Rui Rio chega ao seu terceiro congresso como presidente do PSD depois de uma vitória contra quase todas as expectativas frente a Paulo Rangel e a poucas semanas de enfrentar António Costa nas segundas eleições legislativas. Reforçado e galvanizado pelas eleições internas, o líder social-democrata deve aproveitar a reunião magna do partido para aumentar a marcação cerrada aos socialistas. Mas dificilmente será ele o único protagonista.

Apesar da derrota difícil de digerir, Paulo Rangel já anunciou que vai ao congresso discursar e, apesar dos naturais incentivos à união do partido, pode não resistir a tentar condicionar Rui Rio. Dos escombros das diretas, duas figuras tentam refazer os exércitos para se mobilizarem para o futuro pós-rioísmo: Miguel Pinto Luz e Luís Montenegro. Quem é quem no 39º Congresso do PSD?

Rui Rio

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Pedro Santana Lopes. Luís Montenegro. Paulo Rangel. Um, dois, três. Rui Rio chega ao 39.º Congresso do PSD depois de derrotar três adversários diretos jogando quase sempre contras as expectativas que existiam, depois de ter batido todos os recordes como o líder há mais tempo à frente do partido estando na oposição e depois de ter conseguido inverter aparentemente um ciclo de maus resultados eleitorais com umas autárquicas que podem ter relançado o partido e que deixaram o PS quase em estado de choque.

A pouco mais de um mês das eleições legislativas, Rio está, por tudo isto, mais sólido do que alguma vez esteve na liderança do PSD. E está também no seu melhor momento interno e externo para tentar derrotar António Costa. Sem sombra de oposição interna, com as sondagens a mostrarem uma aproximação aos socialistas, o líder do PSD vai tentar aproveitar o congresso – congresso que não queria depois de umas eleições internas que tentou travar – para tentar alimentar o ciclo ascendente.

A vitória frente a Paulo Rangel tem ainda outra particularidade: pela primeira vez desde que é líder do PSD, Rui Rio enfrenta um congresso sem que a oposição interna esteja devidamente organizada e mobilizada em torno de uma figura unânime. Quando derrotou Santana Lopes, Montenegro era o fantasma; quando derrotou Montenegro, Rangel tinha a aura do senhor que se ia seguir. Agora não existe um nome óbvio para fazer sombra Rio, ainda que Montenegro e Pinto Luz sejam sempre nomes a considerar para o futuro do partido. E até o facto de as eleições internas terem acontecido em novembro constitui uma vantagem para Rio: a menos que aconteça uma hecatombe nas legislativas, é ele quem tem a chave do calendário e será ele o líder do PSD no próximo biénio.

Salvador Malheiro

Se Rui Rio foi reeleito presidente do PSD deve-o, em parte, a Salvador Malheiro. Quando o próprio líder duvidava, o seu diretor de campanha fez contas, desdobrou-se contactos e acreditou que era possível. Malheiro vê no cacique uma palavra bonita, encara-o com naturalidade e como uma forma de aproximar o povo do partido. Tem tido sucesso.

Malheiro chega a este congresso como o  ‘homem do aparelho’ do PSD, com uma diferença para outros (como Miguel Relvas ou Marco António Costa) no passado: teve uma ascensão meteórica e fê-lo com pouca rede, que outros tinham dos tempos da “jota”. É militante apenas desde 2004.

Se Paulo Rangel tinha líderes distritais e grandes angariadores de votos, Salvador Malheiro soube onde furar, em que cavalos apostar e levou a melhor. Como diretor de campanha conseguiu ter importantes caciques do seu lado e convencer os militantes que os maiores caciques estavam com o adversário de Rio.

A primeira manifestação de força de Salvador Malheiro esteve na formação das listas de deputados: foram dele muitas das decisões (de vetos, promoções e despromoções de lugares) e conseguiu colocar os seus mais próximos em lugares elegíveis. Sempre com a bênção de Rio, claro.

Salvador Malheiro terá um papel fundamental na negociação das listas do Conselho Nacional e não deve ser subestimado nessa tarefa. O autarca de Ovar tudo fará para Rio ter uma maioria de apoiantes no órgão máximo entre congressos, mesmo que a tarefa seja difícil.

Perante tudo isto, Rio deve mantê-lo como vice-presidente e Salvador Malheiro pode escolher aquilo que quiser ser. Se Rio conseguir chegar ao Governo, o autarca é forte candidato a ministro do Ambiente. Há um sonho antigo de ser eurodeputado. Não é nada que Rio lhe negue daqui a dois anos se ainda for líder. Mais influente que Salvador, neste momento, no PSD, só há uma pessoa: Rui Rio.

