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Entrevista a Rui Tavares, fundador do partido Livre, à Rádio Observador. Rui Tavares será o cabeça de lista do partido por Lisboa, Lisboa, 30 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Rui Tavares: "Tive conflitos com Joacine e Louçã. Dos três, não façam de mim o caso especial"

O cabeça de lista por Lisboa e fundador do Livre, Rui Tavares, diz que, se for eleito deputado, vai exercer funções em exclusividade, mas não deixa de ser vereador em Lisboa.

Poucos meses depois de ter sido eleito vereador em Lisboa numa coligação PS-Livre, Rui Tavares é o cabeça de lista do partido que fundou pelo círculo de Lisboa e diz que, caso seja eleito, vai exercer o mandato de deputado em “exclusividade”. E sem renunciar ao mandato em Lisboa. Rui Tavares volta a apresentar o Livre como partido que promove o diálogo, mas está disponível para o fazer apenas à esquerda. Para aceitar coligar-se, por exemplo, com a Iniciativa Liberal — como fizeram os seus congéneres verdes alemães –, o fundador do Livre diz que o partido de Cotrim Figueiredo teria de virar à esquerda.

Sobre propostas do programa, como o Rendimento Básico Incondicional ou a redução para 30 horas semanais de trabalho, Rui Tavares explica que pretende apenas começar com “projetos-piloto” para testar a eficácia dessas medidas.

O antigo eurodeputado diz ainda que gostava de ter no livre figuras como o deputado do PS, Pedro Bacelar de Vasconcelos, a deputada do BE, Beatriz Gomes Dias, ou ainda os antigos candidatos presidenciais que o partido apoiou: Ana Gomes ou António Sampaio da Nóvoa.

[Veja o essencial da entrevista a Rui Tavares:]

“Beatriz Gomes Dias é deputada e vereadora ao mesmo tempo”

Acabou de ser eleito vereador em Lisboa e já se está a candidatar a outro cargo. Não está a trair os eleitores que lhe deram o voto há poucos meses?
Não, pelo contrário. Estou a fazer um trabalho na Câmara de Lisboa como vereador da oposição, sem pelouro. É, como sabe, segundo a lei e até na prática quotidiana um cargo que tem uma carga que não merece um vencimento, não é um cargo desempenhado a tempo inteiro. Vi, no passado, colegas meus no Parlamento Europeu, como Ana Gomes ou João Ferreira, serem eurodeputados e vereadores sem pelouro ao mesmo tempo. Neste mandato na Câmara Municipal de Lisboa, a Beatriz Gomes Dias do Bloco de Esquerda é vereadora sem pelouro e deputada na Assembleia da República. Não é por acaso que é uma prática corrente, permite fazer boas sinergias entre o que é a política local e a política nacional.

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Pode dar a garantia aos eleitores que se votarem em si para deputado a seguir não se vai candidatar, por exemplo, ao Parlamento Europeu?
A garantia que posso dar é que, até agora, os mandatos que tenho tido desempenhei-os até ao fim, inclusive quando isso significava desempenhá-los em condições que não eram fáceis como aconteceu no mandato do Parlamento Europeu. Com exclusão daquelas situações imponderáveis como situações de saúde ou familiares, evidentemente que sim.

Portanto podemos dizer que não será candidato nas europeias se for eleito deputado.
Existe uma interdição até em termos de Parlamento Europeu e de Assembleia da República de que um deputado nacional seja um deputado europeu.

Excluindo razões familiares, razões de saúde ou outras ponderosas, o meu princípio é cumprir mandatos até ao fim.

Certo, então se for eleito deputado e considerando que cumpre os mandatos até ao fim pode já garantir aqui que não será o candidato do Livre às europeias.
O que acabei de dizer é que excluindo razões familiares, razões de saúde ou outras ponderosas, o meu princípio é cumprir mandatos até ao fim. Mas também devo dizer que não é por acaso que na legislação nacional estes cargos são eleitos em listas. Em Lisboa tenho a sorte e o privilégio de ter a ajuda de candidatos do Livre que me substituirão no caso de precisar.

