Um grande passo para Elon Musk e, nas palavras do próprio, “um grande dia para o futuro da humanidade como uma civilização espacial.” A nave Starship da Space X completou esta semana uma volta em torno do globo e resistiu a uma reentrada ardente na atmosfera terrestre, num teste em que superou vários marcos. É um passo que, sublinhou o administrador da NASA, deixa a humanidade mais perto de regressar à Lua e de um dia chegar a Marte.
O astrónomo José Augusto Matos considera que esse é um objetivo “ambicioso” e ainda distante, apesar de descrever o lançamento desta quinta-feira como um sucesso e de se referir ao modelo da Starship como “revolucionário”. “Eu diria que é preciso alguma calma, especialmente quando falamos de Marte, embora a Space X seja muito festivaleira e anuncie essas e muitas coisas”, diz ao Observador.
— Elon Musk (@elonmusk) June 6, 2024
A empresa, outrora vista como jovem e imprudente — a perceção inicial era a de que eram “cowboys” e “perigosos”, nas palavras do astronauta Garrett Reisman —, ainda tem caminho a fazer, mas também já tem muitos motivos para celebrar.
O Starship é o veículo espacial mais potente do mundo. Acoplados, a nave, com o mesmo nome, e o propulsor Super Heavy têm 121 metros de altura — superam o Santuário do Cristo-Rei, em Almada, ou a Estátua da Liberdade, em Nova Iorque. Os 33 motores na sua base alcançam um valor de 74 meganewtons, quando o maior foguete da NASA produz apenas 39 meganewtons. “A Space X apostou numa coisa completamente nova e podemos dizer que está a ganhar”, sublinha José Augusto Matos.
Afinal, à quarta é que é de vez. O que correu bem e o que falhou no quarto teste da Space X?
Testar cedo, destruir, aprender. O mantra de Elon Musk e da Space X está a dar frutos e o mais recente lançamento da Starship é prova disso. Depois de dois testes que resultaram em explosões aparatosas e um terceiro que, apesar de conseguir pôr a Starship na órbita terrestre, falhou na aterragem, não faltam motivos de celebração. “Apesar da perda de muitas peças e de uma asa danificada, a Starship conseguiu um pouso suave no oceano“, congratulou-se Elon Musk numa publicação na rede social X (antigo Twitter), descrevendo uma “conquista épica”.
This is how big Starship is at scale pic.twitter.com/lu0foBmF9e
— Teslaconomics (@Teslaconomics) June 6, 2024
Esta quinta-feira, todos os olhares estiveram voltados para a base privada da Space X em Boca Chica (estado norte-americano do Texas), onde uma pequena multidão de curiosos se juntou para testemunhar o que poderia revelar-se um fracasso ou sucesso. As expectativas eram elevadas. “É como ter todos os teus aniversários num só”, dizia ao New York Times um norte-americano que fez questão de ver em primeira mão pela quarta vez um lançamento da Starship.
Na memória ainda trazia frescas as três tentativas anteriores, que não correram exatamente como a Space X previa. O primeiro teste, em abril de 2023, acabou com vários motores a falhar, levando a equipa a provocar a explosão deliberada da Starship ao fim de quatro minutos. O segundo voo, em novembro do mesmo ano, durou o dobro do tempo, mas também acabou em chamas. Nada que tenha demovido o fundador da empresa, que chegou a descrever os testes como um “êxito”, na medida em que as falhas ajudam a empresa a implementar novas soluções para alcançar melhores resultados.
Explodir um foguete é um sucesso ou um fracasso? Para Elon Musk é um êxito e aprende muito com isso
No último teste, em março deste ano, a Starship alcançou a velocidade necessária para entrar em órbita — tipicamente, é necessário atingir pelo menos os 28 mil km/h. Conduziu também um teste bem sucedido para movimentar propelente de um tanque da nave para outro. A demonstração revelou-se essencial para testar como a Starship poderá ser reabastecida em órbita em missões futuras. E se é verdade que durante a reentrada a equipa perdeu contacto com a Starship, que explodiu pela terceira vez consecutiva, é certo que a empresa não esperava recuperá-la depois do teste.
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No quarto lançamento, as diretrizes eram outras. Semanas antes, Elon Musk escrevia no X, rede social de que é dono, que o principal objetivo era “passar pelo aquecimento máximo na reentrada.” Tradução: desta vez queria assegurar que não ardia. Na sua página, a empresa também tinha deixado claras as suas expectativas: percorrer uma distância mais longa do que nos testes anteriores e demonstrar as capacidades enquanto sistema de transporte reutilizável.
