Não foi fácil, nem foi unânime. A Igreja Católica em Portugal acabou por decidir apoiar um referendo à despenalização da eutanásia, mas os bispos portugueses só o fizeram por uma razão: o referendo é mesmo o último recurso à disposição de quem se opõe à eutanásia e ao suicídio assistido, cuja despenalização é votada na próxima semana na Assembleia da República.
Perante a mais que provável aprovação dos projetos de lei, a Igreja Católica anunciou esta terça-feira o seu posicionamento a favor de um referendo, mesmo sabendo que isso implica associar-se a uma ala mais conservadora e tradicionalista com a qual a hierarquia católica tem procurado não se confundir — e propor um referendo sobre um assunto que, historicamente, a Igreja tem classificado como não referendável.
“A vida humana nunca é referendável”, afirmava explicitamente na semana passada o bispo do Porto, D. Manuel Linda. “Eticamente”, acrescentava, “mesmo que a totalidade da população aprovasse uma técnica de morte, esta seria sempre deplorável”. Porém, o bispo deixava já antever aquilo que poderia ser a posição oficial da Igreja Católica portuguesa: “Mais deplorável seria se 150 ou 200 pessoas impusessem os seus critérios a largos milhões de cidadãos”.
O tiro era numericamente certeiro. Os “150 ou 200” a que se refere são os deputados que, muito provavelmente, deverão aprovar em breve a despenalização da eutanásia: mesmo estando em cima da mesa cinco projetos de lei com diferenças entre eles, existe atualmente no Parlamento uma maioria a favor da despenalização.
Um eventual referendo, ainda que seja uma possibilidade remota, afigura-se como a única forma de adiar — e, eventualmente, reverter — esta despenalização. No comunicado divulgado esta terça-feira pela Conferência Episcopal Portuguesa, os bispos dizem acompanhar e apoiar “as iniciativas em curso contra a despenalização da eutanásia, nomeadamente a realização de um referendo”, deixando claro que interpretam o referendo não como uma consulta popular mas como uma forma de combate à despenalização.
No entanto, para que o referendo seja sequer equacionado pela Assembleia da República, a iniciativa popular posta em marcha pela Federação Portuguesa pela Vida tem de recolher pelo menos 60 mil assinaturas. Depois, é preciso que o Parlamento aprove a realização do referendo — o que, tendo em que conta que será a mesma maioria pró-despenalização a votar essa decisão, também parece improvável. No fim de tudo, caso haja um referendo, não é certo que ganhe o chumbo à eutanásia.
A Igreja sabe-o e está consciente do risco que corre. Se houver uma consulta popular e o resultado for o apoio à despenalização, os bispos já não poderão recorrer ao argumento que usaram nesta terça-feira: o de que não se pode legislar sobre esta matéria sem ouvir o povo. Ainda assim, como garantem vários bispos e responsáveis católicos ao Observador, se isso acontecer, a Igreja vai continuar a lutar contra a eutanásia — mesmo que fique desprovida de armas para o fazer.
Para já, impera nos meios católicos a esperança de que de um referendo resulte uma rejeição da eutanásia. Por isso, todos os esforços da Igreja estão empenhados na divulgação da iniciativa de referendo e na recolha de assinaturas. As centenas de missas celebradas diariamente no país deverão ser o principal palco desta campanha: com homilias dedicadas ao assunto e recolhas de assinaturas à porta das igrejas.
“Um mal necessário”
Poucos minutos depois do anúncio da Conferência Episcopal de que apoiaria uma iniciativa de referendo, o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, descrevia ao Observador o verdadeiro sentimento dentro da Igreja Católica a propósito do assunto: “Os nossos sacerdotes sabem qual é o nosso pensamento, em que efetivamente somos contra a eutanásia. Também contra o referendo, embora aceitemos o referendo como mal necessário”.
O entendimento de que a Igreja Católica se deveria associar à iniciativa de referendo promovida pela Federação Portuguesa pela Vida, cedendo ao tal “mal necessário”, não é unânime dentro da estrutura da Igreja em Portugal.