“O historial de pessoas com quem Louçã entrou em rutura não é pequeno”

Apresenta o Livre como “um partido de diálogo e compromisso”. Até antes da geringonça propunha um diálogo à esquerda. Mas a verdade é que não conseguiu dialogar com a deputada que elegeram nas últimas legislativas, Joacine Katar Moreira. Se não conseguiu entender-se dentro do partido, como é que pode ser esse ponto de ligação com outros partidos? Os eleitores podem acreditar que de facto conseguem fazê-lo?
O Livre é um partido de diálogo e compromisso. Já o tem sido, demonstrou-o nestas autárquicas até fazendo coligações inéditas, que nunca tinham sido feitas — por exemplo, o Bloco de Esquerda nunca tinha feito uma coligação com o Livre e o Volt e assim elegemos a vereadora Carla Castelo em Oeiras. Em Cascais, fizemos uma coligação com o PS e com o PAN… Compreendo que é da natureza do jornalismo o que não corre bem, é notícia. No Livre, não correu bem uma vez, no PAN, nesta legislatura, não correu bem duas vezes, perderam não só uma deputada à Assembleia da República como um eurodeputado. A Iniciativa Liberal perdeu o candidato a Lisboa.

O PAN tinha mais deputados.
E por isso o impacto é menor.

Há uma outra diferença: é o Livre é que se apresenta como partido do diálogo e do compromisso. Portanto, é especialmente relevante que esse partido não consiga dialogar nem chegar a compromissos com a sua deputada. Os outros não se apresentam com essa pureza.
Não se trata de pureza. Se começarmos a considerar que na política nacional diálogo e compromisso é uma questão de pureza então aí acho que temos um indicador de porque é que a nossa política está a funcionar mal.

Pureza no sentido de o que está subjacente a isso é que os outros não são capazes de diálogo e compromisso e que só o Livre é capaz de o fazer .
Não, de todo. Percebo a pergunta e porque é que na política nacional a pergunta surge assim. Poderia haver uma contradição entre afirmar princípios de diálogo e de compromisso e depois não os exercer.

O não conseguir compromissos e diálogo internos.
O que acabei de explicar, com recurso a factos e não a conjeturas nem especulações, é que o Livre é um partido de diálogo e compromisso.

Fazer acordos em duas autarquias não é assumir um compromisso a nível nacional.
É um partido que tem oito anos e que nesses anos proposto e concretizado compromissos. O que o Livre não pode prometer, mas isso nenhum partido pode prometer, é alterar a natureza humana. Na política, os conflitos existem e continuarão a existir. Os partidos têm problemas; a diferença entre uns e outros tem a ver com a forma como os resolvem. No Livre não os varremos para debaixo do tapete.

Entrevista a Rui Tavares, fundador do partido Livre, à Rádio Observador. Rui Tavares será o cabeça de lista do partido por Lisboa, Lisboa, 30 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Joacine Katar Moreira foi um erro de casting?
Estão a enfileirar uma série de perguntas… O compromisso e o diálogo estão lá como estão em todos os partidos. Falei do PAN e da IL, mas podemos falar dos grandes partidos: o PS elegeu e reelegeu primeiro-ministro alguém que, pelos vistos, não sabia como se iria comportar quando eleito. É um caso muitíssimo mais grave do que aquele que se passou com o Livre. Compreendo que, no caso do Livre, [por Joacine representar] 100% da nossa representação parlamentar, haja uma fixação maior nisso.

O nosso ponto não é esse. O Livre apresenta-se como um partido diferente e diz que é o partido do diálogo e do compromisso. O PS não faz isso, o PAN não faz isso, a IL não faz isso. Os senhores fazem isso. É especialmente relevante o facto de não terem conseguido dialogar e chegar a um compromisso com uma deputada.
Para existir compromisso tem de haver das duas partes. O Livre tem predisposição para esse diálogo e compromisso e acho que os factos o demonstram. O facto de uma vez ter corrido mal não apaga todas as outras vezes em que correu bem. O que não podemos prometer é mudar a natureza humana. É o que é. Como em todas as separações na vida, há um momento para lamentar, outro para olhar em frente e seguir o caminho que o Livre já vinha a traçar e que continuará a traçar.

O PS elegeu e reelegeu primeiro-ministro alguém que, pelos vistos, não sabia como se iria comportar como eleito

Consegue dizer-nos duas propostas de Joacine que o Livre não poderia subscrever?
O que consigo dizer é o Livre soube do voto de Joacine no primeiro Orçamento quando toda a gente soube. É importante, por questões de cooperação dentro do próprio partido, para se poder preparar, para poder comunicar, saber antecipadamente qual vai ser o voto. Naquela altura, isso não foi possível.

