Rui Rio está na Madeira a lutar pelo último quinhão de votos para neutralizar Paulo Rangel. O resultado das diretas do PSD é incerto, mas, nos bastidores, os homens do líder social-democrata acreditam que podem vencer. Mas vencer para quê? Faltam quase três meses para as legislativas e não há cenário algum que aponte para a vitória contra António Costa. Pior: não há cenário algum que aponte sequer para uma maioria de direita. Rio está preparado para perder contra Rangel. Mas acredita numa coisa: se vencer as diretas, tem tudo para ganhar as legislativas e governar com o apoio de um PS em convulsão. A maioria de direita é dispensável.
Passaram exatamente três meses desde esse dia. Rui Rio discursa para um mar de gente a partir de uma varanda na Baixa do Porto. Foi recebido em apoteose. Ao seu lado estão Paulo Rangel, Luís Filipe Menezes e José Pedro Aguiar-Branco, num quadro carregado de simbolismo: todos eles passaram de aliados a ferozes adversários de Rui Rio em algum período do percurso político comum. Agora, estão ali. “Na história de Portugal, só uma vez um presidente da Câmara do Porto chegou a primeiro-ministro, em 1909. 113 anos depois, um ex-presidente da Câmara do Porto pode chegar a primeiro-ministro”, recorda Rio. É um homem a querer fazer história.
Pela primeira vez desde que é líder do PSD, Rui Rio acredita que pode de facto vencer as legislativas. Os sociais-democratas têm sondagens internas que lhes dão a vitória contra António Costa – e Rio, o mesmo que sempre desprezou as mesmíssimas sondagens, sabe disso. As sondagens oficiais, que vão chegando à caravana e aos jornalistas muito antes de serem publicadas, têm resultados para todos os gostos. Mas ninguém ignora o óbvio: a vitória, a acontecer, será por pouco; formar governo num clima particularmente hostil será o próximo grande desafio de Rui Rio.
[Pode ouvir aqui a reportagem da Rádio Observador]
É aí que entra Pedro Nuno Santos, transformado em personagem principal nestas eleições. Se o PSD vencer as legislativas, os socialistas não terão outra hipótese que não deixar o PSD governar, acredita-se na direção de Rio. Pelo menos, até arrumar em casa e entregar a chave a Pedro Nuno Santos, o filho pródigo da ala mais à esquerda do partido, o PS está neutralizado. O mesmo homem que se rebelou contra a “abstenção violenta” de António José Seguro terá poucas alternativas a não ser permitir a Rio que governe enquanto ganha fôlego para novas eleições. A curto prazo é isso que conforta Rui Rio.
Depois virá o terceiro ato de uma peça que o líder social-democrata já ensaiou mentalmente. Quando os bloqueios à esquerda e a gritaria à direita tornarem a governação insustentável, Rio acredita que pode caminhar triunfalmente até à maioria (absoluta ou quase) e reeditar a história já desenhada uma vez por Aníbal Cavaco Silva. Rio, o mal-amado que derrotou Santana, Montenegro e Rangel; Rio, o homem que derrotou Costa contra todas as expectativas; Rio, o absoluto. São estas as páginas que o líder social-democrata, aquele que mais tempo aguentou no papel de líder da oposição, quer escrever.
Se o conseguir, Rui Rio terá um reencontro com uma história tantas vezes adiada. Em 2008, era ele o favorito para suceder a Luís Filipe Menezes à frente do PSD, mas recuou na 25ª hora. Um ano depois de 2009, era o favorito de uma parte considerável do partido para enfrentar Pedro Passos Coelho, mas pôs-se fora da corrida.
Em 2015, alimentou sonhos presidenciais, mas desistiu perante o avanço de Marcelo Rebelo de Sousa. Chegou à presidência do partido condenado a ser um líder de transição, uma nota de rodapé na história do partido. Quatorze anos depois de ter dito que não ao desafio para ser líder do PSD arrisca-se a ser primeiro-ministro. Falhou três vezes o check-in para voos nacionais; agora quer chegar lá à boleia de Pedro Nuno Santos.
O tabu (quase) desfeito sobre o Chega. Até ver
Ultrapassado o obstáculo do PS, Rio só terá pela frente um barulhento André Ventura. Com o CDS aparentemente relegado para a terceira liga – se conseguir eleger qualquer deputado será já uma vitória –, com a Iniciativa Liberal cada vez mais dentro do barco – esta quinta-feira, as duas caravanas cruzaram-se e o partido foi recebido com guarda honra pelo PSD –, o Chega é a única dor de cabeça do líder social-democrata.
Tantas vezes ambíguo em relação ao partido de André Ventura, Rui Rio foi evoluindo no discurso sobre o Chega. Primeiro, era um potencial parceiro caso se moderasse. Depois, passou a ser parceiro de papel passado nos Açores. A seguir, passou a estar excluído de qualquer solução governamental. Agora, a acreditar nas palavras de Rui Rio, está completamente proscrito das contas do PSD. Esta quinta-feira, o líder social-democrata não só deixou claro que não negociaria nos bastidores qualquer Orçamento com Ventura, como comparou as hipóteses de dialogar com o Chega às chances de um eventual entendimento com o Bloco de Esquerda ou o PCP.
Para lá de toda a retórica, o núcleo duro de Rui Rio sabe que não restam grandes alternativas. Vencendo ou não as legislativas, se há algo que ficou evidente nestas legislativas é que a estratégia de Rio – recusar o papel de federador das direitas, disputar as eleições ao centro moderado – foi o que o permitiu ao PSD voltar a estar perto da vitória. Aparecer ao lado de André Ventura na fotografia seria atirar borda fora tudo o que foi conquistado nestes anos de liderança.
Além disso, Rio já percebeu que a natureza de Ventura nunca fará dele um parceiro confiável. Se dúvidas houvesse, o que aconteceu nos Açores foi o teste de algodão. Qualquer aproximação, qualquer tentativa de negociação com o Chega, permitirá a André Ventura reclamar publicamente que vergou o PSD – tal qual a fábula da rã e do escorpião.
A estratégia será chantagear o Chega, deixando bem claro que o partido liderado por André Ventura só tem uma de duas hipóteses: ou permite ao PSD governar ou contribui para o regresso da esquerda ao poder. É isto que está no guião da direção do PSD; se Rio vencer, logo se verá se a prática parlamentar será assim ou não. Até lá, vão valendo as palavras do líder social-democrata.
Venceslau Lima, o exemplo que Rui Rio deu como o único ex-presidente da Câmara do Porto que chegou a primeiro-ministro, teve uma passagem efémera pelo cargo, menos de sete meses e em circunstâncias muito hostis. No passado, o líder social-democrata já deu provas de resiliência contra todas as expectativas. Resta saber se, derrotando António Costa, voltará a enganar o destino que lhe traçaram.