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Retratos Improváveis: pequenos grandes atletas que correm pelo futuro

O projeto EDP Clube Runners, a decorrer desde abril de 2024 em dois bairros da periferia de Lisboa, já mostra resultados. O mais visível de todos? O entusiasmo dos jovens corredores.

São sete horas de uma tarde de outono na Rua das Mães de Água, uma espécie de largo central de um dos setores do Bairro do Zambujal, em Alfragide. Já falta pouco para que a luz do sol desapareça por completo, mas o ambiente fervilha. Dezenas de miúdos – rapazes e raparigas com idades entre os 8 e os 16 anos – vão-se juntando no largo, cheios de energia e de expectativa.

Dias depois, num fim de tarde semelhante, vive-se um ambiente idêntico no Polidesportivo das Águas Livres, na Cova da Moura. Também ali mais de duas dezenas de miúdos se reúnem, cheios de alegria e de antecipação pelo momento que se avizinha.

Em ambos os sítios, os miúdos brincam, pulam, correm, cantam, gritam. Aguardam com impaciência pelo início do treino de atletismo do EDP Clube Runners. Apresentado em março de 2024, na conferência de imprensa da EDP Meia-Maratona de Lisboa, e iniciado no mês seguinte, o EDP Clube Runners é um projeto que visa democratizar o acesso ao atletismo e às corridas profissionais a crianças e jovens de comunidades com vulnerabilidades socioeconómicas. Os bairros do Zambujal e da Cova da Moura, ambos no município da Amadora, são, para já, os dois onde o projeto foi implantado. No futuro, a EDP pretende alargar o projeto a outros bairros com características semelhantes, noutros pontos do País.

EDP Clube Runners

“Antes de a empresa ter avançado com a ideia, não existia nada, não havia equipa. Foi tudo criado do zero.” Quem o afirma é Martim Lomelino, da Social Innovation Sports, associação parceira na implementação e gestão do projeto. Martim Lomelino explica ainda como foi feito o recrutamento dos jovens para integrarem a equipa e como se estabeleceram pontes com as comunidades locais de modo que o projeto fosse bem-sucedido: “Foi identificado um líder em cada bairro com quem estabelecemos contacto, um elemento que se tornou um representante comunitário que faz a ligação com os habitantes locais. Além desse líder, em cada bairro existe ainda um monitor, que é também alguém ligado à comunidade. O papel do monitor passa por fazer a articulação com as associações locais e auxiliar no treino. Essas duas pessoas – o líder e o monitor -, juntamente com as associações locais, exercem um papel fundamental no recrutamento dos jovens. As associações locais, com o apoio de cartazes e folhetos produzidos pela EDP, divulgam o projeto nas comunidades. São também as associações que centralizam as inscrições dos jovens no clube. Há um trabalho de boca-a-boca e casa-a-casa por parte das pessoas que já estavam inseridas na comunidade e que nos ajudaram a recrutar os miúdos.”

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Depois de divulgado o projeto, surgem os treinos que chamam a atenção, atraindo cada vez mais crianças e jovens. Nem todos se tornam atletas regulares, mas a maioria experimenta e quer regressar. “No caso do Zambujal, os treinos são no meio do bairro, na rua. No Zambujal, a média de miúdos por treino é superior, mas o número de participantes regulares está ela por ela, entre um bairro e o outro [Cova da Moura]. Só que, como no Zambujal é no meio da rua, há sempre aqueles miúdos que aparecem, ‘hoje vou treinar’, porque acham engraçado. Na Cova [da Moura], como estamos aqui um bocadinho mais abaixo do bairro, só vem para aqui quem vem treinar.”

O EDP Clube Runners oferece aos jovens dois treinos semanais de preparação física, orientados por um treinador qualificado. Além da componente física, o projeto promove também a integração social, fortalecendo o sentido de comunidade entre os participantes. O objetivo é que estas equipas possam progressivamente começar a competir em provas oficiais como a EDP New Generation, uma prova para jovens que acontece duas vezes por ano, nos meses de março e outubro. Adicionalmente, a cada dois meses, é organizada uma saída do bairro, proporcionando experiências fora do contexto habitual dos jovens. Nos primeiros meses do projeto, foram realizados treinos especiais no Parque de Monsanto, no Pavilhão Multiusos do Estádio José Alvalade e no Centro de Alto Rendimento do Jamor.

Os protagonistas

Durante as sessões de treinos, conhecemos alguns dos jovens participantes, tanto do Zambujal como da Cova da Moura. Com ambições e motivações diferentes, mas com muito em comum entre si, a começar pelo entusiasmo que denotam em relação ao projeto, falaram-nos dos treinos, da escola e do que esperam do futuro.