Fontes da estrutura da Igreja ouvidas pelo Observador apontam para a existência de visões distintas. Há quem pense que um referendo é a última arma legal a que a Igreja poderia recorrer, não havendo nada a fazer além disso; e quem considere que esta posição não devia ter sido tomada antes de Marcelo Rebelo de Sousa se pronunciar sobre o assunto — uma vez que o Presidente da República e o Tribunal Constitucional ainda poderiam colocar em causa alguns aspetos da legislação.
Num aspeto concordam as fontes ouvidas pelo Observador: o apoio ao referendo é essencialmente estratégico e instrumental, e a decisão não teria sido tomada pela cúpula da Igreja Católica se os bispos não tivessem chegado à conclusão de que a luta está praticamente perdida.
O próprio porta-voz da Conferência Episcopal, padre Manuel Barbosa, assumiu isso mesmo ao Observador, após o anúncio oficial. “A vida não é referendável. Todos estamos de acordo com isso. [O referendo] trata-se de uma iniciativa no sentido de impedir a legalização da eutanásia. Esperemos que essa decisão não seja tomada pela Assembleia da República. Mas sabemos qual é o universo da Assembleia da República. Isso é óbvio, nem é preciso fazer muitas contas. Esperamos é que pela parte dos representantes do povo na Assembleia da República haja a disponibilidade para escutar as vozes da sociedade”, afirmou o porta-voz dos bispos.
O apoio ao referendo surge, portanto, enquadrado com “os objetivos da defesa da vida” da Igreja Católica, acrescentou Manuel Barbosa.
As ideias da Igreja Católica sobre a eutanásia — e sobre outras questões relacionadas com a vida, como o aborto — são conhecidas. Ainda esta terça-feira, os bispos recordavam, no comunicado em que anunciavam o apoio formal ao referendo, uma nota pastoral publicada em 2016, onde a liderança católica portuguesa defendia que “o homicídio não deixa de ser homicídio por ser consentido pela vítima”.
“Para os crentes, a vida não é um objeto de que se possa dispor arbitrariamente, é um dom de Deus e uma missão a cumprir”, resumiam os bispos portugueses nesse documento, encerrando definitivamente o pensamento da Igreja sobre o assunto.
Em 2018, da última vez que a possibilidade de despenalização da eutanásia foi levada ao Parlamento, a Igreja Católica assumiu-se como uma das principais vozes de contestação, tendo na altura distribuído 1,5 milhões de panfletos contra a eutanásia por todo o país.
Iniciativa dos conservadores
Desta vez, a iniciativa popular de referendo foi lançada oficialmente a 7 de fevereiro, com o objetivo de recolher as 60 mil assinaturas necessárias para que seja discutida na Assembleia da República.
Embora a petição tenha como mandatários nomes como Ramalho Eanes, Manuela Ferreira Leite ou Isabel Galriça Neto, o abaixo-assinado foi iniciado e promovido pela Federação Portuguesa pela Vida (FPV), uma instituição fundada em 2002 que reúne várias associações e movimentos portugueses que defendem a vida humana “desde o momento da concepção até à morte natural” — e que tem sido a força motriz da contestação em temas como a eutanásia e o aborto em Portugal.
Segundo explicou ao Observador o secretário da FPV, José Maria Seabra Duque, “embora haja um movimento mais amplo, quem deu o pontapé de saída [para o referendo] foi a FPV, que o anunciou na Caminhada pela Vida, em outubro”.
Nos últimos meses, os responsáveis da federação desdobraram-se em contactos para blindar a petição do ponto de vista jurídico e para lhe dar credibilidade com assinaturas de peso. “Como deve imaginar, reunir aqueles 101 mandatários não é fácil”, admite Seabra Duque. Ao mesmo tempo, a “pergunta passou por professores de Direito, um antigo conselheiro do Tribunal Constitucional, andou para trás e para a frente, para termos a certeza de que chegando lá está em condições de ser aprovada”.
No final, os responsáveis da FPV chegaram à pergunta que pretendem ver referendada: “Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?”
A Federação Portuguesa pela Vida apresenta-se como um movimento cívico não religioso, embora a organização esteja intimamente ligada à ala mais conservadora da Igreja Católica portuguesa. José Maria Seabra Duque vê aqui apenas “uma convergência natural” entre os interesses da FPV e os da Igreja.