Foi uma deslealdade?
Não desejo entrar muito nesse tipo de caracterizações. Não faz o meu estilo.

"De facto há um conflito com Francisco Louçã e com Joacine Katar Moreira (...) Se formos a ver o historial de pessoas com quem Francisco Louçã entrou em rutura não é pequeno. Ou seja, nestas três pessoas não queiram fazer de mim o caso especial."

Mas não consegue dizer propostas que foram públicas de Joacine Katar Moreira que o Livre não subscreveria?
Não é possível a um partido saber como é que vai votar no Orçamento ao mesmo tempo que toda a gente. Isso põe um problema a qualquer organização, não só a um partido. Como antes, em relação a votos até importantes: o partido não conseguia saber, sequer a posteriori, se aquele voto tinha sido um engano, se não foi, para se poder preparar e poder comunicar.

Mas o partido duvidava que a deputada eleita seguisse aquilo que era a linha do Livre? 
Não estamos a falar de dúvidas nem de suspeitas, estamos a falar de factos que ocorreram e que tornavam difícil ao próprio partido poder preparar-se para determinadas orientações — para a opinião pública, com outros partidos — porque não as tinha sabido antecipadamente ou não as tinha conseguido esclarecer depois. Não é o tipo de exercício de mandato que queremos dar às pessoas e, aliás, a que os próprios candidatos nas primárias do Livre se comprometem. Nunca exigimos o mandato de volta, nunca exigimos que a deputada abandonasse o Parlamento, tinha a sua legitimidade e o mandato é exercido de forma individual. A única coisa que o Livre disse foi que com as coisas a passar-se nesses termos o partido não se podia responsabilizar e, portanto, devia haver uma clarificação política para que cada um fique com as suas responsabilidades.

O incidente com Joacine não é um caso isolado. Quando foi eleito eurodeputado nas listas do Bloco também não conseguiu dialogar com o partido e acabou por romper. Aprendeu a ser mais dialogante depois desse episódio?
O que se passou foi uma situação de conflito com o então coordenador do BE, conflito que não procurei. As pessoas conhecem-me e tenho colaborado de forma construtiva com muita gente ao longo da vida. De facto há um conflito com Francisco Louçã e com Joacine Katar Moreira. Se formos a ver o historial de pessoas com quem Francisco Louçã entrou em rutura não é pequeno. Ou seja, nestas três pessoas, não queiram fazer de mim o caso especial. A prática da minha vida tem sido uma prática de diálogo e compromisso, as pessoas que me conhecem sabem que sou uma pessoa construtiva e cordata. Evidentemente isso não significa ser uma pessoa moldável ou aceitar, como aconteceu no caso do BE, um ataque nas redes sociais até à minha dignidade à minha vida profissional.

E já recuperou a confiança que na altura disse ter perdido em Francisco Louçã? Dizia que não tinha confiança pessoal nem política.
Não tenho nem hábito de guardar rancores, não guardo a ninguém, nem hábito de estar permanentemente a revisitar o meu passado pessoal. É alguém que faz parte do debate público com quem tenho concordâncias e discordâncias, muitas vezes claras.

Mas já confia nele?
As relações que aqui nos trazem são políticas e partidárias com a direção do Bloco que existe agora. Apesar das diferenças ideológicas e políticas, o Livre tem uma boa relação com essa direção. Temos reuniões constantes.

Sim, mas voltou ou não a ter confiança pessoal e política em Francisco Louçã?
Não costumo revisitar o passado nem guardar rancores. Da parte dele, não houve nunca um esclarecimento nem um pedido de desculpas.

Portanto, continua a não ter confiança pessoal nem política.
Não acho que uma entrevista em legislativas seja o lugar adequado para trazer questões que seriam, nesse caso, do domínio pessoal. Não houve um pedido de desculpas, não houve um esclarecimento, acho que a minha resposta é bastante evidente. A inferência que se pode retirar disso é bastante evidente.

Francisco Louçã não deixa de ser das figuras mais importantes do Bloco. Isso não belisca o diálogo entre o Livre e o Bloco?
Acabei de dizer que não. Nós temos reuniões, fizemos uma coligação em Oeiras, antes disso apoiámos num o candidato do Bloco em Loures, Fabian Figueiredo.

