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Vladimir Putin (à esquerda) e Gerhard Schröder (à direita) são amigos pessoais, sendo que o ex-chanceler alemão tem cargos importantes nas maiores empresas energéticas russas
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Vladimir Putin (à esquerda) e Gerhard Schröder (à direita) são amigos pessoais, sendo que o ex-chanceler alemão tem cargos importantes nas maiores empresas energéticas russas

Vladimir Putin (à esquerda) e Gerhard Schröder (à direita) são amigos pessoais, sendo que o ex-chanceler alemão tem cargos importantes nas maiores empresas energéticas russas

Schroederization. Ex-chanceler alemão pode vir a ser alvo de sanções económicas?

Gerhard Schröder está a resistir à pressão da Alemanha em peso para se demitir de empresas russas. Mas pode mesmo ficar com todos os seus ativos congelados e ser expulso do SPD?

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“Schroederization”. Não é um palavrão mas parece. Na realidade, é todo um conceito que na Alemanha significa a corrupção da elite política por direta inspiração do ex-chanceler Gerhard Schröder e das suas ligações diretas a Vladimir Putin e às poderosas empresas energética russas Rosneft e Gazprom.

Tanto que, além da enorme pressão da opinião pública alemã que levou o atual chanceler Olaf Scholz a afirmar esta quinta-feira que Schröder deve “desistir dos cargos que ocupa” na empresa que gere o gasoduto Nordstream e na Rosneft (e que não venha a ocupar um futuro cargo já prometido na Gazprom), há quem defenda que o ex-chanceler deve ser alvo de sanções económicas pelas suas ligações diretas a Putin. O que, a acontecer, poderia levar ao congelamento de todo o seu património.

Ligações à Rússia expulsam ex-chanceler Gerhard Schröder do Borussia Dortmund

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Será que um cidadão europeu (alemão ou outro) pode ser alvo das sanções económicas? Tal decisão política poderá ter cabimento nas exigências constitucionais que cada estado europeu defende? E seria comportável tal embaraço diplomático (um ex-chanceler ser alvo de sanções) para a Alemanha, cujo Governo é agora liderado pelo partido de Gerhard Schröder?

O cavalo de Tróia de Putin na Europa

Antes de mais, o contexto sobre as ligações de Gerhard Schröder à Rússia. Em terras germânicas, Schröder é a cara perfeita das incompatibilidades e conflitos de interesse entre a vida política e empresarial. Exemplo? Fez tudo enquanto chanceler para aprovar a construção dos dois famosos gasodutos germano-russos Nordstream até sair do governo em 2005, tendo sido nomeado um ano depois chairman do comité de acionistas da empresa que gere o Nordstream 1 e 2.

Em 2017 passou a ser chairman da conselho de supervisão da Rosneft, a principal petrolífera russa, e finalmente há um mês foi indicado para o Conselho de Administração da Gazprom — a empresa de gás que detém 51% do Nordstream.

E tudo porquê? Porque é um grande amigo de Vladimir Puttin — que chegou a participar na napoleónica festa em São Petersburgo em abril de 2014 por ocasião do 70.º aniversário de Schröder. A festa decorreu no Palácio de Yusupov (também conhecido por Palácio Moika, celebrizado por ter sido o local do assassinato de Grigori Rasputin) e há uma célebre fotografia em que Schröder e Putin trocam um apertado abraço à saída do carro do autocrata russo. “O abraço ao urso”, titulou a imprensa alemã.

Gerhard Schröder é um grande amigo de Vladimir Puttin — que chegou a participar na napoleónica festa em São Petersburgo em abril de 2014 por ocasião do 70.º aniversário do ex-chanceler. A festa decorreu no Palácio de Yusupov (também conhecido por Palácio Moika, celebrizado por ter sido o local do assassinato de Grigori Rasputin) e há uma célebre fotografia em que Schröder e Putin trocam um apertado abraço à saída do carro do autocrata russo. "O abraço ao urso", titulou a imprensa alemã.

A festa assumiu contornos de escândalo na Alemanha porque precisamente na mesma altura estavam ilegamente detidos em Donbass três militares alemães que tinham sido feitos reféns pelas forças separatistas pró-russas quando eram simples observadores diplomáticos no terreno. “Os nossos rapazes estão a pão e água na prisão enquanto Schröder celebra com champanhe e caviar num palácio”, afirmou então Andreas Scheuer, secretário-geral do CSU, o partido-irmão bávaro da CDU de Angela Merkel.

Por tudo isto, um jornalista e colunista do Wall Street Journal chegou a apelidá-lo de “cavalo de Tróia de um homem só contra todos os compromissos da União Europeia para conter a alavancagem energética russa”.