Houve vários feitos a celebrar. Desde logo, o facto de a cápsula Starship ter sobrevivido à fase de reentrada na atmosfera da Terra, durante a qual gerou temperaturas de até três mil graus Fahrenheit. Depois de uma hora e cinco minutos de voo, tendo no processo alcançado uma altitude máxima de 160 quilómetros, a nave amarou de forma controlada no oceano Índico, a oeste da Austrália.
Starship made a controlled reentry, successfully making it through the phases of peak heating and max aerodynamic pressure and demonstrating the ability to control the vehicle using its flaps while descending through the atmosphere at hypersonic speeds pic.twitter.com/p8bC9UweLx
— SpaceX (@SpaceX) June 6, 2024
Muito antes disso, a separação do módulo propulsor, o chamado Super Heavy, decorria com tranquilidade. O módulo foi capaz de realizar várias manobras previstas e pousar, pela primeira vez, no local previsto no Golfo do México — uma diferença substancial face às tentativas anteriores, que acabaram em explosões. Este é um passo fundamental já que a Space X pretende que o módulo seja capaz de regressar ao local inicial do lançamento.
Apesar do sucesso, ainda há aspetos a aperfeiçoar. Dos 33 poderosos motores Raptor que compõem o Super Heavy, um falhou no momento do lançamento, algo que, ainda assim, não o impediu de seguir viagem. Além disso, durante a reentrada na atmosfera, alguns dos cerca de 18 mil ladrilhos hexagonais projetados para proteger a Starship durante esta fase começaram a soltar-se perto do topo da nave e acabaram mesmo por partir a lente de uma das câmaras que gravava o voo. “Idealmente, esperamos que a reentrada da Starship melhore a cada voo (…). Mas se chegar ao espaço é difícil, voltar do espaço é ainda mais difícil”, notava Jessie Anderson, da SpaceX, durante a transmissão da missão em direto.
Lua, Marte e viagens turísticas. Os muitos planos da Space X
Em direção à Lua, a Marte e mais além. As ambições da Space X são claras desde há muito tempo e a Starship é uma peça chave nesse caminho. A nave foi escolhida pela agência espacial norte-americana para o programa Artemis, para levar, pela primeira vez em mais de cinco décadas, humanos à Lua. Se tudo correr de acordo com o calendário da NASA, a nave da Space X vai levar cinco astronautas até ao polo sul da Lua dentro de dois anos. “Até lá, a Space X vai ter de ter a nave 100% operacional e segura”, reforça José Augusto Matos, acrescentando que acredita que o prazo é viável.
A contagem decrescente já começou e a competição dos EUA com a China é um fator de peso. A agência espacial chinesa já deixou claro que planeia enviar astronautas para a Lua antes de 2030 e, por isso, um atraso pode significar ficar para trás na corrida. Não se pode ignorar os sucessos que o país tem tido no campo espacial, tendo recentemente sido novamente bem sucedido a pousar novamente no lado oculto da Lua. É até agora o único país com esse recorde, a que acrescentou uma missão ainda em curso para trazer pela primeira vez amostras recolhidas nesse local para a terra.
As ambições de Elon Musk para a Starship ultrapassam a Lua. O sonho é levar humanos a Marte pela primeira vez e colonizar o planeta vermelho. “Marte está a milhões de quilómetros de distância. Estamos a falar de viagens muito mais complexas, muito mais demoradas e com uma logística também mais complicada”, alerta. Até lá, a Space X ainda tem de apostar num reforço da sua rede de satélites Starlink. Um esforço em que a Starship pode vir a ser essencial, já que os próximos modelos serão maiores e mais pesados.
Com a Starship, a ideia é reduzir — e muito — os custos de acesso ao espaço, mas o modelo pode dar também um novo impulso às viagens turísticas. Apesar de ainda estar em desenvolvimento, um milionário chegou ao ponto de reservar logo em 2018 um voo privado na nave que vier a fazer uma viagem em torno da Lua, sonhando com uma experiência ainda em 2023. Ultrapassado o prazo, e a uma semana do lançamento de sucesso da Space X, Yusaku Maezawa desistiu do plano.
O projeto tornou-se “inviável”, afirmou o organizador da missão num comunicado publicado no seu site. “Sem uma certeza clara do cronograma no curto prazo, foi com pesar que Maezawa tomou a decisão inevitável de cancelar o projeto”, pode ler-se. Ainda assim, José Augusto Matos acredita que este é um programa com grande potencial turístico, uma aposta da Space X desde 2021. Para já, porém, o foco mantém-se no programa Artemis.