Beatriz Pereira

10 anos, vive no Zambujal

Diz-se fã dos Calema e de Soraia Ramos, e sublinha que gosta de ouvir música em crioulo.

Vive no Bairro do Zambujal, está no quinto ano de escolaridade e frequenta os treinos do EDP Clube Runners, onde todos a conhecem. É efusiva, cheia de energia e uma ótima conversadora – tem um discurso escorreito e organizado capaz de fazer inveja a muitos mais velhos do que ela.

“Tive sempre boas notas, com certeza. Tenho sempre ‘bom’ ou ‘muito bom’. Só tive um ‘suficiente’”, conta, orgulhosa. Beatriz diz-se dividida quando fala do futuro. “Estou um bocadinho indecisa, mas quero ser tudo na vida, experimentar tudo. Gosto de música, queria ser cantora. E futebolista e atleta. Sei tocar música, tenho um instrumento em casa, um ukulele, e um piano, que é do meu irmão.”

Sobre o atletismo, diz que está no projeto porque quer ser atleta (entre outras coisas, claro). “E também porque faço muitos corta-matos. E a ideia de entrar no atletismo teve origem no meu tio. Foi ele que me incentivou a correr para ganhar medalhas e já ganhei uma. Uma medalha de ouro.” Beatriz espera, com a ajuda dos treinadores Carlos Silva e Rui Corvelo, “melhorar os desempenhos”. Além dos treinadores, menciona a importância destes treinos: “A equipa dá-nos todo o tipo de apoio ao nível dos equipamentos. Dá-nos sapatos de corrida, t-shirts, entre outras coisas”.

Rute Leite

13 anos, vive na Cova da Moura

Rute afirma que fazer parte da equipa a tem “ajudado a fazer amigos”

Começou a treinar depois de ter visto um anúncio a dizer “Corre”, num cartaz na Associação Moinho da Juventude, na Cova da Moura. Rute vive ali, mas só recentemente se mudou para o bairro.

“Como sempre gostei muito de corridas, decidi participar. Fazer parte da equipa tem-me ajudado muito a conhecer novas pessoas, a fazer amigos. Estou a gostar muito.” Já disputou algumas provas e os resultados “têm sido bons”. “Nos treinos, o que eu mais gosto de fazer é salto em altura e lançamento. Os treinos têm-me ajudado principalmente a descobrir coisas novas e a aprender como se faz certas coisas. Por exemplo, a fazer o salto em altura. Aprendemos a técnica para saltar. Aprendemos várias técnicas, ganhamos velocidade. Os treinadores explicam-nos como devemos mover o corpo”.

Rute destaca o papel da treinadora, Ana Silva, e do monitor, Carlos Borges. “Eu era um pouco lenta. Desde que comecei a treinar aqui, tenho conseguido desenvolver muito mais as minhas aptidões a partir do que a professora explicou como fazer.” Sobre o futuro, ainda não sabe muito bem o que quer fazer. “Não sei se gostava de ser atleta, mas é possível. Talvez sim. A minha paixão pelo atletismo está a despertar”.

Janira Có

12 anos, sempre viveu na Cova da Moura

Janira Có está no 6.º ano e equilibra-se entre “notas boas e outras menos boas”
Marisa Cardoso

Janira é um verdadeiro vendaval. “Eu quero ser atleta, quero correr. Vou fazer treinos como vejo todo o mundo a fazer na rua, a correr. Além do atletismo, também gosto de futebol. Gosto do Benfica. O meu jogador favorito é o João Neves. Também jogo futebol na escola. E jogo bem.” É imparável!

“Desde que soube que havia treinos que eu quis fazer atletismo. Gosto sobretudo dos exercícios, até dos de aquecimento, de correr de lado, de saltar, de correr. Em competição, prefiro provas de velocidade ou então corta-mato.” Diz que os resultados em prova têm sido “mais ou menos”, mas, entretanto, percebemos que já ganhou provas.

Não será uma aluna exemplar, segundo a própria descrição, mas cumpre: está no 6.º ano e equilibra-se entre “notas boas e outras menos boas”. “A Ciências sou boa, a História e Geografia sou muito boa.” “Mas”, acrescenta (porque há sempre um “mas”), “na verdade, só gosto de atletismo. A única coisa em que eu penso é na aula de Educação Física. Quer dizer, também gosto de inglês. Não falo muito, falo só um pouco nas aulas. Estudo para falar mais.” Não vai ser fácil pará-la.