André Coelho Lima

André Coelho Lima só chegou à direção de Rio no último mandato, mas desde então não parou de ganhar peso e, acima de tudo, espaço mediático. Se nos mandatos anteriores, David Justino era o vice-presidente chamado para tudo quanto era intervenção televisiva, Coelho Lima foi ganhando esse lugar. Justino continua a ser o senhor educação e muito solicitado, mas  – acima de tudo pela falta de comparência de Morais Sarmento –, Coelho Lima vai-se afirmando como mais um “vice” político, que significa que pode comentar transversalmente todos os assuntos.

Mesmo que seja daqui a muitos anos, Rui Rio sairá um dia da liderança do PSD. E já fez saber que gostaria de preparar caminho para um sucessor, embora essa seja uma prática no PSD que não correu bem quando a tentaram executar (o caso Cavaco-Nogueira). André Coelho Lima – se continuar com esta evolução – pode afirmar-se como hipótese para o pós-Rio. Até já irrita António Costa em debates quinzenais. “Coelho Lima, não é?”, perguntou o primeiro-ministro. Para já, o vice-presidente ainda precisa de legenda, mas é uma estrela em ascensão no partido. Deverá fazer valer isso na intervenção que fará no Congresso.

Carlos Eduardo Reis

O homem que jogou sempre nos bastidores tem agora o holofote apontado. Carlos Eduardo Reis, deputado e vereador em Barcelos, tem vindo a ganhar crescente protagonismo no PSD. Mantendo a prática de organizar listas alternativas ao Conselho Nacional, já em 2019 tinha sido decisivo a travar a tentativa de impeachment organizada por Luís Montenegro e assegurar a sobrevivência de Rui Rio. Desde aí, a sua influência continuou a aumentar.

Nas autárquicas, com a bênção da direção nacional, impôs-se às estruturas locais (derrotando Paulo Cunha, homem forte de Montenegro e líder do PSD/Braga) e orquestrou uma solução que permitiu conquistar a Câmara de Barcelos ao PS. Nestas eleições internas, escolheu em definitivo o lado do líder e desempenhou um papel importante na vitória de Rio – Rio teve quase mais 300 votos do que Rangel no concelho de Barcelos.

Tudo somado, Carlos Eduardo Reis chega a este 39º Congresso do PSD como uma voz a ter em conta nos equilíbrios internos do PSD. Ainda se especulou que pudesse vir a integrar a direção de Rio, mas o líder do partido pode ter outros planos para ele. O que é certo é que o presente e o futuro do partido também passam por ele.

Luís Montenegro

Luís Montenegro afastou-se de Paulo Rangel durante as diretas e beneficiou indiretamente da derrota do eurodeputado. Mesmo tendo saído de cena – deixando que os seus apoiantes se posicionassem ao lado de Rangel – Montenegro nunca apareceu ao lado do eurodeputado. Alguns dos seus mais próximos, como é o caso de Pinto Moreira, foi até colocado nas listas de deputados pela estrutura de Rio, o que adensou as suspeitas, dos apoiantes de Paulo Rangel, de que houve um golpe dos montenegristas nas diretas.

Com Rangel a sair de cena e Carlos Moedas entretido com a câmara de Lisboa, Luís Montenegro aparece quase como o único potencial candidato à sucessão de Rui Rio. Se as legislativas correrem mal para Rui Rio e o presidente do PSD, Montenegro tem uma oportunidade de ouro para ganhar ao partido. É também por isso que não deixará de marcar posição no Congresso.

Por outro lado, o antigo líder parlamentar não tem grande margem para criticar Rui Rio, pois isso poderia ser mal visto no partido tendo em conta a proximidade do período eleitoral. Montenegro chega a este Congresso melhor do que o anterior (em que era o grande derrotado), embora o tamanho da sua travessia (para voltar a tentar liderar partido) dependa do sucesso de Rui Rio.

Miguel Pinto Luz

Começou como grande aliado de Paulo Rangel nas diretas e foi perdendo espaço e visibilidade ao longo do caminho. Depois dos cerca de 10% conseguidos há dois anos, Miguel Pinto Luz abdicou de uma nova candidatura à liderança do PSD em prol de Paulo Rangel e na expectativa de ser vice-presidente com influência nos destinos do partido. Por isso, a derrota contra Rui Rio também é, em parte, dele.

