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O alerta para o surto de gripe das aves em Portugal, mais concretamente em Sintra, numa exploração de galinhas poedeiras, foi lançado pela Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA). Depois disso, a Direção-Geral da Saúde (DGS) revelou esta terça-feira que foi notificada da ocorrência de um foco da gripe do subtipo H5N1 em território nacional e garantiu estar a tomar medidas para o controlo e prevenção da doença.
Nos EUA foi registada a primeira morte por gripe das aves esta segunda-feira. Um homem de 65 anos, no estado do Louisiana, acabou por morrer depois de ter sido hospitalizado com sintomas respiratórios graves. Ao que se sabe, o doente apresentava problemas médicos subjacentes e tinha estado em contacto com aves doentes e mortas num bando no quintal.
Desde março, foram registadas 66 infeções confirmadas de gripe das aves nos EUA, mas as doenças anteriores foram ligeiras e, na sua maioria, detetadas entre trabalhadores agrícolas expostos a aves de capoeira ou vacas leiteiras doentes.
Em Portugal não há, até ao momento, registo de casos de infeção pelo vírus em humanos. Mas haverá motivos para preocupação? As práticas de consumo de carne de aves devem ser alteradas? E a que sintomas devemos estar atentos?
Especialistas em Saúde Pública ouvidos pelo Observador entendem que, para já, o surto identificado em Sintra deve ser tratado enquanto questão veterinária, alertando para o maior risco a que estiveram expostos os trabalhadores da exploração agrícola.
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O que é a gripe das aves?
O H5N1 é um dos vários vírus da gripe que provoca uma doença respiratória altamente infecciosa nas aves, denominada gripe aviária, de acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS). Foram igualmente “documentadas infeções em mamíferos, incluindo seres humanos”.
A linhagem deste vírus surgiu pela primeira vez em 1996 e tem vindo a causar surtos em aves desde então. Desde 2020, uma variante destes vírus provocou um número sem precedentes de mortes em aves selvagens e aves de capoeira em muitos países. Afetou primeiro a África, a Ásia e a Europa. Em 2021, o vírus propagou-se à América do Norte e, em 2022, à América Central e do Sul.
Foco de gripe das aves constitui perigo para a população em geral?
Já foram identificados casos de gripe das aves em pessoas, mas, segundo afirma a virologista Maria João Amorim, em declarações ao Observador, este “vírus está adaptado a estar nas aves e não nos humanos“.
“Para conseguir circular entre humanos tem que adquirir uma série de mutações”, afirma a especialista, referindo que esta alteração genética se dá com maior facilidade em pessoas com doenças imunológicas, como era o caso do homem que morreu nos EUA. “O vírus mantém-se durante mais tempo e há uma mutação maior”, refere.
É a própria OMS a referir que, “embora possa ter havido alguns casos que não foram detetados, o vírus não parece infetar facilmente os seres humanos ou propagar-se de pessoa para pessoa”, isto com base nos conhecimentos e na compreensão cientifica atuais.
A virologista alerta, no entanto, para o facto de a transmissão para humanos da H5N1 constituir um perigo de saúde pública muito significativo, uma vez que tal “significaria que o vírus se tinha adaptado a tal”.
Assim, de um modo geral, Maria João Amorim não considera que exista um risco direto para a população geral em relação ao foco que foi detetado em Sintra, já que as autoridades veterinárias e de Saúde estão a agir no controlo e prevenção do surto entre aves.
De acordo com a DGS, que emitiu uma nota à comunicação social na manhã de terça-feira, no caso do surto verificado em Sintra “não há registo de pessoas com sintomas ou sinais sugestivos de infeção humana pelo vírus H5N1”.
Trabalhadores da exploração agrícola estão em risco?
Os trabalhadores de exploração de aviários são quem está, atualmente, em maior perigo de contrair gripe das aves. Em declarações ao Observador, Bernardo Mateiro Gomes, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, diz que, por isso, é nesta “primeira linha de contacto com grandes explorações de aves” que está atualmente focada a atuação das autoridades de saúde.
“A nossa principal aposta e preocupação tem que ser com as condições de trabalho deste indivíduos e com o uso de equipamentos de proteção individual para que não se infetem”, explica o médico, que entende que “para o público geral não há motivo para alarme”.
