Chegou às 14h30, como previsto, sentou-se e começou logo num estilo “ardiloso” nas respostas, como repararia o PSD, mais tarde, na comissão parlamentar de inquérito ao caso de Tancos, pedindo-lhe que fosse mais direto. Azeredo Lopes não teve problemas em confrontar os deputados e chamá-los à atenção várias vezes para o bom uso do “português”, não tivesse ele próprio sido “mal interpretado” quando, em 2017, deu uma entrevista à TSF e soltou a frase: “No limite, não houve furto em Tancos”.
Mas, mais do que cuidadoso com as frases, Azeredo Lopes foi irónico e, por vezes, sarcástico. E só quando o chamaram à atenção para essa postura, ao fim de três horas de perguntas na tarde desta terça-feira, o ex-ministro da Defesa tentou deixar para trás aquilo que alguns deputados descreveram como a sua “arrogância, altivez e petulância”.
A inquirição durou, no total, quatro horas, mas este baixar de braços não mudou a visão da maior parte dos partidos: o ministro manteve guardadas para si informações sobre uma ilegalidade da ação da PJM durante um ano e só se demitiu quando a PJ civil avançou com a operação Húbris (palavra para orgulho excessivo) e o primeiro-ministro António Costa foi confrontado com o caso no parlamento. “Memória não tão viva”, chegou a reparar o CDS. “A minha memória não é má”, respondeu, por várias vezes, Azeredo Lopes, mantendo que nunca faltou ao seu “dever de diligência”. Mesmo quando não disse (garante) a Costa o que sabia sobre a operação de recuperação das armas furtadas do paiol de Tancos. Afinal, o que sabia, o que não sabia e o que não faz sentido nas suas declarações?
Encenação ou “modus operandi” para proteger um informador?
18 de outubro de 2017. Um comunicado da Polícia Judiciária Militar dá conta de que, nessa madrugada, o armamento militar furtado em junho do paiol de Tancos tinha sido recuperado na zona da Chamusca. Um ano depois, uma investigação da Polícia Judiciária civil conclui que a operação que levou à recuperação do material teria sido encenada para que a PJM ficasse com os louros da investigação — a qual nunca aceitou que tivesse ficado, por ordem da Procuradoria Geral da República, nas mãos da Polícia Judiciária civil.
O que sabia
O então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, conta que, nesse dia, foi informado da recuperação do material de guerra ainda de manhã. “Fiquei muito satisfeito e a questão, a partir daí, foi saber quem é que ia dizer o quê”, respondeu ao deputado bloquista João Vasconcelos. Na comissão parlamentar de inquérito que apura as responsabilidades políticas no caso, Azeredo Lopes disse que o Ministério da Defesa ainda ofereceu ajuda técnica para a redação do comunicado que iria ser enviado à comunicação social, mas que acabou a dar, apenas, um aval à formulação final.
Já depois de o comunicado sair, conta, Azeredo Lopes estranhou que dele constasse a informação de que todas as armas e munições furtadas tinham sido apreendidas, porque havia uma parte das munições que continuava em falta.
Dois dias depois, estava o ministro em Bruxelas, o então diretor da PJM, coronel Luís Vieira, e o porta-voz que coordenou a investigação ao furto, major Vasco Brazão, vão ao Ministério da Defesa e são recebidos pelo chefe de gabinete de Azeredo Lopes, general Martins Pereira. Levam um documento com orientações para aquele encontro (que acabaria por ficar conhecido como o memorando de Tancos) e explicam que a operação que levou ao achamento das armas, afinal, não nasceu de uma queixa anónima, como tinha sido dito oficialmente, mas de um informador — que exigia que fosse feita uma chamada anónima a partir da Margem Sul. “O que, de facto, nunca percebi”, reconheceu Azeredo Lopes esta terça-feira.
“Havia um informador que não podia ser identificado e que era preciso que alguém estivesse na margem sul para receber a informação sobre o paradeiro do material”, explicou aos deputados sobre a informação que recebeu. Segundo o “essencial” do documento — transmitido pelo seu chefe de gabinete —, “tinha de haver um modus operandi específico para que ele dissesse onde estava o material”, garantindo que não era identificado.
O ex-governante não se recorda, como sustentou o coronel Luís Vieira, já ouvido também pelos deputados, se houve um telefonema para ele durante essa reunião. Mas, se houve, o governante — cuja memória é boa, segundo próprio — teria apenas falado da conversa que manteve, como veremos adiante, com Joana Marques Vidal — a, na altura, Procuradora-Geral da República (PGR).
