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Tyre Extinguishers ativistas dos pneus
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Grupo parece funcionar de forma inorgânica e apresenta registo de ações realizadas em quase duas dezenas de países ao longo do último ano

Grupo parece funcionar de forma inorgânica e apresenta registo de ações realizadas em quase duas dezenas de países ao longo do último ano

Sofia e Raquel entre centenas de vítimas, a "lista negra" e o manual de ação. Grupo que esvazia pneus de SUVs chegou (oficialmente) a Lisboa

Dizem agir em defesa do clima. Apresentam um registo com centenas de carros atingidos ao longo do último ano pela Europa e EUA. Querem recrutar novos seguidores e prometem mais ações em Portugal.

Na manhã da última quarta-feira, Sofia Araújo saiu de casa com o seu filho de dois meses para ir ao hospital, para uma consulta. Mas quando chegou ao carro — um Volkswagen Tiguan, híbrido — percebeu que os dois pneus do lado do condutor estavam em baixo. A situação era estranha, mas Sofia não demorou muito a perceber o que tinha acontecido. No puxador da porta do condutor, uma folha branca, em tamanho A5, dava-lhe a explicação: “Esvaziámos um ou mais dos teus pneus”, leu no primeiro dos oito parágrafos do mesmo papel em que os autores daquela ação se justificavam com o “desastre para o clima” que os SUV’s, como o seu, significavam para o ambiente. No final, a assinatura: “The Tyre Extinguishers.”

Sofia tinha sido uma das várias vítimas de um grupo internacional, aparentemente inorgânico, mas que tem realizado centenas de ações contra carros que, defende o grupo, são um atentado contra o ambiente. Um grupo que, ao longo dos meses, parece ter profissionalizado as suas ações e que, além de uma ‘lista negra’ de carros a atingir com as suas ações, também disponibiliza uma manual de instruções completo para todos aqueles que pretendam replicar estes atos.

Ativistas pelo clima esvaziam pneus a carros SUV, prometem mais “ações em Portugal” e dão “lista negra” de marcas e modelos

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Ali, à volta do seu carro, Sofia não viu nada nem ninguém suspeito. Mas não foi caso único naquela zona. Só nas ruas à volta de sua casa, no centro de Lisboa, contou rapidamente mais uma dezena de carros na mesma situação — “tudo carros grandes, um era uma pickup” (precisamente o jipe Mitsubishi Pajero azul, cuja imagem tem estado a ser partilhada múltiplas vezes nas redes sociais desde essa manhã). “Só na minha rua havia pelo menos mais uns cinco”, conta ao Observador.

Ouça aqui a posição da Zero à Rádio Observador sobre esta ação.

Pneus esvaziados pelo clima. Zero fala em “exagero e abuso”

Impossibilitada de seguir para o hospital no seu próprio carro, e para não perder a consulta do filho recém-nascido, Sofia chamou um Uber e arrancou. Só quando voltou a casa, algumas horas mais tarde, conseguiu levar o carro à oficina. Confirmava-se: os pneus tinham sido esvaziados, mas não apresentavam qualquer dano. O resto do carro também não tinha sido danificado. Tinha sido uma ação cirúrgica, realizada por um grupo que, pelas informações disponíveis online, tem desencadeado dezenas de ações iguais em cidades espalhadas pelos Estados Unidos e Europa— do Reino Unido à Bélgica, França, Espanha, Alemanha, Chéquia, Países Baixos, Escócia, Itália, entre outros. E, agora (assumidamente, pelo menos), Portugal.

No comunicado que tornou público depois dos ataques de quarta-feira, os “Tyre Extinguishers” (ou “Extintores de Pneus”, numa tradução livre) dizem ter desencadeado ações “pelo clima” em 18 países diferentes ao longo dos últimos meses. No grupo Telegram que vão alimentando com imagens e descrições das ações realizadas, contam-se centenas de carros alvo do mesmo ato.

A propaganda no Telegram

Numa curta troca de mensagens com o Observador, através do Twitter, os responsáveis do grupo nunca chegam a identificar-se. Ao pedido de esclarecimentos sobre quem são os seus membros, como nasceu o grupo ou como se organizam nos vários (18, segundo os próprios) países onde dizem ter marcado presença, remetem sempre para as informações que constam do seu site e onde dão informações úteis a interessados em multiplicar ações como aquelas que vários lisboetas testemunharam diretamente na manhã desta quarta-feira. Mas também garantem que “esta será a primeira de muitas ações em Portugal” e encorajam “todos os que se queiram juntar e tornar os SUVs parte do passado”.

Ao final da manhã, nessa mesma conta Twitter, já era possível encontrar um tweet sobre a ação conduzida na capital. “Chegam relatos de condutores incomodados por não poderem usar os seus gigantescos tanques em Lisboa. Oh, não! Bem-vindo à diversão, Portugal!”, lê-se nessa publicação.

