O Chega provou o sabor da derrota e André Ventura assumiu-se como o “único responsável”, mas no partido apontam-se culpas a António Tânger Corrêa e considera-se que foi o cabeça de lista que levou muitas pessoas a optarem pela abstenção. Agora, o partido procura levantar a cabeça, com dúvidas sobre se o resultado pode vir ou não a alterar a postura a nível nacional — sendo que, para já, só ajudou a firmar distâncias para o PSD, através do anúncio do chumbo do Governo de Miguel Albuquerque.
Há algo que é assumido por todos os dirigentes ouvidos pelo Observador: ninguém acreditou que fosse possível o Chega recuar de forma tão abrupta relativamente às eleições legislativas. Acreditava-se que as europeias poderiam não chamar tanta gente às urnas, sabia-se que Tânger não é Ventura, mas no Chega considerava-se que havia um eleitorado mais fiel que sairia de casa para ir votar no partido, independentemente do candidato. Mais do que isso, assumia-se a possibilidade de uma queda, ainda que não para os valores em causa — o Chega teve 18,07% nas legislativas e conseguiu apenas 9,76% nestas europeias.
A noite eleitoral foi de altos e baixos, entre os resultados das projeções e os números que iam chegando das mesas eleitorais. No núcleo duro do Chega sempre se acreditou que o partido não iria perder a posição de terceira força política — e essa realidade foi um dos poucos motivos de festejo no final do dia —, mas a clareza de que as projeções eram mais próximas dos resultados finais do que se chegou a acreditar foi um balde de água fria para um partido que nunca tinha sentido na pele o peso de uma derrota. Ou uma “vitória que não foi assim tão grande”, como chegou a dizer André Ventura nessa mesma noite.
No rescaldo de um resultado que o próprio Tânger Corrêa descreveu como não tendo sido “um dia bom”, o Chega procura razões para que as pessoas não tenham ido votar, três meses após conseguir eleger 50 deputados para a Assembleia da República. É na abstenção que os dirigentes do Chega ouvidos pelo Observador encontram a resposta mais óbvia: “O que levou os nossos votos foi o sumidouro da abstenção” ou “as pessoas não foram votar”.
A justificação mais óbvia está no candidato e é distribuída por diversas premissas. Em primeiro lugar, acredita-se no núcleo duro, os eleitores que encontraram no Chega a casa para o protesto não viram em Tânger Corrêa esse perfil. Dos debates aos argumentos em campanha, o cabeça de lista do partido foi mantendo uma postura de embaixador, de quem prefere não entrar em confronto, de quem entende que é melhor ficar calado do que promover a discussão, e considera-se que isso pode ter jogado contra Tânger Corrêa.
Nos debates, recorda um dirigente ao Observador, o candidato do Chega chegou a ser alvo de acusações por vários adversários e preferiu não responder. “O nosso eleitorado sentiu isso e não gosta de ser atacado e que não se defenda o Chega. O poder de encaixe, vindo da formação profissional, não serve o eleitorado, que gosta de resposta e contra-ataque”, explica ao Observador. A verdade é que esse eleitorado que tem alimentado o Chega está habituado a um André Ventura assertivo, pronto para o confronto verbal e que defende o partido e as convicções até ao fim. E remata-se: “O voto de protesto não se revia no candidato porque não é um candidato de protesto.”
Mas há mais: Tânger Corrêa não é propriamente a pessoa mais popular dentro do partido. Há uma proximidade com o núcleo duro, mas é um dos membros da direção que tem uma relação mais distante com as estruturas. E esta é outra das justificações para que a noite eleitoral não tenha corrido de feição.
Apesar de o partido ter feito arruadas em praticamente todos os distritos do país, há quem note que não houve mobilização por parte das distritais e concelhias, não só durante a campanha eleitoral — o que não permitiu presenças avultadas em várias ações —, mas também na noite eleitoral, onde foi sentida a ausência de vários presidentes de distritais e elementos do partido que raramente falham. “Houve falta de mobilização e isso mostra alguma coisa”, conta um outro dirigente, que entende que as pessoas não se demonstraram tão disponíveis como noutras ocasiões — até porque, ao contrário de umas legislativas, a probabilidade de eleição de dirigentes distritais é mais reduzida. E isso pesou, na visão interna, no facto de as pessoas terem ficado em casa tendo em conta que “as estruturas não conseguiram chamar eleitorado”.
Além disso, “no Chega não se estupidifica” o eleitorado e há certezas de que as pessoas “sabiam que o candidato às eleições não era Ventura” — pelo que se normaliza que Tânger tenha responsabilidades. Mais, enaltece-se também uma “campanha pejorativa” feita contra Tânger Corrêa, com atribuição de culpas à comunicação social e aos programas de entretenimento que, argumentam vários membros do núcleo duro, criaram uma imagem falsa e que ligou Tânger a teorias da conspiração.
Medidos os pulsos após uma noite difícil, o resumo faz-se atribuindo culpas a Tânger Corrêa: “Claro que temos de retirar responsabilidades ao candidato, André Ventura chamou a si a responsabilidade, mas essa responsabilidade tem de ser do cabeça de lista, a responsabilidade é da má performance do candidato”, realça um dirigente do Chega ao Observador.