Depois desse encontro, os dois militares deram ordens a Martins Pereira para destruir o documento, mas Martins Pereira acabou por fotografá-lo antes de o fazer. Também o chefe de gabinete, segundo declarou à comissão, não se recorda se enviou essa cópia ao ministro da Defesa.
Azeredo Lopes diz que Martins Pereira, como aliás era da sua responsabilidade, só lhe deu um resumo da informação que ali constava: que a ação do achamento tinha começado pela informação de um agente encoberto. “Eu não tenho memória, de todo, de algum dia ter lido esse documento antes do dia 12 de outubro, no momento anterior à minha demissão”, reforçou.
O que não sabia
Perante os deputados, Azeredo Lopes insistiu que nunca foi informado sobre uma encenação na recuperação das armas. Garantiu, aliás, que nada mais sabia sobre o memorando e que, na verdade, só o leu há pouco tempo, já decorria a comissão de inquérito. Tentou, ainda, explicar o contexto “perturbadíssimo” em que aquela reunião entre o seu chefe de gabinete e os elementos da PJM tinha decorrido. “A 15 de outubro, ocorrem os incêndios trágicos, é preciso recordar os momentos seguintes: dia 18, demite-se a minha colega [ministra da Administração Interna] e, no sábado seguinte, está marcada uma reunião no Conselho de Ministros”.
O facto de as armas, na mesma altura, terem sido recuperadas, contribuiu para que não tivesse voltado a preocupar-se com o que se tinha passado em Tancos, já que, segundo ele, a única informação que o memorando lhe trouxe de novo terá sido mesmo a do agente encoberto.
O que não faz sentido
Ao mesmo tempo que recusa falar em encenação, a respeito do conhecimento que teve do que aconteceu, Azeredo Lopes parece, na prática, confirmar isso mesmo. Ao revelar a descrição que lhe foi feita do memorando entregue pela PJM ao seu chefe de gabinete, o ex-ministro é claro: “Tinha de haver um modus operandi específico” para que o informador “dissesse onde estava o material” sem ser identificado. Não era esse “modus operandi”, afinal, uma encenação — mesmo que para, supostamente, proteger o agente encoberto?
O deputado do CDS, Telmo Correia, resumiu na comissão isso mesmo: “O documento revela que havia um acordo, e esse acordo passava pelo informador e só podia envolver os assaltantes. E revela que houve uma simulação mandada fazer pela PJM e revela clarissimamente que havia a intenção de afastar a PJ e os senhores continuaram em funções um ano depois disso”, disse ao ex-ministro.
A tese relatada por Azeredo Lopes levanta, de facto, várias interrogações. Como é que o, então, ministro titular da Defesa, perante as informações reveladas ao seu próprio gabinete, não exige saber toda a informação daquele memorando e daquele caso, que se tornou no processo mais importante daquele ano? Como pode não ter questionado a criação de um “modus operandi” para recuperar as armas? Com o envolvimento de um dos assaltantes? E por que razão não reportou o que tinha acabado de saber — à PGR, por exemplo, ou a António Costa, chefe do governo de que fazia parte?
Investigação paralela ou violação de regras?
As respostas parecem ainda mais difíceis de encontrar tendo em conta que, ainda antes daquela reunião entre os elementos da PJM e o chefe de gabinete do ministro da Defesa, Azeredo Lopes já tinha falado com a Procuradora-Geral da República (PGR) sobre os problemas que o caso levantava. Aos deputados, o ex-governante contou — e sublinhou por mais que uma vez nas quatro horas de inquirição — que, pouco depois de o achamento do material militar ter sido anunciado, recebeu uma chamada telefónica de Joana Marques Vidal sobre o comportamento da PJ Militar à margem daquilo que ela própria tinha ordenado — e da investigação que estava entregue à PJ.
O que sabia
Quando ligou a Azeredo Lopes, no dia em que o material roubado de Tancos foi encontrado na Chamusca, a PGR não estava nada satisfeita com a PJM e disse-o ao, então, ministro. “Aquilo que a PGR disse aqui [na comissão de inquérito] corresponde à verdade. O telefonema ocorre por volta da hora de almoço do dia 18, a PGR estava bastante incomodada por não conseguir chegar à fala com o diretor da PJM e, em segundo lugar, porque o achamento e a recuperação do material militar na Chamusca tinha ocorrido com violação das regras que tinham sido determinadas no seu despacho de 4 de julho de 2017”, contou na comissão de inquérito. O tal despacho determinava que o furto ao paiol de Tancos seria investigado pela PJ civil, com a coadjuvação da PJM.