Esta quinta-feira, numa entrevista à estação pública, o chanceler Olaf Scholz (do SPD, o mesmo partido de Gerhard Schröder) não podia ter sido mais claro: “Não é correto que Gerhard Schröder mantenha esses cargos. Penso que seria correto que desistisse dos mesmos. As suas obrigações não acabaram com o final dos seus mandatos de líder do governo” afirmou, acrescentando em tom de aviso que espera que os seus antigos aliados políticos consigam convencê-lo “a reconsiderar as decisões que tomou no passado”.

Antigo chanceler alemão Gerhard Schröder candidato à administração da Gazprom

Não é a primeira vez que se coloca a hipótese de Gerhard Schröder ser alvo de sanções. Logo em 2014, com a anexação da Crimeia por parte da Rússia de Putin, colocou-se essa hipótese. Mas o governo de Angela Merker não deu luz verde para que tal acontecesse.

Apesar de toda a pressão de opinião pública alemã, Gerhard Schröder mantém-se entricheirado na sua posição irredutível. Por exemplo, Matteo Renzi (ex-primeiro-ministro italiano próximo de António Costa) demitiu-se do cargo de administrador da Delimobil (uma empresa russa de car-sharing), Esko Aho (ex-primeiro-ministro finlandês afastou-se da direção do Sberbank, o maior banco russo) e Christian Kern (ex-chanceler austríaco) apresentou a resignação enquanto administrador da empresa pública ferroviária russa, a RZD. François Fillon, ex-primeiro-ministro francês, renunciou um dia depois à administração da petrolífera Zarubezhneft e da petroquímica Sibur.

Vladimir Putin (à direita) a dançar com a noiva Karin Kneissl, ex-ministra dos Negócios Estrangeiros da Áustria e administradora da petrolífera Rosneft. Fotografia: www.kremlin.ru.

Schröder optou por não seguir estes passos e mantém-se em silêncio no seu apartamento de Hanôver. O mesmo fez o ex-chanceler austríaco Wolfgang Schüssel, que também não desiste do seu cargo na administração da Lukoil, a segunda petrolífera russa, atrás da Rosneft. O mesmo se diga de Karin Kneissl, administradora da Rosneft, que teve o ‘privilégio’ de ter Vladimir Putin como convidado de honra no seu casamento em 2018.

Primeiro obstáculo para as sanções a Schröder: o setor energético foi excluído

A imposição de sanções económicas a determinadas empresas e cidadãos têm uma consequência: todo o património dessa entidade coletiva ou individual, é automaticamente congelada. Sejam contas bancárias, seja património imobiliário, mobiliário (ações, obrigações, etc.) ou de outra índole (carros e arte, por exemplo).

O primeiro obstáculo à imposição de sanções a Gerhard Schröder é simples: devido à dependência que a Europa Central, nomeadamente a Alemanha, tem em relação ao gás russo, o setor energético ficou fora das sanções económicas até ao momento. Logo, como Schröder apenas ocupa cargos em empresas de energia, essa foi a primeira barreira.

Teresa Violante, investigadora da universidade alemã FAU Erlangen-Nurnberg, confirma essa ideia, acrescentando que “ainda não estamos nesse patamar [sanções económicas]” devido à exclusão do setor energético. Politicamente, é importante salientar que o veemente apelo público feito pelo chanceler Scholz para que renunciasse a todos os cargos e ligações empresariais que mantém com o regime russo”.

"É mais difícil que a Governo alemão se oponha neste momento pois a própria opinião pública interna está chocada com o comportamento do ex-chanceler de continuar a apoiar Putin e o seu regime."
Miguel Poiares Maduro, professor de Direito Europeu

Miguel Poiares Maduro, ex-ministro adjunto de Passos Coelho e professor de Direito Europeu, “explica que esse não pode ser um obstáculo, visto que esse é um argumento político, que “não justifica legal ou moralmente” as sanções económicas aplicadas. “A justificação que o próprio Regulamento [da decisão do Conselho Europeu sobre as sanções] invoca está ligada com o suporte ao regime e agressão militar. Ora não há qualquer razão para diferenciar entre oligarcas apoiantes do regime do sector de energia ou de outros sectores”, afirma.

“Do ponto de vista político”, acrescenta, “é mais difícil que a Alemanha se oponha neste momento, pois a própria opinião pública interna está chocada com o comportamento de o ex-chanceler continuar a apoiar Putin e o seu regime”, afirma.