Estamos a falar de uma eventual negociação que venha a existir na Assembleia da República. São níveis diferentes de entendimento e de pontes que se devem estabelecer.
Mas tivemos reuniões na Assembleia da República enquanto isso foi possível, enquanto o Livre esteve representando. Do lado do Bloco, quando um partido de extrema-direita quis atacar a sede do Livre e tentou atacar a sede do Livre, as primeiras pessoas que apareceram foram militantes do Bloco de Esquerda. Não esquecemos esse ato que foi de solidariedade e de generosidade. Aquilo que aproxima Bloco de Esquerda e Livre e outros partidos na esquerda é mais do que aquilo que nos separa e não devemos ampliar nem exagerar diferenças nem conflitos que tenham existido no passado para impedir qualquer tipo de colaboração no presente. Felizmente, não temos sentido esse tipo de obstáculos.

Entrevista a Rui Tavares, fundador do partido Livre, à Rádio Observador. Rui Tavares será o cabeça de lista do partido por Lisboa, Lisboa, 30 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Diferenças para BE e PCP? “O Livre não é de uma esquerda autoritária”

Os eleitores de esquerda já podem escolher entre o PS, o PCP e o Bloco. Por que razão devem votar no Livre?
Há muitas razões e uma é absolutamente clara: tivemos um colapso nas negociações orçamentais há pouco tempo, há uma oscilação entre uma esquerda da intransigência e uma esquerda da convergência. O Livre é da esquerda da convergência, libertária; não é de uma esquerda autoritária. Existe uma divisão entre uma esquerda mais nacionalista e uma esquerda mais cosmopolita, mais favorável ao projeto europeu. O Livre é favorável ao projeto europeu. Existe uma divisão entre uma esquerda que coloca a ecologia e o ambiente em segundo ou terceiro lugar. O Livre coloca a crise ecológica em primeiro lugar. Há uma esquerda que, em relação aos direitos humanos, os vê num contexto de geopolítica e de luta entre imperialismo e anti-imperialismo, embora às vezes ache que é entre imperialismos bons e maus. O Livre não tem essa visão — uma violação de direitos humanos em qualquer lugar do mundo, às mãos de qualquer partido, incluindo de esquerda, é uma violação dos direitos humanos que condenamos e que combatemos.

Está a atacar mais o PCP do que o Bloco de Esquerda. Já percebemos que tem um favorito.
Apresentei várias distinções.

Sim, a maioria delas atribuídas ao PCP e não ao Bloco.
Não, veja o que defendemos sobre o projeto europeu.

Mas o Bloco de Esquerda defende a saída do projeto europeu? Não.
Não, mas é bastante omisso em relação ao que fazer sobre o projeto europeu. Nós lemos as propostas e medidas do BE para a Europa — que, aliás, são relativamente diminutas no seu programa — e vemos que se pretende terminar com qualquer partilha de soberania em termos de política industrial, ao mesmo tempo que se pretende que ao nível de padrões ambientais, sociais e laborais haja padrões europeus para toda a UE. Não bate a bota com a perdigota. Há pouco perguntavam-me por que é que um eleitor de esquerda deve optar pelo Livre. Por isto: olhamos para a Alemanha e para os Verdes alemães, que fazem parte da nossa família política, e trazemos essa cultura do diálogo e compromisso; e porque temos uma visão para problemas concretos e um modelo de desenvolvimento que se realiza através da Europa e do mundo e não em distanciamento em relação ao projeto europeu e à globalização.

"Se houver uma maioria à esquerda, o Livre contribuirá, cada deputado do Livre contribuirá para a formação de uma maioria progressista, social e ecológica; se a direita ganhar estas eleições, nós estaremos na oposição."

“Os liberais alemães são bastante diferentes da Iniciativa Liberal em Portugal”

Diz que pertence à mesma tradição política dos Verdes alemães e tem elogiado as negociações para a formação do novo governo alemão. Os Verdes fizeram uma coligação com o partido liberal. Aceitaram que o ministro das Finanças seja o líder liberal, aceitaram um travão ao aumento da dívida pública, aceitaram um compromisso para não haver aumento de impostos. O Livre aceitaria negociar uma coligação com a Iniciativa Liberal em que estivessem previstas medidas semelhantes?
Acho que a questão é mais ao contrário. Os liberais alemães são liberais bastante diferentes dos da Iniciativa Liberal em Portugal.

