Discurso de Rui Rio

no encerramento do 39º Congresso do PSD

A visão clubística, que trata adversários políticos quase como inimigos, não se coaduna com a forma como vejo a atividade partidária. Existimos todos para servir Portugal, apenas nos distinguimos na forma de o fazer. Pelo que defendo que sempre que o entendimento é possível, ele é, obviamente, preferível à discórdia e à mera tática partidária de curto prazo. Inventar diferenças para lá das que realmente existem, é um exercício inútil para quem coloca os interesses do país à frente dos do seu próprio partido.”

Depois de fazer as habituais saudações, Rui Rio arrancou a sua intervenção com a defesa daquela que tem sido a sua linha orientadora desde que é líder do PSD: a disponibilidade para o dialogar e encontrar soluções em nome daquilo que considera ser o interesse nacional. Foi a única referência de Rio à questão que tem dominado todas as discussões e que acabou por marcar também este Congresso: como garantir a governabilidade do país num cenário em que nenhum dos blocos consegue maioria parlamentar. Rui Rio já disse ao que vai – está disposto a viabilizar um governo minoritário do PS – e ao longo deste congresso deu o passo em frente para pressionar António Costa a dizer se está ou não disponível para fazer o mesmo caso perca as legislativas. A narrativa do construtor de pontes contra o homem bloqueado à esquerda e incapaz de negociar ao centro – será essa a narrativa que Rui Rio vai levar para a campanha legislativa.

A 30 de janeiro, Portugal terá eleições legislativas antecipadas, por força do esgotamento de uma solução política de má memória. (…)  Os larguíssimos milhares de milhões de euros que esta conjuntura permitiu pôr à disposição do Governo, foram, porém, todos delapidados com o claro objetivo do PS de conseguir obter a aprovação dos seus Orçamentos do Estado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. Foram utilizados para distribuir, nunca para investir e criar riqueza, porque é essa a lógica socialista; agravada, nestes anos, por uma esquerda radical que ainda mais acentuou o tique imediatista do Partido Socialista.”

Foi a crítica mais dura e mais dura de Rui Rio ao PS de António Costa. O líder social-democrata está a apostado em provar que o PS é um partido imobilista, incapaz de fazer reformas, única e exclusivamente disponível para governar à vista. A associação de António Costa a Catarina Martins e a Jerónimo de Sousa serve para reforçar essa mesma tese: o PS, ainda para mais depois de ter guinado à esquerda, deixou de ter condições para oferecer soluções ao país. Está “esgotado”, vai dizendo Rui Rio.

No caso do Novo Banco, os impostos dos portugueses foram-lhe obedientemente entregues, no modo e no momento que este entendeu, sem sequer ter havido, da parte de quem gere o dinheiro dos contribuintes, a preocupação de conferir as faturas que lhe foram sendo apresentadas, com base num contrato já negociado e celebrado pelos socialistas. Faturas com base em menos-valias, muitas delas de natureza imobiliária em período de forte crescimento dos preços de mercado. O Governo pagou-as e não achou estranho.”

Rui Rio trouxe para este congresso três dossiês particularmente sensíveis para o Governo: Novo Banco, TAP e EDP. As referências não são inocentes. O líder social-democrata tem a convicção de que são três lanças apontadas ao Governo socialista e que dificilmente o eleitor-comum concordará com as opções tomadas por António Costa. As críticas à gestão do Novo Banco não são sequer uma novidade no discurso de Rui Rio – o presidente do PSD tem feito da denúncia ao dinheiro já investido no antigo BES um dos seus cavalos de batalha. É presumível que vá integrar estas mesmas críticas no discurso para as legislativas.

Depois de uma vida de mão estendida ao Orçamento do Estado, a TAP, é, também, um exemplo da gestão socialista, com largos milhões de euros dos portugueses nela despejados. (…) É má a solução de fechar a TAP, depois das avultadas verbas que lá foram enterradas. É má a solução de a manter, porque ainda falta lá meter muito mais dinheiro. E será má a situação do nosso país, se a Comissão Europeia vier a reprovar o plano que lhe foi apresentado pelo Governo.  Foi a isto que conduziu esta governação do PS, em geral, e deste Ministério das Infraestruturas, em particular.”

Mais recorrentes ainda são as críticas de Rui Rio à forma como o Governo tem gerido a TAP, desde a reversão da privatização até ao momento atual em que não existem sequer garantias que Bruxelas venha a aprovar o plano de recuperação da companhia aérea. Ainda que o líder social-democrata não se comprometa com uma solução para a TAP caso venha a ser eleito efetivamente primeiro-ministro (em entrevista ao Observador, à margem do Congresso, Rui Rio assumiu não ter todos os dados para tomar uma decisão), os mais de 2 mil milhões de euros investidos pelo Governo na companhia área são, para o social-democrata, um dos calcanhares de Aquiles de António Costa – e um tema que Rio não largará na campanha. Nota curiosa: na já referida entrevista ao Observador, Rio aproveitou para atirar diretamente a Pedro Nuno Santos, ministro que tem a tutela da TAP e possível sucessor de António Costa, sugerindo que se o atual secretário-geral do PS sair da liderança do partido, os socialistas podem virar muito à esquerda. Diabolizar Pedro Nuno Santos (seja pelas decisões tomadas na TAP, seja pela pulsão mais à esquerda) serve outro propósito de Rio: quanto menos força tiver o PS depois das legislativas, menos hipótese terá de condicionar a governação social-democrata. É preciso, vai dizendo Rio, impedir que os socialistas se voltem a aliar a BE e PCP para condicionar um eventual governo do PSD.