Acontece que, apesar do resultado nas eleições internas, Pinto Luz conseguiu manter mais ou menos intacta a sua base de apoio e até alargá-la. Ao contrário do que aconteceu com as tropas de Luís Montenegro, Rangel conseguiu bons resultados nos terrenos que herdara de Pinto Luz, o que pode ser um indicativo de alguma força do vice da Câmara de Cascais no aparelho social-democrata.

Pinto Luz vai fazer prova de vida no Congresso, e além de estar a preparar um discurso, vai encabeçar uma lista ao Conselho Nacional do PSD. Um bom resultado pode manter a chama acesa e consolidar a imagem do número dois de Carlos Carreiras como uma figura a considerar para o futuro pós-Rio.

Carlos Moedas

Com Paulo Rangel fora da corrida de umas eleições internas que o deixaram quase ferido de morte, Carlos Moedas é o quadro do PSD que hoje reúne melhores condições para vir a suceder a Rui Rio. A vitória contra todas as expectativas na corrida à Câmara Municipal de Lisboa fizeram do antigo comissário – um quadro do passismo, respeitado internamente, mas com pouca ou nenhuma projeção nacional – uma figura em verdadeira ascensão no PSD.

Sendo uma persona sem grandes anticorpos no interior do partido, o facto de ter aproveitado a reta final da campanha interna para se associar a Paulo Rangel pode ter sido um passo em falso para Moedas, que terá desbaratado o fator neutralidade que vinha gozando desde que foi escolhido como candidato a Lisboa.

Agora, resta saber o que pretenderá fazer Moedas: ou aproveita este congresso para fazer valer o capital político que conquistou com a vitória na Câmara de Lisboa e marca desde já terreno para o futuro pós-Rio; ou regressa à base e ensaia um discurso conciliador e de apelo à união em torno de Rio. O discurso que fizer quando subir ao palco servirá de barómetro às verdadeiras intenções de Carlos Moedas.

Seja como for, à partida para a reunião magna da família social-democrata, não há ninguém em melhores condições de desenhar um claro caderno de encargos a Rui Rio e pressionar o líder social-democrata. Resta saber se Moedas dará ou não esse passo.

Nuno Morais Sarmento

Era, além de vice-presidente de Rui Rio, uma das vozes mais respeitadas na direção do PSD. Nos últimos meses, as ausências foram-se somando e o distanciamento foi crescendo. Mas a rutura deu-se formalmente quando Nuno Morais Sarmento decidiu dar uma entrevista à SIC onde não só disse que não mais seria dirigente do partido como revelou que não apoiaria qualquer candidato nas diretas do PSD.

As declarações de Morais Sarmento caíram com estrondo no núcleo duro de Rio, que considerou o apoio implícito a Paulo Rangel uma forma de deslealdade. Apesar de tudo, Rui Rio acabou por vencer as diretas e Morais Sarmento ficou, inevitavelmente, na fotografia de família dos derrotados.

Ainda assim, mesmo autoexcluído da vice-presidência do partido, Rio voltou a apostar nele como presidente ao Conselho de Jurisdição do PSD. O antigo ministro já anunciou que vai ao congresso e que pretende discursar. Apesar do cargo institucional a que vai concorrer, é possível que aproveite a intervenção no palco para tentar condicionar a estratégia de Rui Rio e definir linhas orientadoras.

Paulo Rangel

Paulo Rangel perdeu e este é o Congresso em que tem de reconhecer que a estratégia de Rui Rio foi melhor. Se quiser ajudar o partido – e manter a postura de militante disciplinado como sempre garantiu ser – tem de aplicar a estratégia do atual líder, com a qual discorda. O eurodeputado recusa-se a fazer uma política de confrontação no Congresso e não integrará nem apoiará nenhuma lista ao Conselho Nacional, mas isso irá retirar-lhe palco mediático. Alguns dos seus apoiantes vão entrar em negociações de bastidores, mas Rangel fez questão de se afastar até para não ser associado a derrotas ou vitórias desta ou daquela lista.

Rangel também está em parte condenado a este afastamento da mercearia partidária, mesmo que quisesse (e não quer) entrar na discussão de lugares. Isto porque não há propriamente muitos rangelistas, mas antes uma frente anti-Rio que acabou por se dissolver no dia seguinte às eleições. Metade do partido votou nele, mas uma boa parte desse partido não conta voltar a apoiá-lo.

Rangel tem sido um pouco a alma dos congressos (desde que Santana deixou de aparecer são dele alguns dos discursos mais empolgantes), mas chega ao órgão máximo mais fragilizado do que nunca. Se há um mês sonhava ser líder do partido e primeiro-ministro de Portugal, resta-lhe cumprir o mandato de Bruxelas.