Aceitaria ou não uma coligação com os liberais?
Na Alemanha, é o partido liberal que faz uma coligação com o SPD, partido socialista de centro esquerda e com os Verdes. Em Portugal, é a IL que diz que jamais que faria coligação com aquilo a que chama socialistas.

Aceitaria ou não negociar um governo em que um dos compromissos fosse não haver aumento de impostos e existir um travão à dívida?
Esse partido é que não aceita negociar à esquerda.

"Os liberais alemães são liberais bastante diferentes da Iniciativa Liberal em Portugal. Quando propomos não haver nenhuma partilha de soberania em termos de política industrial, isso é o projeto europeu."

Estamos a falar do Livre. Esqueça a IL, isso perguntaremos a João Cotrim Figueiredo. Aceitaria, tal como os Verdes alemães aceitaram, negociar com um partido da direita?
Na Europa, o que é normal é que haja entendimentos governativos e acordos governativos com vários partidos. Muitos partidos da nossa família política incluem nos governos liberais, liberais sociais, liberais progressistas e nós, se houvesse essa possibilidade em Portugal, consideraríamos sem nenhum problema porque é importante haver governos de largo espetro.

Portanto, não aceita seguir o exemplo dos Verdes alemães que tem elogiado.
Temos de ter em atenção que, mesmo fazendo parte da mesma família política, os partidos têm direito às suas diferenças.

Se os liberais estivessem disponíveis para negociar com o Livre admitiria? Sim ou não.
Os liberais em Portugal têm-se definido pelo antissocialismo e pela anti-esquerda. São eles que têm de evoluir para a posição que é a tradicional dos liberais em toda a Europa. Governos de liberais com a esquerda e socialistas há em muitos países. Só em Portugal é que os liberais se definem por aceitarem mais facilmente um Governo dos Açores com a extrema-direita do que qualquer tipo de diálogo à esquerda.

"Na Alemanha, é o partido liberal que faz uma coligação com o SPD, partido socialista de centro esquerda e com os Verdes. Em Portugal, é a IL que diz que jamais que faria coligação com aquilo a que chama socialistas."

Muito bem, imagine: PS e PSD começam a negociar depois das eleições. O Livre aceitaria juntar-se a essa negociação?
O bloco central é mau para o país.

Não é um bloco central, é um acordo para um governo estável. O Livre aceitaria seguir o exemplo dos Verdes alemães e juntar-se a essa negociação?
O Livre considera que seja o bloco central formal ou informal é mau para o país.

Ao contrário do que acontece na Alemanha. Lá é bom, aqui é mau.
Não, não. Aí tem a história ao contrário.

"O Bloco Central é mau para o país"

Estamos a falar da negociação.
Ainda agora houve um governo na Alemanha de SPD [centro-esquerda] e CDU [centro-direita] e os Verdes alemães estiveram de fora e criticaram essa solução porque achavam que essa solução favorecia os extremos, que é o que aconteceria em Portugal. Ainda teríamos outro problema: PS e PSD juntos, a aplicar o PRR, com as suas redes de interesses, com a opacidade que uns dariam aos outros, é indesejável para o país. É importante que haja um dos dois grandes partidos a fazer a oposição vigorosa nesta fase da vida nacional, senão não teremos transparência, integridade e escrutínio na aplicação dos fundos europeus. E é importante que o PS esclareça se vai estar na oposição ou não.

Aceitaria negociar com o PSD?
É muito importante haver clarificação política nestas eleições. Com um grande grau de incerteza e ambiguidade de muitos partidos, creio que é muito importante que o Livre possa dar clareza: se houver uma maioria à esquerda, cada deputado do Livre contribuirá para a formação de uma maioria progressista, social e ecológica; se a direita ganhar estas eleições, nós estaremos na oposição.