“Entre aqueles que defendem a vida, encontramos muitos católicos. Eu próprio sou católico. Aqui, há uma convergência grande com a Igreja Católica”, afirma o responsável da organização, sublinhando que a FPV “é uma associação da sociedade civil que tem católicos e não católicos”. Relativamente ao referendo da eutanásia, “é uma questão que, evidentemente, interessa à Igreja Católica, mas que vai além dela”.
“Nós não perguntámos a nenhum dos mandatários qual é a sua fé. A de alguns é pública, mas não perguntamos. Não é um assunto. É uma iniciativa da sociedade civil”, afirma Seabra Duque, que é também um dos mandatários do referendo.
Essa convergência de ideias traduz-se, depois, numa grande sobreposição entre aquilo que são os meios católicos — sobretudo os mais conservadores e tradicionais — e as iniciativas organizadas pela FPV, onde é habitualmente possível ver, em massa, grandes grupos de jovens católicos, de escolas da Igreja e membros do clero.
Dentro da estrutura católica portuguesa — genericamente alinhada pelo lado mais progressista e pró-Papa Francisco —, esta grande proximidade entre a FPV e o setor mais conservador da Igreja é bem conhecida. Tanto que, como percebeu o Observador junto de fontes da estrutura eclesiástica, muitos bispos portugueses não estariam propriamente interessados em ficar conotados com este grupo.
Este sentimento ter-se-á aprofundado na sequência da polémica à volta de uma publicação feita pela FPV em maio do ano passado, durante a campanha para as eleições europeias, na qual explicava as posições dos vários partidos sobre temas como a eutanásia, o aborto, a liberdade de educação (na sequência da questão dos contratos de associação), a “ideologia de género”, as barrigas de aluguer ou a prostituição. A tabela concluía que apenas o CDS, o Basta e o Nós Cidadãos seriam escolhas adequadas para que se definisse como “pró-vida”.
Aquela publicação ganhou grande destaque por ter sido partilhada no Facebook pelo Patriarcado de Lisboa, numa ação que foi interpretada como um apelo ao voto por parte da Igreja Católica naqueles partidos. A polémica atingiu tal dimensão que o Patriarcado de Lisboa acabaria por admitir que a partilha tinha sido “uma imprudência” e por retirar a publicação do Facebook. Desde esse momento, tem imperado a cautela na relação entre a hierarquia da Igreja Católica e a FPV.
Patriarcado de Lisboa partilha publicação que apela ao voto no CDS e no Basta
Não é, portanto, de estranhar que todos os bispos contactados pelo Observador se tenham preferido distanciar do movimento que está a promover o referendo, afirmando que não têm tido contactos com a FPV e que se vão limitar a permitir que movimentos de leigos que tenham vontade de colaborar no processo possam recolher assinaturas para a petição nas missas. Outras iniciativas levadas a cabo pelas dioceses não terão qualquer relação com a FPV.
O próprio porta-voz dos bispos portugueses, padre Manuel Barbosa, assinalou que não houve nenhum contacto para combinar o apoio da estrutura da Igreja ao referendo proposto pela FPV. “O Conselho Permanente [da Conferência Episcopal Portuguesa] é autónomo. Não foi combinado. Lê-se a realidade”, destacou o padre ao Observador.
“Eles tomaram as suas posições e nós estamos em sintonia com estas formas de luta. Eles estão a promover o referendo, e portanto há uma cooperação, há um acompanhamento, um apoio dessa forma”, acrescentou Manuel Barbosa, não fechando a porta ao diálogo, mas destacando a autonomia da Igreja Católica.
Até olhando à lista de mandatários da iniciativa de referendo é possível entender o mesmo. Nenhum bispo assina a carta — e o único membro do clero católico entre os 101 mandatários é o padre e teólogo Anselmo Borges, uma das vozes mais desalinhadas da hierarquia católica portuguesa.
Recolha de assinaturas à porta da igreja
Na conferência de imprensa em que anunciou o apoio da Igreja à iniciativa de referendo, o padre Manuel Barbosa não especificou de que forma é que a Igreja se iria mobilizar no sentido de ajudar à recolha de assinaturas e à sensibilização para o tema. “Cada diocese verá a forma concreta”, disse aos jornalistas.
