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Governo afasta aumento da contribuição audiovisual para 2025, mas admite atualização à inflação a prazo

João Relvas/LUSA

Governo afasta aumento da contribuição audiovisual para 2025, mas admite atualização à inflação a prazo

João Relvas/LUSA

Quanto valem seis minutos (de publicidade) nas contas da RTP?

Governo afasta cenário imediato de aumentar a contribuição audiovisual para compensar fim gradual da publicidade na RTP. Corte representa quase 10% da receita do grupo, mas está limitado ao canal 1.

A intenção de eliminar em três anos as receitas de publicidade do canal 1, que no ano passado valeram 21,7 milhões de euros, pode retirar até quase 10% das receitas do grupo RTP.

O grupo que junta a RTP e a RDP é o maior grupo de media em faturação em Portugal com receitas de 235 milhões de euros no ano passado, das quais a grande maioria resulta de financiamento público definido num contrato de concessão. Mas desde 2013 que não é o contribuinte que paga o custo, mas sim o consumidor de eletricidade através da contribuição audiovisual (CAV) de 2,85 euros (mais IVA) que é cobrada mensalmente na fatura elétrica e que substituiu a antiga taxa da RTP.

O fim da publicidade não vai ser compensado por uma subida imediata da contribuição audiovisual. Pelo menos para o próximo ano, assegura o Governo, que conta com a continuação do aumento do número de consumidores de eletricidade que são, em simultâneo, financiadores do grupo RTP.

Mesmo sem ser atualizada desde 2017, só a receita anual da CAV garante ao grupo RTP proveitos anuais superiores aos dos outros grupos com televisão generalista, da ordem dos 190 milhões de euros por ano. As receitas publicitárias, por outro lado, correspondem a menos de metade das receitas comerciais da estação pública que, no ano passado, ascenderam a 43,2 milhões de euro, rubrica onde entram proveitos com grandes eventos como o festival da Eurovisão ou os campeonatos internacionais de futebol. Estas receitas atingiram o valor mais alto em 2018 à boleia da organização em Lisboa da edição do festival eurovisão e do campeonato mundial de futebol que decorreu na Rússia.

A eliminação gradual da publicidade como fonte de financiamento, ao ritmo de dois minutos por hora e por ano até 2027 (num total de seis minutos/hora), foi anunciado esta terça-feira na conferência o Futuro dos Media pelo primeiro-ministro e, de forma mais detalhada, pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, no âmbito de um pacote de medidas para apoiar o setor (privado) dos media.

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Reestruturação na RTP, incentivos para contratar e assinaturas comparticipadas. O plano do Governo para os media

A iniciativa foi bem recebida pelos representantes dos principais órgãos privados de comunicação social que elogiaram a “coragem” do Executivo  — o presidente da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, chegou mesmo a falar em “dia histórico”, já que esta era uma reivindicação antiga dos grupos privados de televisão.

Mas para o ministro dos Assuntos Parlamentares, a transferência de ganhos para os privados — que será o mercado a ditar se acontece — nem sequer é a principal motivação. Pedro Duarte explicou que o primeiro objetivo da eliminação da publicidade é o de dar condições para que a RTP, “marca fortíssima”, possa prestar um serviço público mais à BBC, sem estar condicionada pelos serviços comerciais. Ainda que a medida permita libertar um montante relevante para o mercado dos privados.

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Conselho geral independente da RTP pediu atualização da CAV no ano passado

No final do ano passado, e muito antes de ser conhecido este corte na publicidade, o conselho geral independente da RTP defendeu a necessidade de atualizar a CAV. Essa recomendação consta de um relatório de avaliação intercalar do cumprimento do projeto estratégico para a RTP, onde se alerta para o desequilíbrio financeiro. Apesar de ter tido lucros nos últimos dez anos, a RTP apresentava capitais próprios negativos de 7,869 milhões de euros no final do primeiro semestre do ano passado.

“Estes indicadores financeiros reclamam, por um lado, que seja transferida para a RTP a dotação de capital em falta (14,29 milhões de euros) e que, por outro, seja considerada a indispensabilidade de atualização da CAV de acordo com o previsto na lei, tendo em conta o contexto inflacionista, a permanência de taxas de juro elevadas e o impacto dos aumentos salariais no setor público empresarial em 2023”.

Mas Pedro Duarte afastou mexidas imediatas na CAV. Primeiro, a RTP terá de dar um salto na prestação do serviço público para “justificar um maior empenho dos contribuintes”. Apesar de estar congelada há sete anos, a receita transferida para a RTP através da CAV tem vindo a subir porque há mais consumidores de eletricidade a pagar a taxa que cresceu, em valor cobrado, 8% desde o ano da última atualização (2017).

Depois de admitir que, a prazo, terá de haver uma atualização desta contribuição para refletir a evolução da inflação, Pedro Duarte clarificou, em conferência de imprensa, que o Governo não tem um plano de atualização da CAV para o próximo ano (nem indica quando poderá haver essa atualização), continuando a contar com a subida do número de contadores de eletricidade. “Não temos plano de aumentar a taxa. O encargo em cima dos contribuintes (consumidores de eletricidade) não vai ser alterado no próximo ano”.