Entrevista a Rui Tavares, fundador do partido Livre, à Rádio Observador. Rui Tavares será o cabeça de lista do partido por Lisboa, Lisboa, 30 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“Nos Países Baixos, a semana das 30 horas já é uma realidade”

No programa eleitoral, propõe que até 2030 haja um regime de trabalho de 30 horas de trabalho por semana e 30 dias de férias. Todos os gestores hospitalares dizem que a passagem das 40 para as 35 horas provocou um caos nos serviços. Pode garantir que o Serviço Nacional de Saúde não entraria em rutura com um regime de 30 horas?
Há uma razão porque propomos essa medida como de médio e longo prazo e uma medida que deva ser implementada gradualmente e deve ser até testada antes. Em Espanha, o Más País, que é um partido da nossa família política, propôs um teste que vai ser implementado no próximo ano para a semana de quatro dias no qual 200 empresas espanholas escolhidas aleatoriamente, com apoios durante a implementação, mas também testagem abrindo as portas a que seja avaliada a sua produtividade com a diminuição do horário de trabalho, aceitem fazer esse estudo. Achamos importante fazer um estudo do mesmo género em Portugal, seria um bom primeiro passo.

No privado, portanto.
No privado e no público. É importante avaliar se é possível em Portugal, como é possível noutros países europeus. Nos Países Baixos, a semana das 30 horas já é uma realidade. Sabemos que Portugal tem um problema de produtividade, termos ganhos de produtividade é um objetivo que devemos colocar como prioridade política de todas as forças políticas porque nos permitirá fazer subir os salários, ter uma segurança social mais reforçada e, aí sim, cada um de nós poder pagar menos impostos porque se alarga a esfera das recolhas do Estado em termos de impostos e a economia cresce.

Noutro setor, que é o dos transportes, no programa eleitoral propõem uma forte articulação com a CP para substituição de voos internos e ibérico. Quer acabar com os voos Porto-Faro ou Lisboa-Madrid?
Não. Queremos que seja o comboio seja competitivo, que seja mais rápido e que seja mais barato. Achamos que este investimento na ferrovia já fazia falta há muito tempo e que deve ser redobrado.

Mas quer acabar com voos da TAP.
Não. Aquilo que nós propomos é um investimento na ferrovia e uma política de preços que faça com que o comboio seja competitivo.

E como é que vai obrigar as companhias aéreas a aumentar o preço das viagens para ficarem mais caras do que andar de comboio?
As companhias aéreas têm grandes externalidades negativas em termos de poluição e em termos de custos nas questões do aquecimento climático que precisam de ser taxados. Neste momento, a querosene dos aviões não é taxada, é um problema que ao nível europeu tem estado a ser discutido. O que se pode fazer é rever a fiscalidade do voo, do transporte aéreo, e dar condições de competitividade à ferrovia.

Portanto, taxar os bilhetes de avião até a um ponto em que a viagens se tornem mais caras do que os bilhetes de comboio.
Há outra maneira de fazer isto que é: investir na ferrovia e subsidiar a ferrovia de forma a que as viagens de comboio sejam mais baratas do que as de avião.

Tem defendido a nacionalização da TAP. Há outras empresas que o Livre defende que deviam ser nacionalizadas?
O Livre acredita numa economia mista. É isso que deve ser uma economia avançada. Ou seja: uma economia com um setor público, que deve ser preservado e deve prestar serviços públicos universais; com um setor privado que deve ser também dinâmico e com um investimento muito grande. Às vezes, na briga entre Estado e privado, que vemos todos os dias, poucas vezes se fala em apoiar o setor cooperativo, apoiar os independentes, apoiar pequenas e médias empresas.

Mas há outras empresas, tal como a TAP, que o Livre entende que, sendo agora privadas, devem ser nacionalizadas?
O foco das nossas políticas está no desenvolvimento do terceiro setor, do setor cooperativo, também dos trabalhadores independentes e das pequenas e médias empresas.

Portanto, a resposta é não.
Não é o foco da nossa ação. Mas há sempre situações em que um Estado pode ter que agir e nacionalizar, não temos preconceitos em relação a nacionalizações.

Entrevista a Rui Tavares, fundador do partido Livre, à Rádio Observador. Rui Tavares será o cabeça de lista do partido por Lisboa, Lisboa, 30 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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“O País já paga aos concidadãos, inclusive os mais ricos”

Defende a aplicação de um “Rendimento Básico Incondicional” (RBI). Quando essa medida foi chumbada em referendo na Suíça, o governo suíço disse que o custo seria insuportável e enfraqueceria a economia. Se a economia suíça não consegue suportar um “Rendimento Básico Incondicional”, como é que a nossa conseguiria?
O Livre defende a testagem e implementação de planos-piloto acerca do RBI.