Sem dar grandes pormenores sobre essa conversa telefónica, Azeredo Lopes acabou por admitir que percebeu que aquele trabalho dos militares tinha sido feito “ao arrepio do Ministério Público”. “Há, com certeza, uma atuação que vai além daquilo que a PGR definiu”, afirmou, deixando claro, no entanto, que sabia que existia uma guerra entre as duas polícias (PJ civil e PJM) pelo domínio daquela investigação, tendo lido em vários jornais diversas posições jurídicas sobre o caso.
Mais que isso, Azeredo Lopes diz que também percebeu, no telefonema, que Joana Marques Vidal iria avançar com processos disciplinares contra os elementos da PJM, precisamente por causa do que tinha acontecido. Para o então ministro da Defesa, porém, a PJM tinha apenas violado as regras definidas no despacho da Procuradora-Geral, que dava a investigação à PJ civil.
Ainda assim, assume, nada fez. Nunca questionou essa atitude da PJM (que seria reforçada, dias depois, pelas revelações feitas pelos próprios militares, no encontro com o seu chefe de gabinete). Limitou-se a “verificar” se a Joana Marques Vidal mantinha a intenção de avançar com procedimentos disciplinares. E a passar uma outra informação, que lhe tinha sido transmitida pelo seu chefe de gabinete, ao Conselho de Ministros: a de que os militares envolvidos na operação da PJM tinham tido uma reunião com a PJ civil que tinha corrido mal e estavam com “receio”. “É curioso que esse conteúdo tenha sido estranhamente descrito com pormenores, com protagonistas numa peça muito completa de um jornal digital”, disse, referindo-se ao Observador. E que o agora diretor da PJ, Luís Neves, já veio desmentir.
O que não sabia
Azeredo Lopes garante que nunca recebeu qualquer indicação de que tivesse havido uma investigação da PJM paralela à da PJ civil. Nem pela conversa que teve com Joana Marques Vidal, nem pelo facto de a informação que lhe foi passada depois ter indicado a existência de um informador dos investigadores militares. Diz o mesmo, aliás, a propósito de um outro memorando que o diretor da PJM lhe entregou, ainda em agosto de 2017, pouco depois do assalto, e que, fundamentando com um parecer do penalista Rui Pereira, considerava que a investigação ao furto a uma instalação militar nunca deveria ter saído das mãos da PJM para a PJ civil. “Isso não significa nada”, disse aos deputados.
O que não faz sentido
Mais uma vez, foi o CDS quem questionou esta informação. “O governo soube durante um ano, o país soube um ano depois, que havia uma investigação ilegal”, simplificou Telmo Correia. “O que é certo é que o governo não fez nada”, disse, apontando que houve auditorias e condecorações, mas o ministro da Defesa nada fez em relação a uma investigação que nunca foi comunicada à PJ civil, que era, afinal, a polícia responsável pelo caso.
E, mais uma vez, parece ser uma questão de interpretação: o que significa agir “ao arrepio do Ministério Público”, que, na pessoa da PGR, tinha ordenado que a investigação fosse feita — como estava a ser — pela PJ civil? Ou “uma atuação que vai além daquilo que a PGR definiu”, como também disse Azeredo Lopes? E para que serve um agente encoberto ou informador senão para uma investigação, que a PJM não estava autorizada a fazer?
Além disso, mesmo que diga que não conhecia a existência de uma investigação paralela, o ex-ministro tinha a “convicção”, como revelou na comissão de inquérito, que “era inevitável que se desse início a um processo disciplinar” e até estava a espera de receber essa comunicação no Ministério da Defesa. Então se a PJM tinha feito atos contrários à lei que motivavam um processo desta natureza, “como era aliás compreensível”, como pode o ministro dizer que não existiu ou não tinha indícios de que tinha existido uma investigação paralela?
Memorando ou “documento apócrifo”?
O chamado memorando entregue ao chefe de gabinete de Azeredo Lopes foi depois encaminhado pelo general Martins Pereira ao Ministério Público, dias depois de a PJ civil ter lançado a operação que culminaria na detenção do diretor da PJM e de outros militares que participaram na investigação ilegal ao furto de Tancos. Para Azeredo Lopes, no entanto, o documento entregue — que não está assinado, nem timbrado, muito menos datado — não é um memorando, mas sim um “documento apócrifo” que serviu de base à reunião entre a PJM e o seu chefe de gabinete. E disse-o várias vezes.
