“Satisfeito com Putin, praticamente nenhum.” Este é o estado de espírito dos oligarcas russos, que estão descontentes com o desenrolar da guerra na Ucrânia. As sanções do Ocidente e a falta de sucessos militares estão a frustrar os multimilionários e a cúpula de Kremlin — e já começou a discussão sobre o possível sucessor do Presidente russo, isto num momento em que aumentam os rumores sobre o estado de saúde de Vladimir Putin.
Segundo o jornal independente russo Meduza, que cita fontes próximas do governo russo, o objetivo não parece ser (pelo menos para já) promover um golpe de Estado contra o chefe de Estado russo, como a Ucrânia já denunciou. Ainda assim, tem crescido o desejo entre a elite russa de colocar alguém novo à frente da presidência russa, uma figura que viesse dar outro ímpeto à guerra.
Imprensa independente russa: “Kremlin prepara a sucessão de Putin”
Os sinais de descontentamento, segundo o Meduza, fazem-se notar em dois dos grupos que tradicionalmente foram estando ao lado de Putin — os oligarcas e os serviços secretos russos. Os primeiros lamentam o impacto das políticas de sanções que os países ocidentais têm aplicado à Rússia (e que se espera que se agrave num futuro próximo, com a aprovação de um sexto pacote de sanções por parte da União Europeia). “Não será possível viver como antes, não se pode falar de desenvolvimento”, desabafa fonte do governo ao jornal russo, ressalvando que ainda há negócios que podem continuar a realizar-se com “a China e a Índia”.
Não vendo no horizonte um acordo de paz com o Ocidente, a mesma fonte indicou à Meduza que “os problemas [económicos] já são visíveis”, antevendo que no verão as sanções poderão já afetar a totalidade da economia russa. “Ninguém pensou em tal escala”, salientam elementos do Kremlin, já que, no início da invasão, o Kremlin nunca pensou que a União Europeia (UE) pudesse aplicar medidas tão severas contra a economia russa.
Vladimir Putin está empenhado em tranquilizar os empresários, associando as dificuldades económicas à pandemia e à crise que o contexto sanitário provocou nos últimos dois anos. De acordo com o Meduza, o Presidente russo justificou a queda de atividade na área construção civil a Anton Alikhanov, governador de Kaliningrado, com “a recessão em 2020 e 2021”: “Uma operação militar especial em Donbass não tem absolutamente nada a ver com isso”, terá assegurado o líder russo.
Por sua parte, os serviços secretos russos condenam a falta de força da operação militar. “Uma vez envolvidos, é impossível abrir a mão” da Ucrânia, sinaliza fonte do Kremlin ao Meduza, sublinhando que é preciso agir “com mais força” na guerra. Dito doutro modo, os serviços de informação defendem uma mobilização das reservas das forças armadas russas até obter um “vitória” final — que incluiria, inclusivamente, a tomada de Kiev.
Porém, o Presidente da Rússia não quererá uma mobilização total das tropas e, para defender essa posição, Putin apoia-se em algumas sondagens que revelam que a população russa não está disposta a aceitar esta imposição, que obrigaria a enviar muitos familiares para a frente de guerra.
Quem são os possíveis sucessores de Putin?
Em cima da mesa, e sem qualquer ordem de preferência, estão três nomes, apurou o jornal independente russo: o autarca de Moscovo, Sergei Sobyanin, o vice-presidente do Conselho de Segurança, ex-Presidente e ex-primeiro-ministro da Rússia, Dmitry Medvedev, e o também vice-chefe de administração presidencial russa e ex-primeiro-ministro russo, Sergei Kiriyenko.
Todos estes nomes estão bastantes próximos de Vladimir Putin, principalmente Sergei Kiriyenko, que mantido o líder russo informado sobre os desenvolvimentos da operação em Donbass. Não é ainda claro se o vice-chefe de administração presidencial russa pretende assumir o cargo presidencial, mas é considerado um braço-direito principalmente no que concerne às operações militares.
Já Dmitry Medvedev tem experiência no cargo de Presidente — já o exerceu entre 2008 e 2012. O atual vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia tem sido um dos porta-vozes do Kremlin durante a operação militar. Ainda esta terça-feira, um dos principais aliados de Vladimir Putin divulgou que Moscovo rejeita o plano de paz proposto por Itália, dizendo ser um “delírio” Donbass regressar à soberania ucraniana, assim como a Crimeia — uma posição assumida ao mesmo tempo que Kiev recusa ceder “um centímetro” de território ucraniano e quando a retórica aponta para o objetivo de recuperar, inclusive, a Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.