Já vimos que a maior parte das propostas do Livre tem de ter um projeto-piloto antes.
Sim. E isso é bom.

A Finlândia fez um projeto-piloto em relação ao RBI e desistiu.
Pois e outros países ou outras regiões do mundo fizeram testes-piloto em relação ao RBI e mantêm-nos. Como sabem, é um debate muito importante, relevante e sério, económico, defendido por economistas de várias partes do espectro político, mais à esquerda e mais à direita. O Livre não acha que o RBI deva substituir outras provisões sociais. Acha que deve começar de forma gradual e complementar. Achamos que o RBI tem mais condições num nível europeu, transnacional, mas é importante fazer avançar o debate, estamos a favor de fazer avançar esse debate e de fazer testagem em certas regiões do país.

Também defendem que em Portugal o Estado garanta os provimentos básicos de água, gás, eletricidade através de “abastecimento gratuito de quantitativos mínimos”. Quais são os mínimos? São gratuitos para todos ou há uma condição de recursos?
Os mínimos são gratuitos para todos. É isso que quer dizer a universalidade e os mínimos têm de ser estabelecidos.

Um grande banqueiro vai ter gás e luz paga pelo Estado? Ia ajudá-los a pagar a conta que eles efetivamente não precisam?
O mínimo. E, a partir daí, paga. Em princípio, consumirá muito mais do que esse mínimo. Mas o que é importante, aquilo que esta medida se destina a providenciar, é que não tenha que haver um estigma social pelo facto de as pessoas [precisarem deste apoio]. Falamos de eletricidade, água, até de acesso à internet, à informação. São condições básicas de uma existência.

Ficamos a saber que, pelo Livre, o Estado devia pagar, por exemplo, a João Rendeiro e a Ricardo Salgado água, luz e gás.
Repare: o país já paga aos nossos concidadãos, inclusive aos mais ricos, desde o abono de família à utilização de infraestruturas gratuitas.

Seria mais um caso.
O que não acho normal é que uma pessoa tenha de passar pelo estigma de ter a senha ou o cupon para ter acesso à eletricidade ou à água.

Isso já existe.
Exato. Ou que lhe seja corta a eletricidade e a água por não poder pagar. Portanto, se toda a gente tiver um mínimo, isso significa que ninguém passa abaixo de um limiar de pobreza energética e de acesso a um bem que é essencial para a vida como é a água. Esse mínimo tem de ser sustentável do ponto de vista ecológico e financeiro, como existe em muitos países.

Já falhou duas eleições para Assembleia da República, uma para o Parlamento Europeu, foi agora eleito vereador, mas nas listas de uma coligação. Vai tirar ilações se não conseguir ser eleito agora deputado? Admite abandonar a vida partidária, por exemplo?
Que ilações pretende que qualquer cidadão português retire? Deve deixar de ter direitos cívico-políticos? Deve fazer aqui e agora uma promessa que nunca mais vai intervir na vida cívica.

Não é isso. António Costa já disse que, se ficasse em segundo lugar abandonava a liderança do PS, por exemplo. Ao contrário, Catarina Martins já disse que se manteria. Só queremos perceber: tira ou não tira ilações?
Claro que tiro ilações. Agora, essas ilações devem ser: “Prescindo de ter atividade cívica na vida política do meu país?”.

Quem pôs essa meta foi o próprio foi Rui Tavares. Em 2010, deu uma entrevista ao Público onde disse que o seu prazo na política terminaria quando o 25 de Abril fizesse 48 anos. Disse: “A partir daí, há outros que pegam nisto”. O 25 de Abril faz 48 anos daqui a poucos meses e portanto…
Era a minha vontade, de participar na vida política do meu país. Não imaginava nessa altura que isso passaria pela fundação de um partido político. E isso é algo que eu nunca pensei na vida que fosse fazer: fundar um partido político. E imaginei na altura da fundação do Livre que o meu contributo pudesse ser necessário nos primeiros anos. A política não é a minha primeira paixão e pensei que me pudesse dedicar a outras coisas porque acho que é importante que possamos fazer outras coisas. Felizmente, pude fazer essas outras coisas nos últimos anos, mas agora creio que estamos numa situação em que tanto o país como o Livre precisam todos nós.