No caso dos funcionários da exploração aviária de Sintra, e nas pessoas que lhes são mais próximas, o nível de cuidados é, ainda assim, maior. A virologista Maria João Amorim refere que as “pessoas que trabalham com os animais da exploração estão em risco”, que também é extensível às “pessoas que contactam elas”.
De que modo se transmite a gripe das aves?
Segundo a OMS, quase todos os casos de infeção pelo vírus H5N1 em pessoas foram “associados ao contacto próximo com aves infetadas, vivas ou mortas, ou com ambientes contaminados pelo H5N1, por exemplo, mercados de aves vivas”. A organização menciona igualmente “alguns casos de propagação de mamíferos infetados a seres humanos”.
A virologista Maria João Amorim reforça que a transmissão da gripe das aves acontece pelo contacto com aves infetadas e destaca que tal sucede, principalmente, através de fezes, já que o vírus nas aves se manifesta, também, através de uma doença gástrica.
Uma das questões mais recorrentes, quando são detetados surtos de gripe das aves, é a da segurança na ingestão da carne de aves. Bernardo Mateiro Gomes afirma que a transmissão pelo consumo “não é provável” e que “devem ser tomadas as mesmas preocupações para todo o consumo do carne de aves, que devem sempre ser cozinhadas devidamente, nomeadamente para evitar a transmissão de infeções bacterianas”.
O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública destaca que “Portugal é dos países que tem melhor segurança alimentar do mundo”. “Não há indicação para haver modificações de consumo alimentar, tirando as habituais”, reforça.
E que sintomas apresenta este vírus em humanos?
A infeção pelo vírus da gripe H5N1 pode causar uma série de doenças nos seres humanos, desde ligeiras a graves e que, em alguns casos mais extremos, como se comprovou esta segunda-feira nos EUA, podem mesmo revelar-se fatais.
Os dados de doentes infetados em todo o mundo mostram que o vírus provoca problemas respiratórios, mas também conjuntivite e outros sintomas não respiratórios. De acordo com a OMS, também foram detetados alguns casos de pessoas infetadas com o vírus que foram expostas a animais infetados ou aos seus ambientes, mas que não apresentaram quaisquer sintomas.
DGS diz não haver registo de pessoas infetadas na sequência do surto de gripe das aves em Sintra
Bernardo Mateiro Gomes assinala precisamente o que considera ser o “sintoma típico da H5N1”, a conjuntivite, a que os trabalhadores da exploração agrícola em Sintra, olhando para o caso nacional, devem ficar atentos nos próximos dias. Refere também ser comum a ocorrência de febre em doentes infetados com gripe das aves.
O que acontece à exploração em que se verificou o surto?
A transmissão deste vírus entre aves é muito rápida e exige que sejam tomadas ações de controlo e prevenção de transmissão da gripe. Em Sintra, na exploração agrícola identificada enquanto foco para o surto, morreram 279 animais.
O médico de Saúde Pública ouvido pelo Observador diz que, se ainda não tiver tido lugar, será ponderado e executado o abate progressivo das restantes aves, que por terem estado em contacto com aquelas que foram infetadas têm grande probabilidade de estarem doentes, mesmo que não apresentem sintomas.
Segundo Bernardo Mateiro Gomes, deve ainda ser “criado um perímetro de controlo à volta da exploração num determinado número de quilómetros”. “Isto porque as aves voam, podendo assim contagiar explorações próximas”, indica.
Surtos nos EUA devem gerar alerta?
A virologista Maria João Amorim, que não descarta a importância de manter o surto detetado em Sintra controlado, pede que se olhe principalmente para o que se passa nos EUA e para o que considera ser a “falta de controlo na transmissão da gripe A em bovinos“, uma vez que, segundo refere, “o contacto humano com os bovinos é maior”.
“Os EUA estão a começar a pôr em prática diligências para controlar a doença, mas internacionalmente gera muita preocupação”, admite a especialista, que diz que mesmo que não exista, para já, um alerta para a população geral em Portugal, o que se passa em território norte-americano deve ser um “lembrete de que temos de manter sistemas de vigilância adequados para ameaças futuras”.
Bernardo Mateiro Gomes reforça que “vivemos globalmente o aumento da transmissão do H5N1, nomeadamente entre aves e mamíferos, inclusivamente bovinos”. “O influenza tem esta característica que lhe permite fazer o salto entre espécies”, acrescenta, lembrando que a maior preocupação deve ser a de “interromper a transmissão” assim que os casos são detetados.