Mas a carência de verbas que António Costa invoca, quando ouve as crescentes reivindicações e reclamações de tantos setores da nossa sociedade, também não foi razão suficiente para que este governo deixasse de perdoar mais de 100 milhões de euros de imposto de selo à EDP, apesar de o PS tanto propagar que tanto quer aos mais desfavorecidos. Quem é forte, é assim mesmo que tem de fazer perante os socialistas: pedir, porque o PS dá. E receber, porque o PS discursa à esquerda, mas atua em sentido exatamente contrário do que diz.”

O terceiro elefante branco denunciado por Rui Rio. Com o país mergulhado numa crise sem precedentes, com muitas empresas a debaterem-se para sobreviver, António Costa não hesitou em continuar a alimentar o Novo Banco, a salvar a TAP e a ser um “mãos largas”, como chegou a dizer, para EDP. Um discurso simples e que, por apostar na indignação contra o “país que temos” (Rio dixit), é também transversal, podendo captar eleitores da extrema-esquerda anticapitalista aos da direita radical antissistema.

Em Bruxelas era casado com o rigor financeiro. Em Portugal vivia em união de facto com a geringonça.  É isto, que tem de acabar. Temos de ter apenas um discurso e um rumo certo. Temos de dizer a verdade aos portugueses. Temos de menorizar o marketing e de ser frontais, rigorosos e verdadeiros.”

É outra crítica que Rui Rio tenta colar com insistência a António Costa: a ideia de que o líder socialista está única e exclusivamente centrado na propaganda política e que a governação é uma aspecto secundário para o PS. Desde que é presidente do PSD, Rio tem apostado em fazer valer a imagem de um homem sério, que coloca os interesses do país à frente dos interesses pessoais e dos interesses do partido. Uma das últimas sondagens divulgadas, para a TSF, JN e DN, dava Rui Rio atrás de António Costa em todos os indicadores menos num: a honestidade. É natural e previsível que, numa campanha que será altamente bipolarizada e centrada na escolha de quem está em melhores condições de ser primeiro-ministro, Rio venha insistir nos ataques à falta de transparência dos socialistas.

É certo que o desempenho do Ministro Eduardo Cabrita foi absolutamente desastroso, como desastroso foi o prolongado e cúmplice apoio que o Primeiro-Ministro lhe deu durante tanto e tanto tempo. Mas já antes, a Ministra Constança Urbano de Sousa tinha tido notórias dificuldades em se adaptar a uma função que exige saber aplicar com bom senso o rigor, a autoridade e a disciplina.”

Foi um dos momentos mais aplaudidos do discurso de Rui Rio e percebe-se porquê. Apesar de ter saído do Governo, Eduardo Cabrita continua a ser um ativo tóxico para António Costa. O líder social-democrata não se esqueceu de nomear o antigo ministro da Administração Interna e ainda recuperou a antecessora Constança Urbano de Sousa, também ela caída em desgraça para acrescentar outras características negativas a António Costa: falta de rigor, autoridade e disciplina. Tudo o que Rui Rio diz ter para oferecer ao país.

Temos sempre a mesma marca. A marca da falta de rigor e do excesso de facilitismo, como uma identidade sempre presente nas governações socialistas ao longo dos tempos. Não pode haver complexos dessa natureza. (…) A democracia não pode ser símbolo de facilitismo, e muito menos é ela incompatível com estes valores estruturantes da nossa sociedade. Sem rigor, sem respeito pela lei e sem disciplina não há democracia; há sim, uma via para a anarquia.”

Mais uma vez, Rio a tentar forçar a bipolarização e criar a antítese: com ele, o país terá rigor, disciplina, autoridade, exigência; com Costa e com os socialistas no poder, o país acentuará o caminho para o pântano, atávico e sem rumo.

A política educativa nos últimos seis anos é o melhor exemplo do que não deve ser feita. (…) Acabaram com as provas finais de ciclo, aligeiraram o currículo, definiram um perfil do aluno em que o conhecimento e a disciplina passaram a letra morta, desautorizaram os professores, desinvestiram na escola pública, desprezaram o ensino profissional, ignoraram a educação de infância. Ao contrário do que apregoam, agravaram as desigualdades educativas, e deixaram desprotegidos os setores mais desfavorecidos da nossa população, para os quais não há alternativa à escola pública. Temos de reconhecer que é obra, conseguir tanto mal em tão pouco tempo. (…) Não é compreensível que a uma profissão tão decisiva para a formação das novas gerações, ou seja, para o futuro do país, não sejam conferidas a dignidade e as condições de trabalho que merece. Um Governo do PSD terá de dar uma especial atenção aos professores.