No Telegram, os “Tyre Extinguishers” dinamizam outro grupo, criado em julho de 2021 e que só a partir de setembro desse ano assumiu o nome oficial que mantém atualmente (o nome com que assinam as suas ações). Mas só depois de março do ano passado aquele canal foi partilhando, de forma ativa e recorrente, os resultados das ações que têm sido desencadeadas em múltiplos países europeus e nos EUA.

[Ouça aqui o segundo episódio do podcast “Piratinha do Ar”, a história real do miúdo de 16 anos que sequestrou um avião da TAP com 82 passageiros a bordo. Se perdeu o primeiro episódio, pode encontrá-lo aqui]

O primeiro registo é de 8 de março, e nessa mensagem anunciam-se ações em “dezenas de SUVs” na noite anterior em pelo menos 13 cidades e locais diferentes do Reino Unido, de Chelsea a Hampstead Heath, Notting Hill, Bristol, Cambridge ou Liverpool. Logo na mensagem seguinte, o grupo vangloria-se da repercussão mediática que as suas ações conseguiram gerar. “Que arranque! Coberturas em: BBC, ITV, The Independent, The Times, Daily Mail, The Sun, The Star, Press Association, LBC, imensos jornais locais e mais a caminho!” E o incentivo à ação aparentemente inorgânica: “Agora que começámos, os grupos locais podem realizar as suas próprias ações em qualquer momento, em qualquer lugar — continuem! Juntos, podemos tornar os SUVs parte do passado.”

Seguem-se dezenas de publicações com a mesma informação, sempre com referência aos locais onde foram realizadas as últimas ações de elementos que se identificam com o grupo. E a partilha de artigos de jornais ou peças televisivas em que o grupo é mencionada. E o apelo à ação.

Numa publicação, a 7 de setembro, o grupo alega terem sido atingidos (só nessa noite) 600 SUVs em nove países diferentes, “exatamente dois meses antes da COP27 [a cimeira mundial do clima] e seis meses depois de ter sido lançado o Tyre Extinguishers”, sinaliza-se.

“Disseram-me que não valia a pena apresentar queixa”

Já na tarde de quarta-feira, e apesar de não ter informações sobre suspeitos concretos contra quem apresentar queixa, Sofia estava decidida a não deixar o caso morrer por ali. Dirigiu-se à esquadra da PSP de Entrecampos (no Campo Grande) e contou o que se tinha passado. Queria formalizar uma queixa. A resposta que ouviu não a deixou satisfeita.

“Começaram por dizer-me que não valia a pena apresentar queixa, porque [aquilo que lhe tinham feito] não é um crime, só seria se me tivessem danificado os pneus ou estragado a viatura”, o que não aconteceu. Sofia insistiu. “Então, disseram-me que podia formalizar a denúncia e que enquadrariam como tratando-se de um ‘comportamento inadequado’. E acabou por ficar tudo registado.”

No comunicado que enviou ao Observador, porém, a PSP refere que “até ao momento [ao final da manhã desta quinta-feira], não foi registada denúncia formal decorrente desta situação”. Mas a mesma resposta ao pedido de esclarecimentos parece indicar que ações do mesmo género já eram do conhecimento daquela força de segurança. “Os casos conhecidos deste tipo de ativismo em Portugal têm revestido o ato de esvaziar os pneumáticos de viaturas, sem os inutilizar ou danificar, pelo que não constitui necessariamente um crime, nomeadamente de dano”,

Nos minutos que passou na esquadra, Sofia diz ter percebido, pelo diálogo com os agentes que receberam a sua denúncia, que ela não era a primeira a chegar ali com o mesmo caso para contar. “Disseram-me que, de manhã, alguém já tinha tentado apresentar queixa e que pessoa foi lá reportar mas não fez queixa porque lhe explicaram o mesmo”, ou seja, que não havendo registo de danos a ação não teria consequências práticas.

Mas, nessa mesma conversa, Sofia também recolheu outra informação: “Já existe, internacionalmente, uma ação da policia de recolher denúncias para, algum dia, avançarem com uma ação civil.” Os contornos dessa ação, e que países já estão a colaborar na recolha das denúncias, não conseguiu perceber. De qualquer forma, em relação ao seu caso, não tem grandes esperanças de que haja grandes consequências. “Acho que já não vai cair no vazio, mas sei que não vão andar aqui atrás de ninguém” para chegar aos autores daquela ação, desabafa.

“Primeira de muitas ações em Portugal” — mas com ‘cadastro’ em Lisboa

A frase tinha contornos de ameaça. O comunicado dos “Tyrre Extinguishers” sobre a ação em Lisboa deixava claro que o que aconteceu na quarta-feira (possivelmente, nessa madrugada, ainda que não haja qualquer indicação clara da hora a que os carros possam ter sido atacados) foi “a primeira de muitas ações em Portugal”. Logo a seguir, o grupo convocava à adesão de mais “ativistas” para ações futuras. “Incentivamos toda a gente a juntar-se a nós na missão de tornar os SUV uma coisa do passado.”