“Não houve nenhuma orientação específica. Já estão a fazer iniciativas em muitos sítios. Se há um incentivo a participar em várias formas de luta, depois cada diocese, naturalmente, terá nas suas igrejas, noutros espaços, lugares para se poder recolher assinaturas. Cada um fará como entender, nem se podia esperar que disséssemos ‘façam isto’ ou ‘façam aquilo’”, detalhou depois Manuel Barbosa ao Observador.
A diocese de Aveiro, por exemplo, vai colaborar “através das paróquias”, explicou o bispo D. António Moiteiro Ramos. “Estamos a promover a recolha de assinaturas no final das missas, porque achamos que o referendo é válido”, afirmou o bispo ao Observador, salientando que tudo está a ser feito de forma “autónoma” através dos movimentos de leigos instalados em cada paróquia.
“Não tendo o assunto aparecido nas propostas eleitorais dos partidos, agora como é que se vai legislar sobre isto?”, pergunta D. António Moiteiro Ramos. “A legislação sobre a vida implica que não sejam poucos a decidir sobre muitos. Daqui a pouco, caímos em extremos.”
Mais a norte, na arquidiocese de Braga, o arcebispo D. Jorge Ortiga explicou não ter dado orientações concretas aos seus padres sobre como devem proceder — e também optou por sublinhar a autonomia da iniciativa da FPV. “Sabemos que é um movimento civil e que a partir dos movimentos da Igreja está a recolher assinaturas para pedir um referendo”, afirmou o arcebispo.
E é possível haver recolha de assinaturas nas igrejas de Braga? “Pode acontecer”, admite D. Jorge Ortiga, salientando que isso é o papel dos leigos e que a diocese não o irá impedir. “Em todas as dioceses, temos pessoas e associações que há muito tempo e de formas variadíssimas defendem a vida. São essas pessoas, são leigos, uns cristãos, outros não cristãos, que são os verdadeiros protagonistas.”
No Alentejo, na arquidiocese de Évora, a filosofia será a mesma. Se houver movimentos de leigos que estejam ligados à FPV ou queiram contribuir na recolha de assinaturas para o referendo, “pois façam, que o arcebispo apoia”, afirmou ao Observador o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho.
“A comunidade cristã de Évora tem maturidade suficiente para desenvolver essas atividades”, sublinhou, acrescentando que a única ação que será tomada a nível central é uma missa pela vida, que será celebrada ao fim da tarde do dia 19 de fevereiro, véspera da votação da despenalização da eutanásia.
Fonte oficial do Patriarcado de Lisboa, a outra das três principais dioceses do país (a par de Braga e Évora), disse não haver ainda informações concretas sobre como este apoio se irá desenrolar nas igrejas da diocese de Lisboa.
Discurso anti-eutanásia já começou nos altares
Embora se venha mantendo quase sempre discreta no que toca à maioria dos assuntos, a Igreja Católica tem empenhado toda a sua influência política quando em discussão estão assuntos como a eutanásia, o aborto, a procriação medicamente assistida ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo — tudo situações condenadas pela doutrina católica.
Parte dessa influência política reside, naturalmente, em movimentos e associações de leigos que, tal como a Federação Portuguesa pela Vida, se empenham em organizar manifestações e petições, se multiplicam em entrevistas e intervenções públicas e usam todas as plataformas à sua disposição para difundir a mensagem da Igreja.
Mas, além de tudo isto, a Igreja Católica tem outra ferramenta poderosa à sua disposição: os altares de todo o país, onde todos os domingos se celebram milhares de missas.
Este ano, o discurso começou a mobilizar-se antes do anúncio formal de que a Igreja iria apoiar o referendo — e o esforço aprofundou-se no último fim de semana, depois de na sexta-feira a FPV anunciar o lançamento da iniciativa popular de referendo. Em poucos dias, praticamente todos os bispos portugueses se pronunciaram duramente contra a eutanásia.
Se é verdade que o tema já tem vindo a ser alvo de discussão pelos líderes católicos ao longo dos últimos meses — desde que se começou a perspetivar que a eutanásia seria um dos primeiros temas a surgir no Parlamento nesta legislatura —, pode dizer-se que foi o bispo do Porto, D. Manuel Linda, quem agora abriu o debate.