O líder social-democrata dedicou largos minutos a falar sobre e para os docentes. Para lá das intenções genuínas que Rui Rio possa ter, este piscar de olho tem também um objetivo eleitoral: a classe dos professores continua a ser um dos setores mais reivindicativos e que mais abertamente tem enfrentando António Costa e o ministro Tiago Brandão Rodrigues; sem dizer o que pretende fazer em concreto para melhorar as condições de trabalho desta classe, Rui Rio conseguiu, ainda assim, deixar uma palavra a cerca de 147 mil potenciais eleitores. Se mantiver  esta linha orientadora até 30 de janeiro, pode fazer a diferença a 30 de janeiro.

Hoje, ao fim de seis anos de mais uma experiência socialista, o Serviço Nacional de Saúde está novamente fragilizado. Falta planeamento, os hospitais têm fraca autonomia, o Governo destruiu as parcerias público-privadas – mesmo as que se revelavam vantajosas – e o serviço público é cada vez menos atrativo para os profissionais de saúde. Como consequência desta política, o SNS não está, objetivamente, a dar resposta satisfatória às necessidades das pessoas.

A Saúde foi outro dos temas que Rui Rio trouxe para a sua intervenção final deste Congresso. Percebe-se porquê: com o país ainda a lidar com a ameaça pandémica, os atrasos nas consultas, diagnósticos e cirurgias de doentes não-Covid são um problema crescente. Rio responsabilizou António Costa pelo rumo escolhido para a Saúde – com os setores social e privado sempre em segundo plano – e vai levar o tema para a campanha. O previsível aumento do número de casos de Covid-19 depois da passagem do ano e a possível repetição do que aconteceu no final de 2020 podem dar ao presidente do PSD o guião perfeito para a disputa eleitoral.

Não é aceitável um País com a sua classe média sufocada em impostos e em que o seu salário de referência pouco se distingue do mínimo em vigor.”

Educação, Saúde e, claro, impostos. Mesmo não tendo concretizado o que pretende fazer nesta matéria, Rui Rio defendeu a necessidade de reduzir a carga fiscal e promover a criação de mais e melhores empregos. Nas legislativas de 2019, o PSD apresentou-se a votos com a promessa de um verdadeiro “choque fiscal”, com descida do IRS e do IRC. Rio já reconheceu publicamente que o país já não está em condições de descer tanto os impostos, mas comprometeu-se em fazer um ajustamento, em particular na tributação sobre as empresas. É previsível que venha a concretizar essa proposta nas próximas semanas.

Assim como também não é racional manter apoios sociais a quem os usa para se furtar ao trabalho e, dessa forma, condicionar a própria expansão empresarial que, cada vez mais, se lamenta da falta de mão de obra disponível.”

Na mesma linha de raciocínio, Rio recuperou uma ideia que começou a ensaiar ainda nas eleições regionais dos Açores, consolidou nas autárquicas e que fez valer também nas diretas do PSD. Para o social-democrata, existe um problema de subsidiodependência no país, que prejudica as empresas que procuram e não encontram mão de obra e que impedem uma justa distribuição de apoios sociais. O discurso tem semelhanças àquele que tem sido a imagem de marca de André Ventura e não é de excluir que Rio esteja a insistir nesta tese para travar o crescimento do Chega à custa do eleitorado mais conservador.

Precisamos de um novo Governo com coragem para levar a cabo as reformas que nos diversos setores da nossa vida coletiva se apresentam como necessárias. Um novo Executivo que se distinga da governação socialista que, durante os últimos seis anos adiou o País, por subordinação às forças de esquerda mais extremistas e por uma confrangedora falta de coragem para enfrentar os reais problemas de Portugal.  Estamos prontos para assegurar a diferença. Somos um partido reformista. Não vamos, por isso, fazer nenhuma revolução, nem vamos destruir tudo o que os outros fizeram. Queremos apenas, de forma sensata, mas corajosa e realista, desenvolver o nosso País e voltar a trazer a esperança aos portugueses.

Esta tem sido a grande mensagem de Rui Rio desde o minuto zero da sua liderança do PSD: só os sociais-democratas terão arte e engenho para fazer as reformas de que o país precisa; a continuidade de António Costa será sempre sinónimo de estagnação e empobrecimento, sobretudo se estiver aliado à esquerda. No entanto, Rio sabe que a estabilidade é um fator preponderante na hora de votar e que, em contextos normais, os eleitores são avessos a grandes mudanças. Daí a preocupação em insistir que o PSD não vai revolucionar nada, nem constituir um governo de reversões. Carlos Moedas, a figura mais aplaudida a par de Rio, tinha pedido ao líder social-democrata um “inconformismo moderado”. Rio prometeu isso mesmo: reformismo ao centro, com soluções moderadas.