Só que este não terá sido o primeiro ato do grupo em território nacional. Sem que alguma vez tenha sido reclamado nas redes sociais dos “Tyre Extinguishers”, o Observador sabe que, em janeiro deste ano, já tinha havido atos em tudo idênticos aos desta semana.

Depois de um evento numa galeria de arte na zona das Amoreiras, também em Lisboa, Raquel Rocheta dirigiu-se ao seu carro. Seria cerca da uma da manhã. Sem se aperceber de qualquer problema, a gestora de alojamentos locais — e ex-apresentadora de televisão — sentou-se ao volante e iniciou a viagem em direção ao Largo do Rato. Mas ainda só tinha percorrido algumas centenas de metros quando se deu conta de que algo não estava bem com o jipe, um BMW X1. “Acabei por sentir alguma instabilidade e achei que o pneu estava furado, nem pus hipótese de que tivesse sido esvaziado, foi uma grande novidade para mim.”

Chamou o reboque, esperou uma hora e meia — a cidade ainda estava a lidar com as cheias desses dias e os pedidos de assistência multiplicavam-se — e foi nesse momento, quando o condutor do reboque estava a recolher imagens para o relatório daquele serviço, que o homem se deu conta de um papel colocado no parabrisas. “Era uma folha A5, dobradinha, quase escondida”, com um texto escrito em português do Brasil. Mas a mensagem estava lá: críticas aos “sugadores de gasolina” que “matam” e que são um atentado contra o clima, mas não só. “Fizemos isto porque conduzir este veículo gigante em áreas urbanas tem consequências imensas para as outras pessoas.”

Raquel não apresentou queixa. Mas quis saber mais sobre este grupo e foi à procura de informações.

A lista negra e o manual de instruções para novos ataques

Land Rover Discovery, Volvo, Jeep, Nissan, Toyota. A lista não é extensa, mas está longe de ser exaustiva para que os carros na via pública se qualifiquem como potenciais alvos dos “Tyre Extinguishers” (isso mesmo fica claro pelos registos partilhados nas últimas horas nas redes sociais por condutores alvo destes “ativistas pelo clima”).

No site do grupo, entre explicações sobre o que os leva a praticar estes atos, panfletos e autocolantes que podem ser impressos e depois colocados nos carros atingidos e links para os grupos que alimentam nas redes sociais, estes ativistas também ensinam a “detetar um SUV e 4×4”. Estes carros “são fáceis de reconhecer porque são muito maiores que os carros habituais, circulando [num nível] acima dos restantes e ocupando um enorme espaço” nas ruas. Entre as “características comuns” destes carros, apontam os responsáveis do grupo, estão “uma grande distância entre o solo e o chassis do carro”, uma altura “maior que os outros carros” e os “pneus de maiores dimensões que o normal”.

A ‘pedagogia’ ativista não se esgota aqui. Noutra secção do site, os promotores descrevem a forma mais eficaz de esvaziar um pneu (e até disponibilizam um link para um vídeo com instruções práticas aos interessados). “O nosso objetivo é garantir que se torna impossível possuir um gigante 4×4 poluente nas zonas urbanas do mundo. Para isso, precisamos de pessoas que esvaziem os pneus dos 4×4, semana após semana…”

O grupo garante que “é rápido, fácil e qualquer pessoa pode participar”. Basta que comece por imprimir os tais panfletos — onde consta a mensagem que Sofia, Raquel e outras vítimas puderam ler, pendurados nos puxadores da porta e no parabrisas.

Segundo o grupo, basta seguir sete passos.

Autocolante que o grupo disponibiliza aos seus seguidores para que possam imprimir e usar

Primeiro, “localizar um SUV”. E isso, garantem, nem exige grandes esforços nas grandes cidades e zonas urbanas. “Façam alvo às áreas da classe média.”; segundo, “desenroscar a tampa do pipo” do pneu — “lembrem-se: direita-apertar, esquerda-desapertar”. A descrição dos restantes passos prossegue com um ainda maior nível de detalhe. No total, todo o processo, dizem, deve demorar cerca de 10 segundos.

Os passos seguintes são, basicamente, uma indicação para que os ‘ativistas’ levem o panfleto impresso e para que o coloquem numa zona que permita ao condutor perceber que o carro não pode ser utilizado, que alertem, de forma anónima, a comunicação social para as suas ações — “pode usar um serviço de email seguro e gratuito como o Protonmail ou o Tutanota —, façam um relatório para o próprio grupo e, no final, o apelo: “Repitam, repitam, repitam.”

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