Para ele, o verdadeiro memorando foi-lhe entregue em agosto de 2017, vinha assinado pelo diretor da PJM, coronel Luís Vieira, e transmitia somente a sua posição sobre quem devia estar a investigar aquele furto, juntamente com o tal parecer de Rui Pereira.
O que lhe foi dito
No memorando entregue em agosto, Luís Vieira referia que a investigação era da competência da PJM e nunca lhe devia ter sido retirada. “Não consigo ver naquele memorando qualquer declaração do senhor diretor da PJM a anunciar que vai continuar uma investigação ilegal e paralela”, ressalvou Azeredo Lopes.
Já do tal documento “apócrifo”, foi-lhe transmitido um resumo do “essencial”, mas “não de tudo o que lá estava”. “A função de um chefe de gabinete é transmitir a informação fundamental que pode extrair daquela informação, senão não precisávamos de chefe de gabinete, apenas de máquinas fotocopiadoras. E a relação de confiança estabelecida é muito importante”, explicou aos deputados.
Assim, insistiu, soube apenas do informador e da necessidade de proteger a sua identidade, na recuperação do armamento militar, “na margem sul” de Lisboa, além da reunião que tinha corrido mal entre a PJM e a PJ Civil.
Quando, já depois de se ter demitido do governo, leu, de facto, o memorando entregue ao seu chefe de gabinete, disse que ficou “confortado” por ter percebido que a informação que lhe foi transmitida era mesmo a “essencial”.
O que estava no documento
Na descrição feita pelo próprio porta-voz da PJM, Vasco Brazão — um dos militares presentes no encontro com o chefe de gabinete de Azeredo Lopes —, o documento era bastante mais claro e detalhado. Falava da operação da PJM que levou ao achamento das armas de guerra e dava conta da existência do agente encoberto, mas também de uma ação que devia ser feita sem o conhecimento da PJ civil. Mais: referia mesmo uma diligência de investigação da PJM feita no Algarve que nunca foi comunicada à PJ civil, mostrando como, de facto a PJM fez uma investigação paralela à da PJ civil, além de deixar claro que tinha havido, pelo menos, um contacto com um dos envolvidos no assalto.
O que não faz sentido
Berta Cabral, deputada do PSD, lembrou que o memorando entregue a Azeredo Lopes ainda em agosto por Luís Vieira era, por si só, um “statement” e uma forma de “legitimar a investigação”. “Toda a gente percebeu”, insistiu, não compreendendo como o ex-governante não teve a mesma visão. “Não consigo ler isso no memorando”, respondeu-lhe Azeredo Lopes. Para Berta Cabral, conclui-se que Azeredo Lopes “não deu a importância que devia ter dado a um documento que lhe chegou”.
Além disso, também não se percebe como pode Azeredo Lopes ter ficado “confortado” quando leu o documento entregue ao seu chefe de gabinete, ao considerar que tinha ficado a saber do mais importante, se, afinal, ele seria bastante mais detalhado, segundo quem o escreveu — e, eventualmente, poderia ter permitido ao ex-ministro ter uma noção mais exata do que tinha acontecido e agir em conformidade.
Quando e o que soube o primeiro-ministro?
A 1o de outubro de 2018, pressionado com o caso no debate quinzenal no parlamento, António Costa escudou-se no segredo de justiça para não falar sobre o conteúdo do documento que o chefe de gabinete de Azeredo Lopes tinha entregue ao Ministério Público — o memorando que, um ano antes, o general Martins Pereira tinha recebido na reunião com a PJM. “Não querendo eu acreditar que teve acesso a documentos em segredo de justiça, como sabe se o documento é importante ou não é importante?”, contrapôs o primeiro-ministro às perguntas do deputado social-democrata Fernando Negrão. Dois dias depois, no entanto, os seus assessores já o tinham pedido ao Ministério da Defesa e António Costa recebia em mãos uma cópia do memorando, minutos antes de se reunir com Azeredo Lopes — e acabar por aceitar a sua demissão.
O que Azeredo Lopes disse ao primeiro-ministro
No ano que passou entre a entrega do memorando ao chefe de gabinete do ministro da Defesa pelos elementos da PJM e o pedido de uma cópia do documento, feito pelos assessores de António Costa, Azeredo Lopes diz que revelou ao primeiro-ministro — e ao Conselho de Ministros — apenas a informação sobre a reunião entre a PJM e a PJ civil que tinha corrido mal e que tinha feito com que os militares se sentissem ameaçados.