Na semana passada, numa altura em que no interior da Conferência Episcopal ainda se debatiam os prós e os contras de um possível apoio a um referendo, D. Manuel Linda disse abertamente, em declarações registadas pela Rádio Renascença, que o assunto devia ser submetido a “um amplo debate nacional, que não foi feito, e que não está a ser feito”. “Se não for de outra forma, é um referendo”, admitiu.
Seguir-se-iam várias posições de peso. O bispo auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, publicou dois dias depois uma carta aberta aos deputados em que defendia um rotundo não à eutanásia. “Não é lógico contrapor o valor da vida humana ao valor da liberdade e da autonomia (…) Não pode invocar-se a autonomia contra a vida, pois só é livre quem vive”, dizia o bispo.
O cardeal D. José Tolentino Mendonça, um dos nomes cimeiros da Igreja Católica portuguesa — atualmente bibliotecário do Papa Francisco e responsável pelos arquivos do Vaticano —, aproveitava a sua crónica semanal na revista do Expresso para apresentar “10 razões civis contra a eutanásia”.
No fim de semana, começaram a surgir as notícias com origem nas homilias das missas, com destaque para dois dos principais bispos portugueses. Em Braga, o arcebispo D. Jorge Ortiga apelava a uma mobilização de todos contra a eutanásia: “Não podemos permitir que alguns deputados queiram decidir por nós, quando não apresentaram o assunto da eutanásia nos seus programas eleitorais”. Em Lisboa, o cardeal-patriarca, D. Manuel Clemente, atualmente presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, classificava o apoio à eutanásia como uma “mentalidade suicida” capaz de criar uma sociedade “suicidária”.
O risco da derrota. “Hitler não ganhou eleições?”
Com os esforços da estrutura da Igreja Católica agora todos empenhados no apoio ao referendo, os bispos portugueses não esquecem o risco que correm se a consulta popular for para a frente e ganhar o apoio à despenalização da eutanásia e do suicídio assistido. Embora o referendo esteja a ser proposto pela ala que se opõe à legalização da prática, não é garantido qual será o resultado.
Diferentes fontes eclesiásticas ouvidas pelo Observador concordam que a Igreja Católica está a pôr as fichas todas neste referendo — e que, em caso de derrota, ficará sem armas argumentativas para se voltar a opor à despenalização com base na tese de que o povo português não foi consultado.
Oficialmente, a cúpula da Igreja não quer comprometer-se com o que fará nesse caso — que é apenas hipotético, uma vez que a realização do próprio referendo parece, para já, improvável. Mas há uma certeza: a doutrina católica não vai mudar um milímetro na sua posição face à eutanásia e a luta irá continuar. “Veremos”, resume o porta-voz dos bispos, padre Manuel Barbosa.
“É um passo de cada vez. Esperemos que haja o referendo, embora o quadro legislativo não seja favorável. Depois, esperamos que não haja a legalização da eutanásia. Se tivermos as assinaturas suficientes, esperamos que haja um acolhimento desta proposta. Quanto ao resultado, veremos. Mesmo que isso [uma derrota] aconteça, continuaremos a reafirmar, não só a Igreja, mas todas as religiões, que a vida é uma questão de humanidade”, disse o sacerdote, assumindo que, havendo a possibilidade de a questão ir a referendo, a Igreja tem de “apelar a toda a gente no sentido de que não aconteça uma despenalização”.
Quem não tem dúvidas de que a Igreja não pode recuar na sua posição contra a eutanásia mesmo que o referendo dê uma vitória à despenalização da prática é o bispo de Aveiro, D. António Moiteiro Ramos. Se isso acontecer, afirma o bispo, “a Igreja não perde nada, porque defende a vida, e a vida é uma questão civilizacional”. O que tem de fazer, acrescenta, é “continuar a anunciar os valores do Evangelho, que é aquilo que lhe pertence”. Até porque, sublinha, “a própria sociedade pode, maioritariamente, ter uma opção que, depois, pode não ser a mais adequada”. Um exemplo: “O Hitler não ganhou as eleições?”