”

Para Pinto Luz, congresso de reflexão deveria decorrer dentro de um mês, as eleições seria fim de maio e o congresso em junho, ainda que o calendário não seja rígido. “Não é altura de discutir nomes. Esse é o erro que não podemos cometer agora”, disse Pinto Luz, recusando, mais uma vez, esclarecer se vai ou não ser candidato à sucessão de Rui Rio.

Acabou vencido, mas não sem dar um golpe em parte do rioismo e no montenegrismo, cuja aproximação é uma evidência desde as últimas diretas. Na intervenção que fez durante o Conselho Nacional, que continua a decorrer à porta fechada, Miguel Pinto Luz acusou Salvador Malheiro de ser responsável por ter precipitado o partido para um discussão estéril sobre candidatos a candidatos à liderança do PSD.

O vice de Cascais referia-se às declarações de Malheiro, vice-presidente do PSD e grande responsável pelas três vitórias internas de Rui Rio, logo na ressaca das eleições legislativas, quando o autarca de Ovar elogiou Luís Montenegro. “Poucos reúnem as condições que Luís Montenegro reúne”, disse na altura.

As declarações de Malheiro foram naturalmente interpretadas com uma manifestação de apoio a Montenegro — interpretação que o vice do PSD tem vindo a rejeitar desde aí — e deixaram marca no partido: a comunhão de interesses entre os dois deixou os apoiantes de sempre de Rio e nos opositores crónicos de Montenegro de cabelos em pé.

Falando diretamente para Rio, Pinto Luz atirou-se a Malheiro. “Se na hora mais difícil de todas, alguns dos seus [de Rio], estão mais preocupados com o homem que se segue do que com a lealdade e o recato que o bom senso exigiria, conte com a lealdade dos seus adversários. Esta não é uma indireta para Salvador Malheiro. É mesmo uma direta”, disse.

Ora, confrontado por Miguel Pinto Luz, Salvador Malheiro tomou da palavra para fazer a defesa da honra e recusou as intenções que lhe foram atribuídas — não teve nunca a intenção de lançar Montenegro. Mas a acusação ficou a pairar no ar e resta saber se terá algum efeito nos episódios que se seguem. O futuro do PSD regressa dentro de momentos.