Perante os deputados, o antigo governante lembrou, porém, que, nos meses seguintes, foram muitas as informações que foram chovendo na comunicação social sobre o caso. Assim, apesar de nunca ter falado a António Costa sobre as informações que lhe chegaram, o primeiro-ministro dificilmente não terá ficado a par. “O número de informações que estão à disposição sobre este caso é avassalador. Mostra que era impossível não sermos convocados para o que estava a acontecer diante de nós”, disse. No entanto, só com a operação Húbris da PJ civil e as detenções dos investigadores militares se perceberia o que, de facto, tinha estado em causa.
O que Azeredo Lopes não disse ao primeiro-ministro
Azeredo Lopes garante que, antes da reunião em que acabaria por se demitir, nunca falou com António Costa sobre o memorando entregue pelos militares ao seu gabinete, o informador da PJM e a forma que teve de ser encontrada para proteger a sua identidade na recuperação das armas — as tais informações que recebeu um ano antes.
O ex-ministro só se lembra de um caso de investigação criminal em que se revelou quem era o agente o encoberto (o caso de corrupção nas messes da Força Aérea), mas refere que normalmente esta informação não é revelada. “Suponho que a regra é que quando existe um informador ele não seja divulgado”, justificou. Por isso não estranhou e não a comunicou ao primeiro-ministro. “Tive conhecimento do informador e não transmiti ao senhor primeiro-ministro deste conhecimento lateral, tendo em conta as circunstâncias”.
Também não lhe falou do telefonema da Procuradora-Geral da República, que lhe disse que a PJM tinha violado as regras da investigação criminal e que abriria processos disciplinares. Relativamente a Tancos, garante, Costa só lhe deu orientações quanto à segurança das instalações militares. E que de nada mais falaram até aquele dia 12.
Nesse último encontro, o primeiro-ministro terá ficado “convicto” de que Azeredo Lopes também não sabia do que estava no memorando. Foi, pelo menos, isso que disse o chefe de gabinete de António Costa, também ouvido na comissão parlamentar de inquérito esta terça-feira: “Ficou com a plena convicção de que o ministro da Defesa teria tido contacto com o documento apenas nesse dia” e pela primeira vez, contou Francisco André.
A reunião acabaria, ainda assim, com o pedido de demissão de Azeredo Lopes. Aos deputados, o ex-ministro disse que, naquele momento, teve a noção de que as suas funções se tinham esvaziado e que a sua permanência no cargo iria ser prejudicial, dado os ataques que sofrera e que continuaria a enfrentar. E que preferia demitir-se a ser demitido, por uma questão de orgulho.
O que não faz sentido
Quando Azeredo Lopes e António Costa se encontram, o ministro da Defesa sabia do memorando da PJM, do informador e da forma como as armas foram localizadas havia um ano. Ainda assim, o primeiro-ministro terá ficado “com a plena convicção”, nessa conversa, de que Azeredo só tinha “tido contacto” com o documento nesse dia. A ser assim, o ex-governante terá de ter, pelo menos, ocultado de António Costa o que já sabia. Ou Costa não poderia ter ficado com essa convicção.
Além disso, é difícil perceber a falta de comunicação entre ambos sobre o tema ao longo de todo aquele ano que passou, sobretudo tendo em conta que o furto em Tancos e a operação que levou à descoberta do material de guerra eram um dos assuntos mais importantes daquele tempo — com o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a apelar, várias vezes, para a necessidade da sua resolução. Mesmo assim, Azeredo Lopes nunca tocou na questão com Costa?
Tal como também é difícil perceber que, num tema que pôs em cheque a capacidade do governo e motivou inúmeros ataques à competência do primeiro-ministro, Azeredo tenha recebido um telefonema da Procuradora-Geral da República dando conta de uma atuação ilegal da polícia que tutelava e disso não tenha dado conhecimento ao chefe do governo.
Mais que isso, nenhuma destas informações recebidas tanto por Azeredo como pelo seu chefe de gabinete terá sido sequer transmitida aos seus sucessores nos cargos. Na versão apresentada na comissão de inquérito, acabaram por ser os assessores de António Costa a ir atrás desses dados, depois de um debate quinzenal baseado em notícias de jornais.
Talvez seja o próprio primeiro-ministro a explicá-lo, em resposta às questões que os deputados lhe vão colocar por escrito, no âmbito da comissão de inquérito que visa apurar se houve responsabilidades políticas em todo este processo.