O embaraço sentido pelos alemães

Daniel Freund, coordenador do grupo Os Verdes no Parlamento Europeu, não tem dúvidas que de as sanções já deveriam ter sido aplicadas a Gerhard Schröder. “Do ponto de vista político, as sanções já deveriam ter sido aplicadas. É muito grave que um ex-chanceler alemão esteja ligado a alguém como Vladimir Putin que representa o oposto dos valores europeus e que tanto mal está a fazer à Ucrânia. As ligações de Schröder às empresas russas são uma vergonha e não deveriam ter acontecido”, afirma o eurodeputado alemão ao Observador.

O também eurodeputado alemão Jan-Christoph Oetjen (Grupo Liberal) alerta para outros obstáculos de eventuais sanções ao ex-chanceler. “Por exemplo, Schroeder não tem poder executivo nas empresas russas das quais faz parte. Ele é chairman [do conselho de supervisão da Rosneft] mas não faz parte do corpo executivo das empresas”. Ou seja, não toma decisões nem participa nas mesmas.

"É muito grave que um ex-chanceler alemão esteja ligado a alguém como Vladimir Putin que representa o oposto dos valores europeus e que tanto mal está a fazer à Ucrânia. As ligações de Schröder às empresas russas são uma vergonha e não deveriam ter acontecido"
Daniel Freund, eurodeputado d'Os Verdes

Oetjen, contudo, concorda que Schröder “já deveria ter renunciado. Este é claramente um tema embaraçoso para a Alemanha, pelo facto de se tratar de um ex-chanceler. Assim como é embaraçoso para a França ter François Fillon na gestão de empresas russas, também a Itália (Matteo Renzi, ex-primeiro-ministro), Áustria (Christian Kern, ex-chanceler) e Finlândia (Esko Aho, ex-primeiro-ministro). Esta é uma questão embaraçosa para a União Europeia”, afirma.

Freund recorda mesmo as últimas declarações que Schröder fez sobre a invasão da Ucrânia (sem nunca utilizar esse termos, como o PCP faz em Portugal) na rede social Linkedin em que, apesar de referir que nada justificava o uso de meios militares por parte da Rússia, falou em “muitos erros” do Ocidente e da Rússia. Antes da invasão, a 28 de janeiro, o ex-chanceler tinha criticado as “provocações” dos ucranianos quando a Rússia estava a colocar mais de 100 mil soldados nas fronteiras com a Ucrânia para invadir o país.

“Schröder fez declarações incríveis quando os russos já estavam a preparar a invasão Ucrânia. Colocar no mesmo patamar um Estado soberano que está quase a ser invadido com o seu potencial (e agora de facto) agressor é extraordinário”, afirma.

Paulo Rangel, eurodeputado e vice-presidente do PPE, diz que muitos eurodeputados “gostariam que Schröder já se tivesse demitido — o que seria expectável que já tivesse acontecido”.

Apesar de ter nascido em Hanôver, Gerhard Schröder é adepto do Dortmund (do estado da Renânia do Norte/Vestfália) desde a adolescência de forma fervorosa. O sentimento de ser expulso do seu clube de futebol não deve ser muito diferente do sentimento de um adepto português ser declarado persona non grata pelo Benfica, Sporting ou FC Porto.

A revolta dos alemães com Schröder tem levado, para já, a sanções simbólicas que correspondem, de certa forma, a um ostracismo social e político. Por exemplo, o Borussia Dortmund retirou-lhe o estatuto de sócio honorário e expulsou-o. O segundo maior clube de futebol do país (a seguir ao Bayern Munique) considerou que era “incompatível” o estatuto de sócio honorário com as suas ligações diretas à Rússia de Vladimir Putin.

Apesar de ter nascido em Hanôver (capital da Baixa Saxónia), Schröder é adepto do Dortmund (do estado da Renânia do Norte/Vestfália) desde a adolescência de forma fervorosa. O sentimento de ser expulso do seu clube de futebol não deve ser muito diferente do sentimento de um adepto português ser declarado persona non grata pelo Benfica, Sporting ou FC Porto.

Schröder arrisca-se a ser expulso do SPD

Daniel Freund diz que a pressão da opinião pública está num ponto muito elevado, o que justifica a intervenção esta quinta-feira do chanceler Olaf Schulz a solicitar diretamente a Schröder que saia das empresas russas. “Dentro do próprio SPD há várias vozes contra a sua permanência. Se Schröder não se demitir, poderá ser expulso do SPD”, afirma.

Todos os partidos alemães avisaram o ex-chanceler para saia “imediatamente” da Rosneft, Nord Stream e recuse o convite para a Gazprom. “Ele é um lobbista de um regime autocrático. Nada mais do que isso e envergonha a Alemanha por isso”, diz Freund.