Entrevista a Rui Tavares, fundador do partido Livre, à Rádio Observador. Rui Tavares será o cabeça de lista do partido por Lisboa, Lisboa, 30 de dezembro de 2021. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Questionário legislativas: “A melhor ministra deste Governo? Mariana Vieira da Silva”

Qual foi o melhor primeiro-ministro da nossa democracia?
Aí o meu coração oscila. Acho que Maria de Lurdes Pintassilgo foi uma primeira-ministra muito importante por várias razões. Acho que António Guterres foi um excelente primeiro-ministro. Aliás, nas primeiras eleições dele, votei nele e não me arrependi. E há muitas coisas, desde o que hoje chamamos o RSI até à preservação das gravuras de Vila Nova de Foz Côa que foram tomadas no Governo dele. E foi um bom Governo.

E o pior?
Santana Lopes é um candidato bastante evidente, mas acho que estaria a fazer uma injustiça a Passos Coelho se não o considerasse o pior. É verdade que Passos Coelho tomou as rédeas do Governo numa situação difícil para o país, mas é verdade que quis usar a troika não só como modelo mas também para ir mais além da troika e isso resultou numa desvalorização do país, num aviltamento do salário e da remuneração pelo trabalho, da qual ainda estamos a pagar um preço. E, portanto, acho que foi o pior.

Qual é a pessoa que mais ouve quando tem de tomar uma decisão política difícil?
Aí não vou ser nada original. Oiço em casa. Falo com a minha mulher, com aqueles que me são mais próximos.

Em que partido votaria se o Livre não existisse?
É por causa disso que o Livre existe. Mas votaria certamente. Não votaria em branco. Antes de haver o Livre tinha votado algumas vezes no PS, votei no BE depois de ter sido formado. Sempre disse que seria muito importante se o BE ocupasse o papel em Portugal que os verdes alemães desempenham na Alemanha e que os verdes em geral desempenham na Europa. E isso não foi a trajetória que aquele partido seguiu. E, claro, uma pessoa assume as suas responsabilidade e funda um partido.

Dê-nos o nome de um político de outro partido que gostaria de ter num dos seus governos?
Há muita gente que tem muita qualidade. Nós preferíamos ir crescendo através de pessoas que ainda não se sintam representadas por nenhum partido, isso é o natural. Pensar em gente que admiro: gosto muito do Pedro Bacelar de Vasconcelos, deputado do PS, gosto muito da Beatriz Gomes Dias, deputada do Bloco. Há muita gente que estimo que continuem felizes nos partidos onde estão, mas, se quisessem vir para o Livre… A Ana Gomes e o António Sampaio da Nóvoa, que foram nossos candidatos presidenciais.

Qual foi o melhor ministro deste Governo?
Posso estar a ser talvez toldado por alguma dimensão de boa relação pessoal. Eu acho que a Mariana Vieira da Silva desempenhou um papel público importante até em tudo o que tem a ver com a população em toda a situação pandémica com a população. É alguém que se tem revelado como especialmente clara na forma como responde às perguntas, mas é alguém também de quem eu gosto pessoalmente e posso estar a ser toldado por isso.

Qual foi o seu maior fracasso político?
Fracasso seria desistir de dar o contributo ao país. Eu tenho uma participação política como qualquer pessoa deve ter e eu até acho que deve ter. Inclui grandes custos pessoais, porque as pessoas não se dão conta que, para fundar um partido, para ser candidato, há custos pessoais que se incorrem e que tornam difícil a gestão da própria vida familiar e por aí fora. Tenho uma grande dívida de gratidão para com o 25 de Abril. Venho de uma aldeia pequenina no Ribatejo, venho de uma classe média baixa rural virada para a cidade, o 25 de Abril não foi só para mim uma promessa de combater as desigualdades, é aquela promessa de que, para qualquer pessoa de vida comum, a vida poder ser maior e, de facto, o regime democrático deu-me isso. A possibilidade de estudar onde eu nunca tinha sonhado estudar. De fazer coisas que nunca tinha sonhado fazer, na Europa e no mundo. E, portanto, eu quero dar de volta. Sinto que, enquanto estou a dar de volta ao meu país, os revezes políticos são uma coisa absolutamente indiferente.

[Veja a entrevista na íntegra:]

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