O nome de Sergei Sobyanin também já não é novo nos corredores do Kremlin. Ocupa, neste momento, um dos principais cargos na política regional russa e é dono de meios de comunicação social russos. Considerado um dos homens mais influentes no país, Andrei Pertsev, especialista do think tank do Carnegie Moscow Center, nota ao Político que o autarca de Moscovo é inclusive mais “amado em outras regiões que em Moscovo”.
Os planos de sucessão de Vladimir Putin não saem da esfera da elite russa, que entende que o Presidente russo só deve ser substituído caso a sua saúde piore de forma drástica.
Há alguns sinais de que o estado de saúde do Presidente russo se tem agravado, mas nunca houve uma confirmação oficial por parte do Kremlin. Além de raramente ser visto em público desde o início da invasão à Ucrânia, especula-se que Vladimir Putin possa sofrer de cancro na tiroide. Do lado de Kiev, o chefe dos serviços de informações militares ucranianas, Kyrylo Budanov, assegurou que o chefe de Estado russo está “muito doente” com cancro: “Está numa condição física e psicológica muito má.”
Chefe da secreta militar ucraniana assegura: Vladimir Putin “está muito doente” com cancro
Quais são, por agora, os planos de Putin?
Embora o clima de conspiração paire sobre o Kremlin, o círculo mais próximo (e cada vez mais reduzido) de Vladimir Putin continua a querer levar a cabo os seus planos para a Ucrânia. O Presidente russo planeia fazer referendos sobre uma possível adesão à Rússia nas duas autoproclamadas repúblicas de Donbass — Donetsk e Lugansk — e também em Kherson. Ainda não há uma previsão oficial para quando se realizará a votação, mas o jornal russo Meduza apurou que a data mais provável é a de 11 de setembro, ainda que essa possibilidade dependa da evolução da “operação militar”.
O Presidente russo não tem planos apenas para a Ucrânia. De acordo com o mesmo jornal, a Rússia também estará atenta ao referendo na região separatista da Geórgia, a Ossétia do Sul, para a integração na Federação Russa, marcado para 17 de julho.
Há ainda uma hipótese de outro referendo que poderá aumentar a tensão na Europa — a integração da Bielorrússia na Federação Russa. Ao que o Meduza conseguiu apurar, o Presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, estará a tentar evitar que tal cenário aconteça, preferindo manter a independência do país.
Poderá Donbass ser um balão de oxigénio para Putin?
No início de abril, as tropas russas retiraram-se da zona norte da Ucrânia — abdicando de uma tentativa de controlo da capital Kiev, depois de serem repelidos pela resistência adversária — e focaram-se na conquista de Donbass, a região mais a leste na Ucrânia. Mas o conflito não dá sinais de poder terminar em breve. Ainda esta terça-feira, o porta-voz do Ministério da Defesa ucraniano, Oleksandr Motuzyanyk, reconheceu que a invasão russa “está na sua fase mais ativa”.
Também o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, avisou, no seu discurso ao país de segunda-feira, que que as próximas semanas do conflitos serão “difíceis”. “Devemos estar conscientes disso”, alertou, garantindo que a Ucrânia não tem outra alternativa “a não ser lutar”.
Três meses depois, a leste nada de novo. “Guerra de desgaste” no Donbass será longa e sangrenta
O próprio ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, considera que a ofensiva em Donbass é uma “batalha cruel”, a “maior em solo europeu desde a II Guerra Mundial”.
Too early to conclude that Ukraine already has all the arms it needs. Russian offensive in the Donbas is a ruthless battle, the largest one on European soil since WWII. I urge partners to speed up deliveries of weapons and ammunition, especially MLRS, long-range artillery, APCs.
— Dmytro Kuleba (@DmytroKuleba) May 24, 2022
Apesar de a ofensiva estar em andamento na região de Donbass, um responsável da Casa Branca previu que será uma “guerra muito lenta e feia, na qual as linhas da frente não se irão mover durante semanas”. No entanto, se se provar a vitória russa nesta região, é provável que Vladimir Putin possa ter um argumento para silenciar os críticos internos — pelo menos temporariamente.