Lars Klingbeil e Saskia Esken, a liderança bicéfala do SPD eleita em dezembro de 2021, escreveu uma carta formal a Schröder para que renuncie com efeitos imediatos das empresas russas.

No início da semana, o escritório de Heidelberg do SPD iniciou um processo de expulsão de Schröder. O chanceler Scholz também manifestou disponibilidade para aprovar uma alteração legislativa que permita a retirada dos benefícios atribuídos a Schröder enquanto ex-chanceler.

“A questão evoluiu muito no SPD nos últimos dias. No início da semana, o escritório de Heidelberg do SPD iniciou um processo de expulsão do senhor Schröder. O chanceler Scholz já sinalizou disponibilidade para discutir, no Bundestag, uma alteração legislativa no sentido de retirar os benefícios de que ele goza enquanto ex-chanceler, designadamente ao nível de apoio e assessoria, pois entende que o dinheiro dos contribuintes alemães não deve servir para, indiretamente, promover o trabalho junto do regime russo”, explica Teresa Violante. Para agravar a sensação de isolamento de Schröder, o seu chefe de gabinete de há mais de 20 anos demitiu-se em protesto contra a ausência de um sinal de afastamento da Rússia de Putin.

“Não creio que o SPD venha a oferecer uma resistência interna decisiva à existência de sanções. Contudo, politicamente, é muito melindroso para a Alemanha aceitar que um ex-chanceler venha a ser colocado nessa situação”, conclui a constitucionalista que acompanha de perto a vida política alemã.

Qualquer cidadão europeu pode mesmo ser alvo de sanções?

Paulo Rangel não tem dúvidas que as “razões para aplicar sanções económicas aos oligarcas russos são extensíveis” a todos os cidadãos europeus que tenham ligações diretas ao poder económico, financeiro e político do regime de Vladimir Putin.

Miguel Poiares Maduro concorda, reforçando mesmo essa ideia: “Repito o que disse: legal e moralmente, não se deve discriminar entre oligarcas que colaborem com o regime, sejam russos ou alemães, social-democratas ou conservadores”. Na visão de Poiares Maduro, essa é uma “discriminação, sem justificação, que pode facilitar a esses oligarcas vir a contestar a medida em tribunal. A União Europeia devia eliminar tal discriminação e sancionar todos os oligarcas que apoiem o regime, independentemente dos sectores económicos em que operem”, conclui.

"Os cidadãos europeus podem vir a estar sujeitos a sanções económico. Mas cada Estado-Membro terá de verificar se as sanções aplicadas aos seus nacionais estão em conformidade com a legislação nacional".
Jan-Christoph Oetjen, eurodeputado liberal

O eurodeputado Jan-Christoph Oetjen diz ao Observador que “os cidadãos europeus podem vir a estar sujeitos a sanções económicas” mas, acrescenta, que “cada Estado-Membro terá de verificar se as sanções aplicadas aos seus nacionais estão em conformidade com a legislação nacional”.

É precisamente para este plano que Teresa Violante deixa um forte alerta, nomeadamente em termos constitucionais. “Uma medida restritiva aplicada ao senhor Schröder, por exemplo, com grande facilidade desencadearia a intervenção do Tribunal Constitucional Federal alemão, que poderia entrar em diálogo com o Tribunal Europeu de Justiça”, afirma.

Violante recorda, aliás, que há um “histórico de atritos” entre o Tribunal Constitucional alemão e o Tribunal Europeu de Justiça em matéria de integração europeia. “E há passos ousados que estão a ser dados no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum [no âmbito do qual estão a ser aplicadas as sanções económicas] nos últimos dias. Nem todos, creio, estão ainda devidamente habilitados pelos Tratados Europeus. No passado, esta foi uma questão sensível para o Tribunal Constitucional alemão, a propósito da política monetária do BCE”, enfatiza a constitucionalista.

Num momento em que as sanções económicas não param de crescer (um novo pacote foi anunciado esta sexta-feira ainda circunscrito a entidades russas), parece inevitável que as sanções económicas terão de abranger também cidadãos europeus que tenham ligações à Rússia.

Mais do que isso, a Europa precisa de se defender de casos com o de Gerhard Schröder. “Temos de ter um regime de incompatibilidades a nível da União Europeia. Não é normal vermos políticos europeus a passarem de cargos executivos para cargos empresariais ou para posição de lobbying. Isso provoca danos à democracia e temos de lutar contra isso através de alterações legais”, afirma Daniel Freund.

Acrescentada informação sobre demissão do chefe de gabinete de Gerhard Schröder no dia 7 de março, às 15h55

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