Em frente a câmaras e de microfones ligados, dirigentes do Chega como Rita Matias ou Pedro Santos Frazão vão assumindo, tal como Ventura fez na noite eleitoral, que o partido ficou aquém das expectativas. Na CNN, o deputado e vice-presidente do partido assumiu que o Chega teve uma derrota e justificou-o com o facto de ter ido “para estas eleições com aquilo que a IL nunca poderá ambicionar, que é vencer as eleições”. Sublinhou que desde 10 de março o Chega “passou a ser um dos três grandes partidos”, que “a partir daí tudo o que não seja uma vitória pode ser um resultado menos saboroso” e reconheceu que “alguma coisa não correu bem”, remetendo para uma análise interna necessária.
Já Rita Matias disse, no programa Comissão de Inquérito do Observador, que os eleitores do Chega podem ter “engrossado estes 61% de abstencionistas”. “Sabemos que nas últimas eleições aquele um milhão de eleitores teriam vindo dessa franja e sabemos que as eleições europeias não motivam tanto a participação e sabemos também que, com espírito crítico, tem de nos levar a refletir que porque é que quando chega ao momento das europeias os portugueses não se sentem tão motivados a participar”, referiu. Porém, ao contrário do colega de direção e de bancada, considera que “o Chega não tem derrota nenhuma” e argumentou: “Diz-se que o Chega perdeu quase metade dos seus eleitores, mas a verdade é que foram as primeiras eleições europeias em que participámos (…) e “passámos de zero para dois eurodeputados”.
Um futuro incerto, com ou sem travões
Mais do que certezas, da noite eleitoral fica a dúvida sobre se estes resultados podem ou não alterar a postura do Chega relativamente à política nacional, desde logo pelo receio de vir a ser castigado nas urnas e de perder a robusta bancada que tem desde 10 de março. André Ventura chegou a recusar logo na noite eleitoral que este tenha sido um cartão vermelho por todas as vezes em que preferiu alinhar ao lado do PS para aprovar medidas, deixando o PSD sem capacidade para avançar com as medidas — e que o Chega foi argumentando tratar-se de uma “coligação com o povo” e não uma coligação negativa com socialistas.
Ainda na noite eleitoral, questionado sobre se os resultados podem causar algum impacto, assegurou que não: “O Chega mantém a sua firmeza de posições, vamos manter a mesma linha que temos tido até agora porque foi essa que nos levou aos resultados de vitória e não nos deixamos afetar por um resultado que não foi uma vitória assim tão grande.” A alguns meses desse que pode ser um documento fundamental para a vida do Governo, dirigentes ouvidos pelo Observador consideram que dificilmente a postura do Chega irá alterar-se — sendo que também nunca se comprometeu com chumbar ou aprovar.
De resto, confrontados com a possibilidade de a pressão vir de dentro pela quantidade de lugares que pode estar em causa (no caso de haver uma queda também nas legislativas), os dirigentes acreditam que não será um argumento válido para encostar Ventura à parede. Certos de que o presidente do partido “não vai pensar nisso na hora da decisão”, até se acredita que pode haver pressão, mas não que o líder do Chega seja “permeável” a isso.
Mais a mais, o Chega mostrou exatamente o movimento oposto quando, um dia após as eleições europeias, Miguel Castro anunciou que o partido vai votar contra o programa do Governo Regional do PSD por considerar que “Miguel Albuquerque não tem condições políticas, nem éticas, para liderar o governo da Região Autónoma da Madeira” por ser “arguido num processo judicial que o implica em redes tentaculares de influência e jogos de interesses que não podem existir na governação, nem, muito menos, serem premiadas com o silêncio ou com a complacência parlamentar”.
André Ventura veio confirmar, no dia seguinte, que deu indicações para que o Chega/Madeira votasse contra o programa do Governo de Albuquerque, deixando claro que o partido “procurou, por todas as vias, sensibilizar o PSD e o CDS para a necessidade de substituir Miguel Albuquerque” por não ter “condições éticas, políticas e pessoas para continuar à frente do governo regional” — “Era impossível o Chega suportar este Governo”, rematou.
Desta forma, André Ventura não só tenta mostrar que o Chega não está fragilizado ao ponto de se colocar ao lado do PSD na Madeira, como deixa o flanco aberto para mostrar que pode bem manter uma postura de distância dos sociais-democratas que procurou ir sublinhando depois da nega de Montenegro e do “não é não” que o deixou a falar sozinho e a sonhar com uma solução à direita.
Com a primeira grande desilusão em cinco anos, o Chega tem cacos para apanhar, vai para Bruxelas com apenas dois eurodeputados quando ambicionava muito mais, mas quer acreditar que esse foi um epifenómeno apenas digno de europeias. Sem grandes certezas, ninguém se atreve a adivinhar o futuro, nem sequer umas eleições que não estão no horizonte, mas Ventura é dos poucos a dizer que é possível legislativas para “breve”. Resta saber se este era um bom timing para experiências arriscadas.