Kelson Gonçalves

13 anos, e vive no Zambujal

Kelson conta que os primos lhe chamavam lento, mas agora é “mais rápido do que todos eles”

É um rapaz pacato, reservado, quase tímido. Na escola, frequenta o 8.º ano e diz, com modéstia, que é bom aluno. É pontual e cumpridor, foi o primeiro a chegar ao local do treino. E chegou sorridente, cheio de entusiasmo. “Gosto de vir aos treinos”, diz. “Para mim, é divertido vir treinar. Gosto de Educação Física, gosto de correr. E gosto de treinar porque os treinos me ajudam a fazer coisas, que não conseguia fazer antes.”

Kelson explica como os treinos com a equipa o têm ajudado a fazer progressos na corrida. “Eu antes não era um bom corredor, corria mal. Até os meus primos brincavam comigo, chamavam-me lento. Mas agora sou mais rápido do que todos eles”.

O entusiasmo que hoje denota, contudo, não existiu sempre. “Ao início, eu não estava muito interessado em participar nos treinos de atletismo, mas depois o meu tio aconselhou-me a vir, porque achava que eu era rápido e que podia melhorar começando a treinar.” O primeiro treino mudou tudo. E os resultados surgiram naturalmente.

“Com a equipa EDP Clube Runners, já participei na ‘maratona’ [EDP New Generation]. Correu bem, fiquei bem classificado, nos dez primeiros. Foi um bom resultado.” Além da evolução que sentiu depois de começar a treinar, Kelson descobriu também que “as corridas de velocidade” são as suas preferidas.

Kelly Vaz

11 anos, vive no Zambujal

Quando for grande, não tem dúvidas: quer ser polícia

O seu sonho não é o mais comum: Kelly Vaz quer ser polícia. Tem 11 anos, frequenta o 6.º ano de escolaridade, tira boas notas, vive no Zambujal. Juntou-se à equipa do EDP Clube Runners porque gosta de atletismo.

Está contente com a decisão porque, como diz, a tem “ajudado muito”. “Desde que começámos a treinar, consigo correr mais rápido, aprendi muitas coisas novas. Os nossos ‘professores’ [os treinadores] ensinam-nos a fazer muitas coisas, como os sprints e outras coisas técnicas. Explicam-nos tudo o que devemos fazer.”

Além das aptidões que foi desenvolvendo desde que entrou na equipa, há outros apoios relevantes que faz questão de destacar. “A equipa dá-nos todos os equipamentos, temos ténis, temos t-shirts.” Diz que gosta de correr e de competir. “Tenho tido bons resultados. Numa prova que fiz, não há muito tempo, fiquei em segundo lugar. Na anterior, não correu tão bem, fiquei mais para trás.” Embora goste de atletismo, não consegue apontar ídolos. Exceto um: o professor Rui Silva, coordenador dos treinadores do projeto. Fora isso, não tem dúvidas: quando for grande, quer ser polícia.

Jerson Correia

11 anos, vive na Cova da Moura

Quando for grande quer ser atleta profissional e correr os 100 e os 200 metros
Marisa Cardoso

Quando perguntamos a Jerson Correia o que o levou a juntar-se aos treinos do EDP Clube Runners, a sua resposta é surpreendente: “Eu era mais gordinho, pesava muito, então decidi começar a vir aos treinos de atletismo. Quando soube que existia este projeto, decidi juntar-me para perder peso.” O plano resultou, Jerson recuperou a forma e atribui o mérito aos treinos. “Tem estado a correr muito bem, já estou mais magro. Também cresci um pouco desde que começámos, o que ajuda.”

Entrou para o EDP Clube Runners na Cova da Moura assim que o projeto arrancou: “Eu vim para a equipa logo em abril, desde o início. Vim quando soube que este projeto existia. Vi um cartaz na associação Moinho da Juventude que dizia “Corre     ”, perguntei à minha monitora o que era isso [o projeto] e ela disse-me que era uma modalidade desportiva – o atletismo -, que incluía muitas atividades, tais como passeios e corridas. Então decidi vir e tenho estado a gostar muito.”

O pequeno atleta fala com otimismo acerca das provas em que participou, até ao momento. “Já fiz uma prova pela equipa EDP Clube Runners. Não correu mal, mas não consegui ficar entre os primeiros. Contudo, eu senti-me bem e sinto que estou a melhorar. Tenho de continuar a treinar.”

Jerson Correia tem 11 anos e anda no 6.º ano. Diz que gosta de futebol e joga no Damaiense. É adepto do Sporting e fã de Gyokeres. Ainda assim, afirma que, quando for grande, quer ser atleta profissional. “Adorava correr os 100 metros e os 200 metros.”

Muito mais do que uma equipa que treina e compete em provas, o EDP Clube Runners é, para os miúdos que aderem ao projeto, um ponto de encontro, um lugar onde as amizades se expandem e fortalecem, um sítio de aprendizagem e, porque não, um campo de sonhos. Quem sabe se não estará entre eles um futuro campeão olímpico de atletismo?

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