Para o ministro da tutela, a perda de quase 10% da receita anual do grupo RTP “é perfeitamente compaginável com ganhos de gestão dentro da empresa” que serão potenciados com um plano de rescisões amigáveis de até 250 trabalhadores também anunciado esta terça-feira.

Nicolau Santos explicou que a RTP precisa da autorização do acionista público para avançar com este plano de reestruturação que está a ser discutido com o Governo e que tem um custo estimado de 20 milhões de euros. Reconhecendo que “não coincidimos em todos os pontos” nessa discussão, o presidente da RTP defende a necessidade de uma maior autonomia de gestão e sublinhou que o conselho de administração se reserva o direito de não autorizar saídas que ponham em causa o desempenho de funções técnicas.

Saídas negociadas. Redução líquida do número de trabalhadores pode ser de 7%

Com um custo estimado de 20 milhões de euros, a que acresce uma perda de receita de publicidade que será entre seis a sete milhões de euros anualmente nos próximos três anos, a partir de 2025, Nicolau Santos manifestou alguma preocupação com a sustentabilidade da empresa. E, admitiu, a necessidade de recorrer a financiamento bancário para cobrir esse esforço financeiro a que se soma um plano de investimentos em modernização orçado em 17 milhões de euros. A RTP tinha no final de 2023 uma dívida bancária de 71,6 milhões de euros, incluindo os leasings de equipamento.

Nas explicações que deu aos jornalistas esta tarde, o ministro dos Assuntos Parlamentares deixou em aberto um modelo de compensação para financiar o custo com as saídas voluntárias, apesar de também manifestar a expectativa de que este plano se paga “a si próprio” ao fim de três anos. Foram estimadas poupanças de 6,3 milhões de euros por ano com a redução de efetivos.

Pedro Duarte clarificou ainda que o número de até 250 saídas é bruto, já que se prevê a possibilidade de haver uma contratação por cada duas saídas, o que daria uma redução líquida do número de efetivos de 125. Este número corresponde a 7% do número de efetivos do grupo no final do ano passado. O ministro não indicou a data para implementar este plano.

A ideia é que haja saídas voluntárias de trabalhadores mais velhos com negociação de pré-reformas com o objetivo de rejuvenescer o quadro e alterar as competências contratando pessoas que querem trabalhar no digital, explicou o presidente da RTP. Nicolau Santos sinalizou ainda que está a ser reavaliado em baixa o número atual de canais do grupo — 8 de televisão e 7 de rádio — no quadro da revisão do contrato de concessão, não concretizando.

Nicolau Santos diz que perda de relevância da RTP e serviço público fraco é uma perda para a democracia

LUSA

As explicações foram dadas num debate promovido pela Plataforma dos Media Privados que juntou responsáveis dos principais grupos de comunicação social em Portugal — Impresa (dona da SIC e Expresso), Media Capital (dona da TVI e CNN), Medialivre (dona do Correio da Manha e da CMTV), Renascença Multimedia e Público.

Referindo que se tinha preparado com “luvas de boxe” para um debate que ia ser uma “animação”, Nicolau Santos não deixou de fazer a defesa da estação pública, desvalorizando o impacto da receita publicitária da RTP no contexto do mercado. E quando alguns operadores privados questionaram se o fim da publicidade no canal público se limitava à televisão generalista ou abrangia os meios digitais, respondeu com a pergunta: “Querem também cortar as pernas à RTP no digital?”

Segundo Nicolau Santos, as receitas no digital valem apenas 1,3 milhões de euros por ano de um mercado que excluindo os gigantes Google e Meta (dona do Facebook) vale 176 milhões de euros. “Não é isto que vai afetar os privados no digital”, defendeu. Nomeado em 2021 para presidente do conselho de administração da RTP, Nicolau Santos, que à data era jornalista e presidente da Lusa, foi em março reconduzido no cargo pelo conselho geral e independente até 2026.

Muito mais do que disputar uma fatia cada vez mais pequena do mercado — o mercado de publicidade na televisão valia 500 milhões de euros há 15 anos e agora vale 200 milhões de euros, sendo 10% da RTP — “devemos entender que a saída da RTP do mercado não vale a pena pelos números”. E para os privados aproveitarem essa margem, será necessário que o Governo autorize a subida do atual limite por hora de 12 minutos de publicidade, o dobro do que é atualmente autorizado à RTP.

Apesar de reconhecer que o fim da publicidade nas estações públicas é uma tendência europeia, o gestor elencou vários exemplos de países europeus — Áustria, Bélgica, Itália e Irlanda — onde os canais do Estado contam com essa receita.

Avisa que há uma ameaça maior do que a publicidade, apontando na direção das plataformas internacionais que estão a entrar no negócio da distribuição de grandes eventos desportivos e musicais que era um reduto das televisões tradicionais. E deixa um alerta: a empresa pública “tem servido de lebre e estabilizadora” e uma “perda de relevância da RTP e um serviço público mais fraco é uma perda para a democracia”. Considerando ainda que o argumento dos privados de que também prestam serviço público não é comparável às obrigações concretas que estão estabelecidas no contrato da RTP.

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